Acórdão nº 50052455720158210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50052455720158210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002149602
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005245-57.2015.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Compromisso

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: PAULA DE SOUZA (AUTOR)

APELANTE: GABRIELE TAUANY DE SOUZA (AUTOR)

APELANTE: KAUÃ DE SOUZA RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: WAGNER RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: SEMEATO S/A INDUSTRIA E COMÉRCIO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

PAULA DE SOUZA, GABRIELE TAUANY DE SOUZA, KAUÃ DE SOUZA RIBEIRO, WAGNER RIBEIRO e SEMEATO S/A INDUSTRIA E COMÉRCIO apelam da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória c/c indenizatória movida pelos primeiros em desfavor da última. Transcrevo o dispositivo sentencial:

DIANTE DO EXPOSTO, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido por WAGNER RIBEIRO, PAULA DE SOUZA, GABRIELE TAUANY DE SOUZA (menor impúbere) e KAUÃ DE SOUZA RIBEIRO (menor impúbere), representados por sua genitora Paula de Souza), em desfavor de SEMEATO S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, para o efeito de condenar a ré a indenizar os autores pelos danos morais sofridos, no valor individual de R$3.000,00 (três mil reais).

O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGPM/FGV desde a data dessa decisão (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar do evento danoso (01/11/2014 – data das primeiras reclamações fl.128), fulcro na Súmula 54 do STJ.

Face a sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 30% custas processuais e honorários aos procuradores da demandada, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do § 2º e incisos, do art. 85 do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade, pois beneficiários da AJG (fl.146/147).

Ainda, condeno a demandada ao pagamento do restante das custas processuais (70%) e honorários advocatícios ao procurador dos autores, arbitrados em 10% do valor da condenação, considerando os mesmos parâmetros.

Vedada a compensação, forte no §14 do artigo 85, do CPC.

Em razões (fls. 499-512 dos autos físicos - Evento 3, Processo Judicial15, fls. 5-18) a parte ré sustenta que não há, no caso concreto, dano moral a ser indenizado, pois em nenhum momento os autores conseguiram comprovar o prejuízo sofrido, o que é indispensável mesmo em casos de dano ambiental. Afirma que estava em dia com suas obrigações perante os órgãos competentes (FEPAM) e que não houve a prática de conduta ilícita ou atividades consideradas perigosas para o meio ambiente. Salienta que o mau cheiro nunca foi recorrente, tendo início em outubro de 2014 e fim em dezembro do mesmo ano após ter tomado as medidas necessárias para diminuição e eliminação do odor. Afirma que os odores oriundo de sua fábrica foram rapidamente combatidos e não emitiram gases tóxicos que fossem prejudiciais à saúde dos moradores da região. Sublinha que os simples transtornos e aborrecimentos da vida cotidiana não configuram o dano moral indenizável e que a situação vivenciada tratou de mero aborrecimento. Caso mantida a condenação, postula a redução do montante fixado a tal título. Pugna pelo provimento do apelo.

Os autores, por sua vez (fls. 516-531 dos autos físicos - Evento 3, Processo Judicial15, fls. 23-38), pretendem a reforma da sentença para fins de majoração do valor da indenização, compreendendo que o valor arbitrado pelo juízo a quo é irrisório comparado aos danos suportados pelos autores, os quais viviam em condições insalubres. Entende que o montante também não irá dissuadir novas atitudes ilícitas da ré, a exemplo das multas impostas pela FEPAM que não surtiram efeitos. Formulam, no recurso, pretensão de desconsideração da personalidade jurídica da ré, em face do previsto no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Pugnam, outrossim, pela majoração da verba honorária aos patronos da parte autora, conforme artigo 85, parágrafo 11, do NCPC. Pedem o provimento do apelo, para que a condenação da ré não seja inferior a R$ 6.000,00, a título de indenização por danos morais aos apelantes Wagner e Paula, e ao pagamento de valor não inferior a R$ 8.000,00, aos apelantes Gabriele e Kauã, bem como a determinação de multa diária caso os problemas persistam, além da desconsideração da personalidade jurídica da empresa e a condenação da ré no pagamento de custas e honorários advocatícios, em valor de 20% da condenação (fls. 516-531).

Ambas as partes apresentaram contrarrazões recursais (fls. 532-541 e 543-553 dos autos físicos - Evento 3, Processo Judicial15, fls. 39-48 e Processo Judicial16, fls. 2-12).

O Ministério Público opinou pelo desprovimento do apelo da parte ré e parcial provimento do apelo dos autores (fls. 556-566 dos autos físicos - Evento 3, Processo Judicial16, fls. 18-30).

VOTO

Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e comportam conhecimento.

- Direito de Vizinhança. Uso anormal da propriedade. Dano Ambiental. Mau Cheiro. Estação de Tratamento de Efluentes. Tutela individual. Indenização Cabível.

Ingressou a parte autora com a presente ação pretendendo a condenação da parte ré ao pagamento de indenização decorrente de poluição ambiental (atmosférica) e danos à saúde dos vizinhos.

Trata-se da já conhecida questão atinente aos danos sofridos pelos moradores da região próxima à estação de tratamento de resíduos sólidos de propriedade da ré situada em Passo Fundo, em razão de mau cheiro decorrente do lançamento de efluentes líquidos nas lagoas de tratamento e no curso hídrico do Arroio Santo Antônio.

Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 225, caput, que Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O direito ambiental é, portanto, direito fundamental constitucional positivado na Constituição vigente (art. 225 da CF) e que encontra esteio no princípio da dignidade humana, conceito aberto, que não se encerra na consideração do ser humano individualmente, mas que se projeta em nível social para as relações entre os povos, na responsabilidade intergeracional e, numa última fronteira, num conceito de ética com o todo. É dever de todos e obrigação do Estado, que não deve se contentar com o plano da eficácia, mas buscar efetividade num grau superior, haja vista tratar-se da proteção da vida sobre todas as formas – inclusive e especialmente a humana.

O direito ambiental costuma ser identificado como o sistema aberto composto de rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos de normas e de valores jurídicos gerais, (Juarez Freitas, em A Interpretação Sistemática do Direito, Porto Alegre, 1998, Malheiros, 2ª Edição, p. 50) que, estabelecendo limitações ao direito de propriedade e ao direito de exploração econômica, objetivam a preservação do meio ambiente, para a melhor qualidade da vida humana, bem como a proteção de todas as demais formas de vida, no presente e no futuro, modo a promover o desenvolvimento sustentável (atividade econômica com equilíbrio ecológico e qualidade de vida).

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) foi recepcionada pela Constituição Federal e é clara em vincular a preservação do meio ambiente à dignidade humana (art. 2°, caputI).

A proteção do meio ambiente é princípio fundamental da Ordem Econômica (art. 170, VI, da Constituição Federal), variável a ser obrigatoriamente considerada para se atingir o desenvolvimento econômico, que necessariamente deve ser sustentável, e a realização da dignidade humana, conforme antes referido.

A variável ambiental e a consideração das externalidades do processo produtivo devem ser consideradas quando do planejamento, implantação e exercício das atividades econômicas que impactam o meio ambiente.

Conforme estabelecido na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3°, caput e incisos I a IV, entende-se por meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; ela também assim estabelece, quanto aos danos ambientais:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.

II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;

III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de...

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