Acórdão nº 50053558220178210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 30-03-2022
Data de Julgamento | 30 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50053558220178210022 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Décima Quinta Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001712616
15ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5005355-82.2017.8.21.0022/RS
TIPO DE AÇÃO: Compra e venda
RELATOR: Desembargador VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS
APELANTE: GEDER LUIS GOULARTE BARBOSA (AUTOR)
APELANTE: GIOBER NUNES DO AMARAL (RÉU)
APELANTE: EMER ROGERIO MORALES RODRIGUES (RÉU)
APELANTE: KELLI CRISTINE SOARES DO AMARAL (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por GEDER LUIS GOULARTE BARBOSA, EMER ROGÉRIO MORALES RODRIGUES e por KELLI CRISTINE GUIDOTTI SOARES e GIOBER NUNES DO AMARAL, na ação anulatória de negócio jurídico cumulada com ressarcimento e indenização ajuizada por Geder, da sentença (evento 7, procjudic6) que assim decidiu, "verbis":
"Posto isso, forte no art. 487, inciso I, do CPC/2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda para o fim de, reconhecendo a evicção quanto ao negócio jurídico entretido entre as partes relativamente à compra e venda do veículo VW/POLO 1.6, placas IKW3670, CONDENAR a parte ré, de forma solidária, ao ressarcimento do valor pago pela aquisição do veículo, no montante de R$ 10.320,00 (dez mil trezentos e vinte reais), correspondente ao valor da Tabela Fipe na data da evicção. Tal quantia deverá ser monetariamente corrigida, pelo IGP-M, a contar da data da evicção (22.06.2012, cf. fl. 61) e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.
"Face a sucumbência recíproca, a parte autora arcará com 40% das custas processuais e honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação (a serem rateados entre os procuradores dos réus – 50% para cada). Os requeridos arcarão com os restantes 60% das custas processuais e honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação em prol do procurador da parte autora, com fundamento no art. 85, § 2º do CPC/2015 e observado o disposto no § 3º do art. 98 do mesmo diploma legal (AJG) relativamente a GEDER, KELLY e GIOBER."
Em suas razões (evento 7, procjudic7), alega o primeiro apelante Geder: a) ocorrência de danos morais a serem indenizados; b) direito à devolução da integralidade dos valores pagos pelo veículo na negociação; c) necessidade de majoração dos honorários sucumbenciais.
Por sua vez, em suas razões (evento 7, procjudic 8), aduz o segundo apelante Emer que não possui responsabilidade pelos danos suportados pelo autor.
A seu turno, em suas razões (evento 7, procjudic9), sustentam os terceiros apelantes Kelli e Giober: a) não agiram de má-fé, inexistindo responsabilidade pela evicção; b) ocorrência de prescrição da pretensão relativa à evicção; c) caso não afastada a responsabilidade, o valor a ser considerado para o veículo é R$ 7.988,00, tabela FIPE de julho de 2019; d) incidência do IPCA como indexador monetário.
Com o preparo do segundo apelo e as respectivas contrarrazões, subiram os autos.
Registro, por fim, que foi observado o disposto nos arts. 931, 934 e 935 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTO
Primeiramente, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos e passo ao exame de todos.
De início, cabe a correção do erro material no dispositivo da sentença, que referiu o veículo "VW/POLO 1.6, placas IKW 3670", quando na verdade pretendia mencionar o veículo "Ford Mondeo GLX FG, placas CHC 7091".
No que diz respeito à prescrição da pretensão, deduzida no terceiro apelo, a matéria já foi examinada pelo juízo "a quo" e reexaminada em sede de agravo de instrumento (AI 70078997517/Vicente), que transitou em julgado, restando afastada em razão da ocorrência de fato interruptivo que se estende a todas as partes demandadas.
Portanto, existindo coisa julgada, não há falar em prescrição da pretensão relativamente à evicção, descabendo a reaviventação da matéria.
Passo ao exame da questão de fundo.
O cerne do feito envolve a negociação do veículo Ford Mondeo GLX FG, placas CHC 7091, adquirido pelo autor em 18.11.2008 do réu Emer (revendedor de veículos) e que pertencia anteriormente aos réus Kelli e Giober. O autor acabou perdendo o bem em razão de penhora ocorrida em execução fiscal, constrição essa muito anterior a compra (2003), mas que não foi objeto de restrição no Detran-RS.
Dispõem os arts. 447 e 448 do CC:
"Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
"Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção."
Consiste a evicção na perda do bem adquirido, mediante negócio oneroso, decorrente de uma decisão judicial.
A responsabilidade do evictor é objetiva, independe de culpa, não se exigindo má-fé. Basta a perda da propriedade pelo adquirente por conta de um vício anterior à tradição.
No tocante à responsabilidade pela evicção dos réus Kelli e Giober, ora terceiros apelantes-apelados, verifico nos autos que eles tinham plena ciência da execução fiscal que ensejou a perda do veículo pelo autor, muito antes de alienarem o bem, tanto que em 11.11.2003 (em torno de cinco anos antes da compra pelo autor) a ré Kelli assinou auto de penhora do bem e assumiu condição de depositária (evento 7, procjudic1).
Nesse contexto, é evidente a má-fé desses dois réus ao alienarem o bem penhorado, se aproveitando da inexistência de averbação da constrição no Detran-RS à época, com intenção de fraudar a execução fiscal, assumindo inclusive condição de depositário infiel.
Com efeito, os réus Kelli e Giober assumiram conscientemente os riscos de sua conduta e os danos que poderiam causar, não havendo falar em inexistência de responsabilidade pela evicção.
No que tange ao réu Emer, ora segundo apelante-apelado, que negociou o veículo com o autor, o fato de eventualmente não ter conhecimento da penhora sobre o bem no momento em que efetuou a sua venda não exclui sua responsabilidade pela evicção, pois é objetiva, independe de culpa, conforme melhor interpretação do art. 447 do CC. Basta a perda da propriedade pelo adquirente por conta de vício anterior à tradição, o que ocorreu na espécie.
Portanto, não merece guarida a alegação de ausência de responsabilidade do réu Emer pela evicção.
Quanto ao montante fixado a título de ressarcimento material, decorrente da perda do veículo, importante observar que o autor permaneceu na posse do veículo de 18.11.2008 a meados de julho 2019 (conforme depoimento pessoal do autor), ou seja, usufruiu e utilizou o veículo por mais de dez anos. Além disso, é evidente que o veículo se desvalorizou durante este período.
Dessa forma, no caso concreto, não encontra amparo legal e suporte fático a pretensão de restituição do valor integralmente pago no momento da negociação, cabendo a aplicação do parágrafo único do art. 450 do CC...
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