Acórdão nº 50051410920218210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-06-2023

Data de Julgamento09 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50051410920218210101
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003761473
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005141-09.2021.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. (RÉU)

APELADO: RONALDO HERGERT (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação de rescisão de contrato n. 50051410920218210101, movida contra RONALDO HERGERT.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 35):

ANTE O EXPOSTO, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por RONALDO HERGERT em face de GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIAÇÕES LTDA., para o fim de:

a) DECLARAR rescindido, a partir da data desta sentença, por culpa da ré, o contrato GVI26151;

b) CONDENAR a parte ré a devolver os valores pagos pela parte autora, em parcela única, devidamente corrigida pelo IGP-M, a partir da data de cada adimplemento, e acrescidas de juros de 1% ao mês, a contar da citação;

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento da cláusula penal invertida no percentual de 20% sobre o valor integralizado pela parte autora, nos termos da fundamentação, corrigida pelo IGP-M e acrescida de juros de 1% ao mês, ambos a contar da data desta sentença.

Sucumbente em maior proporção, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte autora, os quais fixo em 20% sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 85, § 2°, do CPC, bem como disposição contratual nesse sentido.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

A parte apelante, GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A., em apelação, requer a reforma da sentença, discorrendo acerca da validade das cláusulas contratuais, modo pelo qual cabível a manutenção da multa compensatória fixada. Afirma que a aquisição da unidade foi para destinação hoteleira, não havendo prejuízo ao adquirente quando mantida a área privativa.

Menciona que quanto à alteração da incorporação, a decisão desconsiderou as particularidades da multipropriedade, definida pela Lei 13.777/18, a qual define que o proprietário é titular de uma fração de tempo.

Refere que a alteração no projeto ocorreu com o intuito de melhorar o desempenho do resort, o pool hoteleiro e possibilitar a redução do valor da taxa condominial.

Discorre sobre o regime de multipropriedade.

Sustenta a inaplicabilidade do Tema 971 do STJ, quando se trata de pedido de rescisão de contrato, com a devolução dos valores pagos.

Aduz que "Diante do pedido de rescisão contratual, as partes devem retornar ao status quo ante, não sendo devida a incidência de encargos pela impontualidade, que só seriam cabíveis em caso de manutenção do contrato".

Colaciona jurisprudência.

Requer "seja conhecido e provido o presente recurso para reformar a decisão de primeiro grau, mantendo hígido o contrato firmado entre as partes ou, alternativamente, reconhecendo que a rescisão contratual decorreu de interesse pessoal do Apelado e, portanto, deve ser mantida a obrigação de efetuar o pagamento da multa prevista no Contrato firmado entre as partes, bem como para afastar a inversão da cláusula penal."

Postula o provimento do apelo.

Houve preparo.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões, mas sem inovar no debate (ev. 63).

Aporta aos autos petição (ev. 08), por meio da qual a parte apelante requer a suspensão do processo "em razão da decisão proferida na recuperação judicial, tombada sob o nº 5016072-82.2023.8.21.0010, em trâmite junto à Vara Regional Empresarial da Comarca de Caxias do Sul/RS", além de levantamento de eventuais valores depositados.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade.

RELAÇÃO CONTRATUAL

Trata-se de ação de rescisão de contrato de compra e venda cumulada com pedido de indenização por danos materiais ajuizada por RONALDO HERGERT em face de GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIAÇÕES LTDA.

As partes firmaram, em 13.01.2018, contrato de compra e venda referente à unidade unidade autônoma 304, bloco E, pavimento 2, com área privativa de 35,61m², área comum de 52,91m² e área total de 88,52m², no empreendimento Gramado Buona Vitta Resort Spa, localizado em Gramado/RS no regime de multipropriedade (frações), pelo valor de R$ 66.900,00.

Afirma a parte demandante que houve alteração do projeto pela demandada, diante do aumento das unidades autônomas e diminuição da área comum, com o acréscimo de mais 138 unidades, fazendo com que a área adquirida passasse de 52,91m² de área comum para 42,36m² e área total de 88,52m² para 77,97m² de área total.

Postulou a rescisão do contrato, com a devolução dos valores pagos, acrescido da cláusula penal.

A sentença julgou parcialmente procedente a demanda, determinando a rescisão do contrato, com a inversão da cláusula penal e devolução integral dos valores pagos.

Irresignada, a parte demandada apelada.

Enfrento os temas de forma destacada.

PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSSO

Em que pese tenha sido deferida a recuperação judicial da parte apelante nos autos da ação judicial nº 5016072-82.2023.8.21.0010, não há falar em suspensão do processo, haja vista que sequer houve o trânsito em julgado da sentença, estando o processo ainda em fase de conhecimento.

Assim, não é possível a suspensão do processo, porquanto não há nenhum ato de constrição patrimonial, tampouco existe, ainda título executivo a instrumentalizar a fase de cumprimento de sentença.

Pedido indeferido.

RESCISÃO DO CONTRATO

O caso dos autos se resolve pela análise do ônus da prova (art. 373 do CPC/15), porquanto os litigantes apresentam versões opostas acerca do responsável pela rescisão do contrato entabulado.

Calha ao caso em apreço a lição de MOACYR AMARAL SANTOS, in Comentários ao Código de Processo Civil, IV Volume, Forense, 1986, p. 1/2, em relação a divisão dos encargos da demonstração da prova dos fatos alegados.

Transcrevo os argumentos do emérito processualista, in verbis:

"Toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato. É com fundamento num fato, e dele extraindo conseqüências jurídicas, que o autor formula o pedido sobre o qual o juiz irá decidir na sentença. O autor, assim, faz afirmação de um fato, que poderá ou não corresponder à verdade. Se a essa afirmação se opõe a afirmação do réu, a qual também poderá ou não corresponder à verdade, quer negando aquele fato ou revestindo-o de outros caracteres, ou consistente num outro fato, cuja existência importe na negação daquele, ou do qual deduza conseqüências obstativas à pretensão do autor, se esbatem afirmações igualmente respeitáveis, mas que igualmente não subsistem por si mesmas em relação ao juiz. Este, a quem as afirmações são dirigidas, para considerá-las na sentença e, por sua vez, fazer a sua afirmação quanto aos fatos deduzidos pelas partes, precisa convencer-se da existência dos mesmos. Porque a afirmação do juiz necessariamente deverá corresponder à verdade. Para o juiz, não bastam as afirmações de fatos, mas impõe-se a demonstração da sua existência ou inexistência. Por outras palavras, o juiz quer e precisa saber da verdade em relação aos fatos afirmados pelos litigantes. A exigência da verdade, quando à existência ou inexistência dos fatos, se converte na exigência da prova destes".

No caso concreto, em apertada síntese, a parte autora diz que o réu não cumpriu o contrato a tempo e modo, pois alterou de forma unilateral o empreendimento, ao passo que o demandado sustenta que as alterações realizadas não trouxeram qualquer prejuízo ao autor, muito antes pelo contrário, resultando em um aumento das áreas de lazer do empreendimento, considerando a natureza comercial e o regime de multipropriedade do imóvel, regido pelos arts. 1.358-C e 1.358-E do Código Civil.

Pois bem.

Extrai-se dos autos que as partes celebraram contrato denominado de "Contrato Particular de Compra e Venda de Unidade Imobiliária, no regime de Multipropriedade (Frações)", GVI26151, em 13.01.2018 (ev. 01 - Contrato 4) por meio do qual ajustaram a compra e venda da fração ideal indivisível de 3,84%, correspondente a 1/26 da unidade autônoma n. 304, com área total de 88,52m2, cada unidade, do empreendimento denominado Gramado Buona Vitta Resort SPA.

A alteração do projeto original é fato incontroverso nos autos, pois reconhecido pela própria parte demandada, discute-se, entretanto, a regularidade dessa alteração. A despeito das razões recursais da parte ré, entendo que a alteração do projeto ocorreu de modo irregular.

Isto porque não houve anuência da parte autora/adquirente em relação a alteração do projeto do empreendimento. Ainda que a parte autora não tenha levado o contrato a registro no registro imobiliário, esta fato não tem o condão de afastar o dever de informação que permeia toda e qualquer relação consumerista (art. 6º, inc. III, CDC), de modo que, mesmo não havendo direitos reais em relação ao empreendimento, a alteração unilateral do empreendimento deu-se de forma irregular.

Pertinente a lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES, (in Novos Temas Na Teoria Dos Contratos: Confiança e o Conjunto Contratual, Revista AJURIS n. 100/87), quando giza que a informação correta ao consumidor na formação dos contratos é elemento intrínseco para prevalecer o princípio da boa-fé objetiva...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT