Acórdão nº 50051304320208210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50051304320208210059
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002208811
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005130-43.2020.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora NAELE OCHOA PIAZZETA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra E. F. DA S., nascido em 28-02-1959 (fl. 02), com 61 anos de idade, dando-o como incurso nas sanções do artigo 217-A, § 1º, combinado com o artigo 226, inciso II, ambos do Código Penal, pelo fato assim narrado na peça acusatória:

“[...]

No dia 08 de junho de 2020, por volta das 16h10min, na Rua Marechal Deodoro, nº 505, Centro, em Osório/RS, o denunciado E. F. DA S. praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima R. de C. da S. V., a qual, por deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato.

Na ocasião, prevalecendo-se da relação de coabitação e afinidade com a vítima, eis que padrasto desta, aproveitando-se do momento em que estavam sozinhos, o denunciado, exibindo seu pênis, mandou que a ofendida praticasse masturbação.

Em seguida, a companheira do acusado e genitora da ofendida, chegou na residência. Ao dirigir-se ao quarto da filha, flagrou a prática do ato libidinoso.

Ressalta-se que a ofendida possui deficiência permanente, consistente em síndrome de Down, conforme atestado juntado ao inquérito policial, não possuindo o necessário discernimento para a prática dos atos.

[...]”.

O réu teve sua prisão preventiva decretada em 03/07/2020 (evento 2, PROCJUDIC2, fls. 07-08).

Denúncia recebida em 03-07-2020 (evento 2, PROCJUDIC2).

Citado pessoalmente (evento 2, PROCJUDIC2, fls. 15-16), apresentou resposta à acusação, requerendo a posterior apresentação do rol de testemunhas, por intermédio da Defensoria Pública (evento 2, PROCJUDIC2, fl. 17).

Não havendo hipótese ensejadora de absolvição sumária, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal, foi determinado o prosseguimento do feito (evento 2, PROCJUDIC2, fls. 19-21).

Durante a instrução, foram colhidas as declarações da vítima e inquiridas 02 (duas) testemunhas (evento 2, PROCJUDIC2, fl. 43 e evento 75, TERMOAUD1).

O Ministério Público apresentou aditamento à denúncia (evento 2, PROCJUDIC2, fls. 59-61):

1º E 2º FATOS DELITUOSOS:

No dia 08 de junho de 2020, por volta das 16h10min, e em pelo menos uma outra oportunidade anterior, em data não suficientemente esclarecida, na Rua Marechal Deodoro, nº 505, Centro, em Osório/RS, o denunciado E. F. DA S. praticou conjunção carnal (1º Fato Delituoso) e atos libidinosos diversos da conjunção carnal (2º Fato Delituoso) com a vítima R. de C. da S. V., a qual, por deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato.

Nas ocasiões, prevalecendo-se da relação de coabitação e afinidade com a vítima, dado que padrasto desta, aproveitando-se dos momentos em que ficava sozinho com a infante, o denunciado praticou com ela conjunção carnal, em uma primeira oportunidade cuja data não foi suficientemente apurada (1º Fato), bem como, em uma derradeira ocasião, praticou atos libidinosos diversos com a vítima (2º Fato), aproveitando-se de sua incapacidade de compreensão e resistência, em razão de doença mental.

No tarde do dia 08 (2º Fato), a companheira do acusado e genitora da ofendida, retornou à residência antes do horário previsto, flagrando o denunciado praticando atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, em posição de ato sexual, já que a ofendida estava na cama, com as pernas abertas, ao passo que o denunciado estava posicionando entre as pernas dela, tudo com o fim de satisfação de sua lascívia.

Questionado pela genitora da vítima, o denunciado afirmou que ela não o deveria culpar, pois a vítima seria responsável, já que o havia solicitado. Ressalta-se que a ofendida possui deficiência permanente, consistente em síndrome de down, conforme atestado juntado ao inquérito policial e laudo pericial de fls., não possuindo o necessário discernimento para a prática dos atos.

O recebimento do aditamento ocorreu em 30-09-2020 (evento 2, PROCJUDIC2, fl. 62).

O réu foi citado do aditamento (evento 2, PROCJUDIC2, fl. 72).

Realizada audiência para o interrogatório do réu (evento 75, TERMOAUD1).

Atualizados os antecedentes criminais (evento 78, CERTANTCRIM1).

Apresentados memoriais pelo Ministério Público (evento 82, ALEGAÇÕES1) e pela defesa (evento 85, MEMORIAIS1).

Sobreveio sentença (evento 87, SENT1), publicada em 27-04-2021, julgando procedente a pretensão punitiva para condenar E. F. DA S. como incurso nas sanções do artigo 217-A, § 1°, combinado com o artigo 226, II, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, em regime inicial fechado1. Custas por ele suportadas, suspensa a exigibilidade. Mantida a prisão cautelar, uma vez presentes os requisitos autorizadores.

Intimado da sentença pessoalmente (evento 108, CERTGM1), interpôs recurso de apelação (evento 96, APELAÇÃO1).

Em suas razões, alega insuficiência probatória para ensejar juízo condenatório e ausência de demonstração da vulnerabilidade da vítima. Ainda, requer a absolvição do primeiro fato descrito na denúncia em razão inexistência de informações sobre quando, como e quando ocorreu o delito, o que impede o direito de defesa. Por fim, mencionando a atipicidade, fazendo menção a uma suposta anuêcia para com o ato sexual (evento 104, RAZAPELA1).

Recebida (evento 100, DESPADEC1) e contrariada a inconformidade (evento 107, CONTRAZAP1), vieram os autos a esta Corte, manifestando-se o ilustre Procurador de Justiça, Paulo Antônio Todeschini, pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 7, PROMOÇÃO1).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

Conclusos para julgamento.

Breve relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela DEFENSORIA PÚBLICA em favor de E. F. DA S. no qual se insurge da condenação pela prática do crime de estupro de vulnerável, em continuidade delitiva, à pena de 14 anos de reclusão em regime fechado.

Postula a absolvição ante a ausência de prova apta a ensejar condenação e por atipicidade da conduta, diante da não comprovação da vulnerabilidade da vítima.

Inicio pelo pleito absolutório por insuficiência probatória.

Não colhe.

A materialidade delitiva está consubstanciada pelo boletim de ocorrência, atestado de deficiência permanente da vítima, laudo de verificação de violência sexual e laudo complementar (todos contidos no evento 2, INQ1 e evento 2, PROCJUDIC2), bem como pela prova oral colhida e demais elementos coligidos ao feito.

Autoria demonstrada.

A prova oral foi bem resumida na sentença, a qual utilizo do trecho como razões de decidir:

A vítima R. de C. da S. V. foi ouvida por meio do método "depoimento sem dano". Questionada sobre quem é E., disse que é “vagabundo” e não gosta dele, porque ele fez sexo com ela em sua cama. Ele dizia “eu te quero” e pegava em seus seios. Ele estava sem a parte de baixo da roupa. Aconteceu a penetração. Ninguém viu ele fazendo sexo com a depoente, nem sua mãe. E. já lhe bateu, mas nunca viu ele fazendo isso com sua mãe. Uma vez sua mãe chegou na hora em que E. estava tentando lhe fazer algo. Ela brigou com ele. Disse que foi em um dia que a mãe dela foi pagar uma conta que ele fez sexo com ela na cama dela. Depois que E. fez sexo com a depoente, ainda viu ele em casa. Não foi na mesma vez que a mãe chegou em casa. Questionada se foram duas vezes, disse que uma vez em que ele fez sexo e outra vez que a mãe chegou, disse que “isso”. Nessa vez, em que a mãe chegou, ele queria mamar na teta, pegar na perereca e no ânus. Ele colocou o pênis na depoente.

O relato da vítima, apesar de uma certa dificuldade de compreensão, encontra respaldo no depoimento de sua genitora. Nesse sentido, J. da S. V. relatou que estava acostumada a sair e deixar R. em casa. No dia do fato, E. foi trabalhar e, logo em seguida, a depoente saiu para ir até a lotérica. Telefonou duas vezes para R., como sempre fazia quando estava na rua para saber se ela está bem. Estava saindo da lotérica e sentiu uma pressão no coração, achou que algo pudesse estar errado e se apressou para chegar em casa. Ao chegar em casa, viu o carro de E.. Depois soube que, logo que saíram, o réu ligou para R. para saber se ela estava em casa sozinha. Achou estranho que a casa estava toda trancada, pois era dia de sol. Entrou sem fazer barulho, pois sentia que havia algo estranho acontecendo. Da porta do quarto de R. viu a filha sentada na cama, com as pernas pra fora, e E. na frente dela, com as calças abaixo do joelho e sem camisa. Entrou em pânico e agrediu E. com socos. Deu uns tapas em R., pois se sentiu traída. Ficou perturbada de ver "aquele baita homem tomando conta do corpo” da filha. Ele pediu perdão à depoente e disse que era R. quem pedia. O réu disse que se mataria ou se entregaria para a polícia. Nesse meio tempo, enquanto a depoente ligava para a polícia, E. pegou roupas e o telefone celular da R.. "Tudo que ele fazia ele filmava” com seu celular. Perguntou a R. o que o réu estava fazendo, tendo ela respondido que ele estava penetrando. Questionou-a porque deixava ele fazer aquilo e a vítima respondeu que gostava. Ela não tem noção do que estava fazendo. E. estava no meio das pernas de R., que estava sentada na cama, com as pernas para baixo. Não tem certeza se ela estava ou não sem roupas, pois ficou muito perturbada quando viu a cena. Ele manifestava estar sentindo prazer com a vítima. R. lhe contou que já tinha acontecido outras vezes, há...

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