Acórdão nº 50052456220218210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
Classe processualApelação
Número do processo50052456220218210016
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002623595
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005245-62.2021.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS

APELANTE: MARCELO EVANDRO HERRMANN (RÉU)

APELADO: BANCO DO BRASIL S/A (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MARCELO EVANDRO HERRMANN em face da sentença que julgou improcedentes os embargos opostos nos autos da ação monitória ajuizada por BANCO DO BRASIL S/A.

O apelante requer, preliminarmente, a concessão da gratuidade de justiça. No mérito, sustenta a abusividade dos juros remuneratórios e da capitalização mensal. Aduz a ilegalidade da cobrança de despesas genéricas e do seguro prestamista, por caracterização de venda casada. Advoga pela descaracterização da mora. Requer o provimento do apelo.

Com as contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Da gratuidade de justiça.

O art. 98, caput, do CPC/2015, dispõe que a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

Por sua vez, o §2° do art. 99 do CPC dispõe que o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

Por seu turno, o art. 99, caput, do CPC prevê que "o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso."

No caso, o apelante apresentou declaração de Imposto de Renda, indicando perceber rendimentos que não superam cinco salários mínimos, critério objetido adotado como regra por este Colegiado para a concessão da gratuidade sem maiores questionamentos.

Assim, ausentes elementos que indiquem o contrário, entendo que a parte comprovou a condição de impossibilidade de arcar com as despesas do processo, e a prova de situação diversa incumbe à outra parte.

Nesses termos, defiro a gratuidade e recebo o apelo com dispensa do preparo.

Da incidência do CDC e da revisão de contratos:

É cabível a revisão de contratos, sempre que alguma cláusula seja abusiva, iníqua ou ilícita, independente de fato imprevisível, conforme estabelece o CDC.

O Código de Defesa do Consumidor é incidente sobre os contratos bancários, como determina o art. 3º, parágrafo 2º do CDC, nestes termos:

“serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

A respeito, o STJ editou a Súmula nº 297:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Da ação monitória.

A ação monitória é espécie de procedimento especial que possui por escopo permitir ao credor de uma obrigação, portador de prova escrita não datada de executividade, obter de forma mais célere um título executivo judicial.

Assim dispõe o art. 700 do CPC:

Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I - o pagamento de quantia em dinheiro;
II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.

No caso, a inicial monitória está acompanhada de termo de adesão a produtos e serviços e extratos da operação bancária que originou a dívida - empréstimo pessoal, modalidade BB CRÉDITO AUTOMÁTICO .

Dos juros remuneratórios:

Os juros não estão limitados, regulando-se a atividade bancária pelo disposto na Lei nº 4.595/64.

A respeito incide a Súmula nº 382 do STJ:

"A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade."

No entanto, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que aabusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto (REsp repetitivo 1.061.530-RS).

A taxa média divulgada pelo BACEN é o parâmetro pacificamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça para aferir a abusividade dos juros remuneratórios pactuados ou para o caso de ausência de pactuação.

Assim o teor da Súmula 530:

Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa dejuros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa médiade mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

Ainda, o precedente da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO, EMPRÉSTIMO E CARTÃO DE CRÉDITO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INOVAÇÃO.
(...)
4. Nos contratos bancários não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, não se podendo aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado.
(...)
(AgInt no AREsp 343.616/RJ, Rel.
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2020, DJe 05/06/2020)

Esclareço, ainda, que o entendimento desta Câmara é no sentido de não admitir margem de tolerância sobre a taxa média do mercado apurada pelo BACEN, para aferir a abusividade dos juros remuneratórios.

Nesse sentido, cito precedentes:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART 1.022 DO CPC. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. Diante da inexistência de quaisquer das hipóteses previstas no artigo 1.022 do CPC, descabe o acolhimento dos embargos de declaração. Conforme já referido no acórdão embargado, os juros remuneratórios praticados no contrato de cartão de crédito extrapolam a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN e o entendimento majoritário desta Câmara é no sentido de inadmitir margem de tolerância entre os parâmetros. A via estreita dos embargos de declaração não se presta para a reforma do julgado. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS.(Embargos de Declaração Cível, Nº 70084521814, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 16-12-2020). (grifei)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS E CARTÃO DE CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE DAS HIPÓTESES DO ART. 1022 DO CPC. OMISSÃO. OBSCURIDADE. 1. O recurso de embargos de declaração constitui-se em eficaz instrumento para o controle de qualidade do trabalho judicante, facultando ao julgador a correção de eventuais omissões, contradições ou obscuridades que comprometam o entendimento ou a completude da sua decisão. Por isso mesmo preconiza Pontes de Miranda que “os juízes e tribunais devem atender, com largueza, aos pedidos de declaração”, complementando o STF, com destaque, que estes “consubstanciam verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal.” 2. Constatada a existência de omissão relativa a análise dos juros remuneratórios no cotejo com as taxas do Bacen, bem como obscuridade sobre as taxas de CET serem mais vantajosas para o embargante, mister o acolhimento dos presentes embargos. 3. Ressalta-se que a tese adotada por esse Colegiado é pela inadmissibilidade de margem de tolerância entre o patamar da taxa média de juros remuneratórios divulgada pelo BACEN e os juros efetivamente contratados. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS EM PARTE, COM EFEITOS INFRINGENTES.(Embargos de Declaração Cível, Nº 70084575596, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 16-12-2020).

No caso, o contrato previu uma taxa anual de juros remuneratórios de 40,10%. Tratando-se de empréstimo não consignado, deve ser utilizada a série temporal do BACEN respectiva para a aferição da taxa média do mercado e da abusividade, inocorrente na hipótese, pois para o mês da contratação (abril/2020), a taxa média do mercado foi de 86,35% a.a. (20742 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado)

Nesse contexto, tendo como parâmetro a taxa média do mercado, revelam-se abusivas as taxas de juros pactuadas no caso concreto para a dívida referente ao cheque especial, o que permite a revisão do encargo, limitando-se os juros remuneratórios do contrato à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN.

Da capitalização:

A atual orientação neste Órgão fracionário é no sentido de admitir a capitalização dos juros na periodicidade mensal quando expressamente pactuada no contrato revisando, não bastando venha sua incidência configurada numericamente, quando a soma da taxa de juros mensal é inferior a anual, considerando o dever geral de boa fé objetiva, com interpretação em prol do consumidor, em virtude da garantia constitucional de proteção ao consumidor.

Mesmo que, o Superior Tribunal de Justiça admita a capitalização dos juros em período inferior ao anual, após a vigência da MP n.º 1.963-17/2000, reeditada sob o n.º 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, sua incidência deve ser previamente expressamente pactuada.

Neste sentido:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior...

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