Acórdão nº 50050841320218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50050841320218210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002306875
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005084-13.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador ÉRGIO ROQUE MENINE

APELANTE: JOAO BARBOSA (AUTOR)

APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOÃO BARBOSA em face da sentença (evento nº 19 dos autos de origem) que julgou improcedente a ação de obrigação de fazer que move em desfavor de BANCO INTER S.A., nos seguintes termos:

''(...)

SSO POSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão deduzida por João Barbosa na presente ação ajuizada contra o Banco Inter S.A.

Sucumbente, arcará a parte autora com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor dado à causa, na forma do artigo 85, § 2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade em razão da AJG.

(...)''

Em suas razões (evento nº 23 dos autos de origem), a parte apelante alega que o objeto do contrato celebrado com a parte apelada, em verdade, se trata de empréstimo consignado comum e não de cartão de crédito, uma vez que, muito embora tal cartão de crédito jamais tenha sido desbloqueado e utilizado, lhe foi disponibilizada, pela parte ré, certa quantia através de operação bancária. Nesse sentido, afirma que tal contrato é abusivo, sob os fundamentos de que os juros exigidos estão acima da taxa média cobrada para a modalidade; e que a instituição financeira recorrida desconta mensalmente o mínimo da fatura diretamente no seu benefício previdenciário; que a dívida relativa à importância emprestada, em que pese tenha efetivado pagamentos, supera o valor disponibilizado pela instituição financeira; e não há prazo final para pagamento das faturas. Além disso, roga pela compensação dos valores adimplidos, sendo constatada quantia excedente, bem como a repetição, em dobro, do indébito. Por fim, postula pelo redirecionamento do ônus sucumbencial, com a fixação de honorários no patamar de 20% sobre o valor da causa e indenização por danos morais, na quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais). Nestes termos, pede o provimento do recurso.

O recurso é tempestivo. Dispensado o recolhimento do preparo, porquanto a parte autora litiga ao abrigo da gratuidade judiciária.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (evento nº 27 dos autos de origem), por meio das quais, rebate as razões recursais e roga pela negativa de provimento do recurso.

Por fim, registro que foi observado o disposto nos arts. 931 e 934 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso e o recebo em seus efeitos legais.

Passo ao julgamento.

Inicialmente, consigno que, no que concerne à natureza da contratação, por se tratar de relação consumerista, compete à instituição financeira comprovar que o empréstimo realizado foi ajustado nos termos cobrados, nos moldes do art. 6º, VII, do Código de Defesa do Consumidor e do art. 373, II, do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, no caso em exame, como se nota do contrato celebrado entre as partes (documento nº 18 do evento nº 07 dos autos de origem), houve, por parte do autor, a livre concordância com a modalidade pactuada, a qual prevê a cobrança de reserva de margem consignável (RMC).

Contudo, o atual entendimento firmado por esta Câmara é no sentido de que a cláusula que permite descontos na folha de pagamento da requerente sem conter data-limite para que cessem gera excessiva oneração à consumidora e enseja flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, V, do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DEFEITO NO DEVER DE INFORMAÇÃO. PRÁTICA ABUSIVA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. Autor pretendia contrair empréstimo pessoal consignado e assinou termo de adesão a um contrato de Cartão de Crédito Consignado com autorização para desconto da Reserva de Margem Consignável (RMC) em folha de pagamento. Não obstante esteja a contratação adequada à moldura legal, forçoso reconhecer que a cláusula que permite os descontos na folha de pagamento do autor, sem conter data-limite para que cessem, enseja a perpetuação da dívida, ocasionando excessiva oneração ao consumidor e flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando prática abusiva e vedada, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Contudo, não vinga a pretensão de declaração de nulidade da relação jurídica, com a desconstituição total do débito, visto que o art. 881 do Código Civil veda o enriquecimento sem causa. Além disso, estabelece o art. 51, § 2°, do CDC que a nulidade de uma cláusula não invalida a totalidade do contrato. A ilegalidade na forma de cobrança do débito acarreta a anulação da cláusula que prevê a cobrança das parcelas do empréstimo através de descontos a título de Reserva de Margem Consignável, devendo ser cancelados tais descontos. Via de consequência, converte-se o “Contrato de Cartão de Crédito Consignado” para “Empréstimo Pessoal Consignado”. As parcelas do empréstimo já descontadas eram devidas não prosperando o pleito de repetição de indébito em dobro dos valores descontados, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora. Cabível, todavia, que eventual valor excessivo que venha a ser descontado após o recálculo da dívida na fase de liquidação de sentença, seja repetido na forma simples. Não prosperam os danos morais por não restar demonstrada qualquer situação vexatória ou abalo psíquico de maior monta, cuidando-se de transtorno que não ultrapassou o mero dissabor. Convém destacar que o pensionista, em momento algum, esteve na iminência de ser negativado.APELAÇÃO INTEOSTA PELO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082923020, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 12-03-2020). (Grifei).

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CARTÃO DE CRÉDITO VINCULADO. IRREGULARIDADE DE DESCONTOS NA RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA (RMC). NOVO ENTENDIMENTO DESTA COLENDA CÂMARA. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INFRINGÊNCIA DO DEVER DE INFORMAR. VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MERO DISSABOR. SUPORTE FÁTICO NÃO COMPROVADO. Não obstante haja a possibilidade legal de contratação de empréstimo na modalidade de desconto RMC, no caso em apreço, a cláusula que permite os descontos na folha de pagamento da autora se revela abusiva, na medida em que não prevê prazo final para estes, de sorte que gera excessiva onerosidade à consumidora, a qual não restou devidamente informada das condições do pacto que firmava. Assim, vai declarada a abusividade da cláusula e, consequentemente, o contrato passará a ser regido como um empréstimo pessoal consignado. Diante da revisão contratual, imperiosa a descaracterização da mora ante o necessário recálculo do débito com a repetição ou compensação de forma simples de valores eventualmente pagos a maior. Embora tenha sido afastada a cobrança de valores indevidos e que não se tenha demonstrado o dever de informar pelo réu, não houve prova suficiente da alegada situação vexatória e constrangedora sofrida pela parte autora, condição que se impunha, sobretudo quando impossível a aferição de pronto de circunstância dessa natureza. Por isso, insuscetível de acolhimento o pleito de indenização por dano moral. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 5002126-85.2019.8.21.0009, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto A. de Moraes, Julgado em: 29-10-2020). (Grifei).

Todavia, o reconhecimento da prática abusiva acima citada e a consequente revisão do pacto são condicionados à inexistência de uso do cartão de crédito, pois esta indica a carência de informação da parte consumidora acerca do ajuste e, assim, enseja a nulidade de cláusulas impostas no contrato.

No caso concreto, as faturas acostadas ao evento nº 07 dos autos de origem (FATURA 01-15) dão conta de que não houve a realização de compras no cartão de titularidade do demandante, o que corrobora com as teses de prática abusiva e falha no dever de informação.

Para melhor elucidar a questão, transcrevo o voto da Ilustre Desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos proferido no julgamento da Apelação Cível nº 5025520-14.2020.8.21.0001, entendimento ao qual me filio e adoto como razões para decidir:

"(…) No que se refere ao empréstimo na modalidade RMC, é caso de manter a conversão para empréstimo pessoal consignado para aposentados do INSS.

A partir da petição inicial, nota-se que o autor não nega ter contraído empréstimo pessoal com a instituição bancária, a inconformidade diz respeito aos descontos a título de cartão de crédito consignado, o qual afirma não ter contratado ou usufruído.

O banco acostou os contratos de cartão de crédito, firmados entre as partes em novembro/15, contando com expressa autorização do consumidor para constituir reserva de margem consignável do seu benefício (evento 12; contrato 2).

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