Acórdão nº 50051368820208210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50051368820208210014
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001891066
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005136-88.2020.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU)

APELADO: MARIA HELENA DE SOUZA CAMARGO (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto inicialmente o relatório da sentença:

MARIA HELENA DE SOUZA CAMARGO ajuizou a presente demanda em desfavor do BANCO OLE CONSIGNADO S.A., ambos qualificados, narrando que constatou que estão sendo realizados descontos no seu benefício previdenciário, em favor do réu, em relação a contratos que desconhece, não anuiu e tampouco recebeu qualquer valor. Aduziu que tentou fazer cessar tais descontos na esfera extrajudicial, mas não obteve êxito. Defendeu a necessidade da declaração de inexistência de relação jurídica, da repetição do indébito em dobro e discorreu sobre o abalo moral sofrido pelo fato. Postulou, em tutela de urgência, a suspensão dos descontos. No mérito, a declaração de inexistência de relação jurídica, a repetição do indébito em dobro e a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Ainda, a concessão da gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova. Acostou documentos (evento 01).

Recebida a inicial, foi corrigido o valor da causa, deferida a gratuidade da justiça, invertido o ônus da prova e indeferida a tutela de urgência postulada (evento 03).

Irresignada, a parte autora interpôs agravo de instrumento (evento 08), o qual foi provido (evento 16).

Citado, o réu contestou (evento 18), arguindo que realizou auditoria, porém não foram encontradas anormalidades nos contratos, os quais foram firmados por livre e espontânea vontade pela autora. Discorreu sobre as características dos contratos em discussão, argumentando que a parte autora aceitou os contratos em comento e teve ciência do número de parcelas, valores, datas de vencimentos, taxas de juros e demais dados, anuindo a todas as cláusulas contratuais. Impugnou o pedido indenizatório por danos morais e o pedido de restituição de valores em dobro. Defendeu que, em caso de procedência dos pedidos, haja a devolução dos valores recebidos. Requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos.

A parte autora replicou (evento 26).

Oportunizada a produção probatória (evento 28), foram acostados documentos aos autos (43 e 44), com manifestação das partes (eventos 49 e 50).

Sobreveio sentença de parcial procedência:

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para:

I – DECLARAR a inexistência de relação jurídica entre as partes, no tocante aos contratos nº 154726170 e 154726421;

II – CONDENAR a ré à devolução em dobro dos valores cobrados da autora (em relação aos contratos nº 154726170 e 154726421), acrescidos de correção monetária e juros, na forma da fundamentação;

III - CONDENAR a ré ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de danos morais, acrescidos de correção monetária pelo IPCA desde a data da sentença e de juros de mora de 1% desde o evento danoso (data da inclusão do desconto no benefício previdenciário da autora), ambos até o dia do efetivo pagamento;

IV - DETERMINAR que a ré faça cessar, de forma definitiva, em relação aos contratos nº 154726170 e 154726421, os descontos do benefício previdenciário da autora.

Em virtude da sucumbência recíproca, CONDENO cada parte ao pagamento de 50% das custas e despesas processuais, assim como honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa pelo IPCA, na forma do art. 85, §2º, do CPC.

SUSPENDO a exigibilidade dos ônus sucumbenciais da parte autora, pelo prazo legal (na forma do art. 98, §3º, do CPC), em virtude de litigar amparada pelo benefício da gratuidade da justiça.

PROIBIDA a compensação da verba honorária.

Apelou o demandado. Em suas razões, alegou que desincumbiu-se do ônus de provar a contratação de empréstimos consignados eis que juntados aos autos contratos bancários devidamente assinados. Destacou que o contrato 154726170 foi firmado em agosto de 2019 em R$732,02 a ser pago em 72 parcelas de R$19,15, sendo o valor liberado de R$338,72 mas o restante utilizado para quitar o contrato 15361249. Disse que foi liberado por TED na conta da autora. Esclareceu que o contrato 154726421 firmado em agosto de 2019 no valor de R$1.551,92 a ser pago em 72 parcelas de R$40,53 serviu para quitar contrato anterior 153612472, sendo liberado o valor de R$261,17 também através de TED. Frisou que os documentos devidamente assinados foram juntados aos autos. Insurgiu-se contra a determinação de repetição em dobro do indébito. Requereu o abatimento do crédito liberado através de TED. Sustentou a inocorrência de danos morais passíveis de indenização. Pediu provimento.

Foram apresentadas contrarrazões.

Foi o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade da apelação cuja análise compete exclusivamente ao juízo ad quem (art. 1.010, § 3º do NCPC), passo a examinar as razões recursais.

Pretendeu a autora suspensão de descontos efetuados em seu benefício previdenciário a título de empréstimos consignados, alegando não ter contratado com a requerida. Postulou, ainda, a repetição do indébito e indenização de danos morais.

Uma vez comprovada a realização dos descontos mensais referente aos contratos nº 154726170 e 154726421, ambos com início das parcelas em 02/19, não se pode exigir da parte autora a prova negativa da não contratação. À requerida cabia demonstrar que a autora contraiu os empréstimos consignados em seu benefício previdenciário, ônus do qual não desincumbiu.

O fato de o juízo de origem - com base em TED comprovada pelo réu - ter se convencido pela regularidade da contratação de dois dos empréstimos objeto desta demanda não faz presumir que todos tenham sido efetivamente contratados. Em réplica, a autora contestou a assinatura aposta nos documentos, sendo que a autenticidade só poderia ser atestada por uma perícia grafodocumentoscópica que não consta do processo e que competiria à requerida produzir, considerando o art. 429, II do CPC.

Presume-se, pois, ter se tratado de contratos firmados mediante fraude, sendo que a instituição financeira, ao não tomar as devidas precauções no momento de identificar corretamente os dados do contratante, prestou um serviço defeituoso, devendo responder pela reparação de danos, independentemente de culpa, na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

O Eg. STJ entende que as fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias inserem-se no conceito de fortuito interno, o que não exclui a responsabilidade civil objetiva do fornecer, por força da teoria do risco da atividade. A respeito, tem-se a Súmula 479, que assim estabelece:

Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

O fortuito interno, para o doutrinador SERGIO CAVALIERI FILHO, é entendido como o "fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da realização do serviço, e não exclui a responsabilidade do fornecer porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento [...]". (Cf. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 490)

Evidenciada, pois, a falha na prestação do serviço, presente está a obrigação de indenizar. O dano moral, no caso, decorre das próprias circunstâncias fáticas, eis que o autor foi privado de quantia utilizada para sua subsistência, estando configurado o dano in re ipsa.

A respeito, cito precedentes da Câmara:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. FRAUDE. DANO MORAL. QUANTUM. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. Sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele aferir e aquilatar sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370 do Código de Processo Civil. Cerceamento de defesa não reconhecido. A situação narrada nos autos, na qual foram cobrados valores por empréstimos não contratados pela parte autora, caracteriza dano moral e gera o dever de indenizar. O valor do dano moral deve ser estabelecido de maneira a compensar a lesão causada em direito da personalidade e com atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Quantum indenizatório mantido. Diante da demonstração de fraude na contratação, cabível a restituição de todas as parcelas descontadas de forma indevida da parte autora, de forma simples, pois a repetição em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. Apelo não provido.(Apelação Cível, Nº 70083467183, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em: 05-03-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL OCORRENTE. - Caso em que a instituição financeira requerida não evidenciou a regularidade da cobrança de valores em nome da consumidora, ônus este que lhe era dirigido, consoante dispõe o art. 373, II do CPC. - Devolução das quantias de forma simples. Ausência de má-fé da parte demandada. Precedente. - Abatimentos de importâncias em benefício previdenciário....

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