Acórdão nº 50052176420218210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50052176420218210026
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001494433
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005217-64.2021.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: FABIO JOSE DOS REIS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos autos da ação movida por FÁBIO JOSÉ DOS REIS, contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:

Ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão formulada para confirmar e tornar definitiva a antecipação dos efeitos da tutela deferida ao E11, para determinar ao Estado do Rio Grande do Sul que forneça o medicamento Nintedanibe 150mg, pelo tempo necessário, na quantidade estipulada pelo laudo médico ao E1, LAUDO9.

O requerido deverá ser intimado para, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, comprovar a disponibilização do medicamento ao autor, sob pena de bloqueio de valores.

Fixo multa diária pelo descumprimento, no montante de R$ 100,00 (cem reais).

Acerca das custas, e considerando a redação original da Lei Estadual n.º 8.121/85 e as orientações contidas no Ofício-Circular n.º 003/2014 CGJ, o Estado está isento do pagamento das custas processuais e dos emolumentos, contudo, arcará com as despesas processuais, exceto a condução de oficial de justiça.

Sem condenação do Estado do Rio Grande do Sul em honorários advocatícios, por aplicável ao caso a Súmula 421 do STJ.

Em suas razões, sustenta, em síntese, que o medicamento pleiteado pelo autor não integra a lista de itens fornecidos pelo Estado no âmbito do SUS, de modo que se faz necessária a inclusão da União no polo passivo da ação, em consonância com o julgamento do Tema 793 (STF). Salienta o alto custo do fármaco postulado e defende a observância à divisão de competências administrativas para fornecimento de tratamentos de saúde. Pede o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Atendidos aos requisitos legais de admissibilidade, conheço do recurso.

Extrai-se dos autos que o autor, pessoa idosa e portadora de fibrose pulmonar idiopática (CID 10: J 84.1), necessita fazer uso contínuo, e com urgência, do fármaco Ofev 150 mg (Esilato de Nintedanibe).

Todavia, o referido medicamento não integra a lista de itens dispensados no âmbito da saúde pública e, além disso, não conta com alternativas para substituição dentre aqueles fornecidos pelo SUS, conforme consulta realizada ao RENAME e atestado médico juntado pelo requerente.

O julgador da instância originária acolheu a pretensão inicial para determinar ao Estado do Rio Grande do Sul a disponibilização e custeio do tratamento prescrito ao demandante.

Recorre, então, o ente público, sustentando, em suma, a ausência de responsabilidade para dispensação de fármaco não integrado às listas do SUS.

Pois bem.

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o art. 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do SUS, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

Nessa moldura, o entendimento dantes adotado por este Órgão Fracionário frente ao julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes federativos em litisconsórcio passivo facultativo, considerando-se desnecessária a inclusão da União nos casos em que o medicamento não constasse das listas do SUS.

Contudo, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que se exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

O chamado "desenvolvimento da tese da solidariedade" deu-se do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...]

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11,e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11". (Grifei)

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes federados, eventualmente não venha a tocar ao ente demandado, à parte necessitada, autora da demanda, é dado colocá-lo no polo passivo como forma de ampliar sua garantia de que verá o seu direito realizado.

No entanto, robusteceu-se o entendimento nos Tribunais, sedimentado por julgados inclusive monocráticos da Corte Suprema, no sentido de reclamar necessariamente a presença da União no polo passivo de demanda que objetiva fornecimento de medicamento não incluído nas listas do SUS. Preservou-se a solidariedade, mas fixando hipótese de litisconsórcio passivo necessário nos casos em que a parte autora desejar demandar também contra os demais entes federativos.

E nesse norte já caminhava esta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. ESTADO E MUNICÍPIO. MEDICAMENTOS QUE NÃO CONSTAM DAS LISTAS DO SUS: PROCIMAX (BROMIDRATO DE CITALOPRAM) E PREBICTAL...

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