Acórdão nº 50053633420208212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50053633420208212001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001549552
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005363-34.2020.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA

APELANTE: VOLNEI DUTRA DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por VOLNEI DUTRA DA SILVA e BANCO BMG S/A., contra sentença proferida nos autos da ação revisional em que litigam, cujo dispositivo é o seguinte: Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na Ação de Revisão de Contrato ajuizada, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para: a) limitar os juros remuneratórios de acordo com o BC à época da contratação, acrescido de 30%, nos termos acima lançados; b) autorizar a compensação e determinar a restituição do valor pago a maior, caso efetivamente seja verificado, na forma simples; c) afastar os efeitos da mora até que seja realizado o cálculo com base nos termos lançados na presente decisão, verificando-se o valor real devido. Diante do decaimento mínimo da parte autora, condeno a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, § 2º, do CPC. Com o trânsito em julgado, arquivem-se com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se” (Evento 26).

A instituição financeira suscitou, em suas razões, preliminarmente, a impossibilidade de revisão dos contratos pela aplicação do princípio da pacta sunt servanda. No mérito, alegou que não há abusividade nos juros remuneratórios, devendo ser eles mantidos conforme pactuados. Aduziu estar caracterizada a mora. Requereu o provimento do recurso (Evento 31).

A parte autora, por sua vez, também recorreu, alegando que os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média do BACEN. Defendeu a ilegalidade do seguro contratado, sob alegação de ocorrência de venda casada. Postulou a repetição em dobro do indébito, bem com a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu o provimento do recurso e majoração dos honorários advocatícios (Evento 34).

Ambas as partes apresentaram contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso uma da outra (Eventos 33 e 44).

Cumpridas as formalidades legais, vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Da admissibilidade

Os apelos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, sendo o recurso do banco preparado, e o da parte autora dispensado de preparo, em razão do benefício da gratuidade que lhe foi deferido na origem (Eventos 31 e 3).

Dos contratos objeto da ação

- Contrato de empréstimo pessoal nº 804347, celebrado em 17-01-2019, cujo valor financiado foi de R$489,29, a ser pago em 12 parcelas mensais de R$111,25, com previsão de taxa de juros de 17,98% ao mês e 647,60% ao ano ("Contrato 7" do Evento 1).

APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Da preliminar de impossibilidade de revisão do contrato

As relações bancárias, financeiras e de crédito submetem-se às normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, § 2º).

Essa é a orientação da Súmula 297, do STJ:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Dessa forma, é possível a revisão judicial do contrato celebrado pelas partes, ainda mais se a instituição financeira estiver exigindo encargos e valores eventualmente abusivos, por afronta aos arts. 1º; 6º, IV e V; 39, V; 47 e 51, IV, todos do CDC.

Prefacial desacolhida.

Da mora

Como decorrência do reconhecimento da abusividade dos encargos exigidos pela instituição financeira no período da normalidade contratual (no caso, juros remuneratórios) no contrato ora revisando, resta descaracterizada a mora da parte autora até o recálculo do débito.

Este é o posicionamento do STJ, nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. MÚTUO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO REVISIONAL. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. VEDAÇÃO. SÚMULA 381 DO STJ. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. MORA AFASTADA.

1. Conforme jurisprudência assente desta Corte, não é possível a revisão, de ofício, de cláusulas contratuais consideradas abusivas (Súmula 381/STJ).

2. Somente é cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação da MP 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada.

3. Consoante entendimento pacificado da Segunda Seção, a cobrança de encargos indevidos importa na descaracterização da mora (Eresp 163.884/RS).

4. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.”

(AgRg no REsp 919.189/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 16/03/2011). g.n.

Desprovido no particular.

APELAÇÃO DA PARTE AUTORA

Da venda casada de seguro

Consiste em prática abusiva, vedada nas relações de consumo, o condicionamento do fornecimento de um produto ou serviço ao fornecimento de outro, conforme o inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso, há comprovação da cobrança de seguro ("seguro prestamista") no valor de R$25,44 (item 10 do contrato - fls. 5-6 do "Contrato 7" do Evento 1), o qual se enquadra na hipótese de venda casada, pois evidenciado que a parte contratante não possuía interesse na contratação desse produto, tendo a instituição financeira incluído o produto no momento em que autor buscou a contratação do empréstimo.

Nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. REGIME DE EXCEÇÃO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. APELAÇÃO DO RÉU. [...] 2. SEGURO PRESTAMISTA. VENDA CASADA. Ilegalidade. Art. 39, I, do CDC. 3. ENCERRAMENTO DA CONTA CORRENTE. Para o encerramento de conta bancária, por parte do correntista, revela-se necessária a prova do pedido de encerramento à instituição financeira, uma vez que tal não ocorre de maneira automática, o que não ficou comprovado no caso concreto. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.” (Apelação Cível Nº 70076339704, Vigésima Quarta Câmara Cível - Regime de Exceção, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 26/09/2018). g.n.

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. Contrato de Financiamento nº 930403/2010, no valor de R$1.500,00. (...) VENDA CASADA. A denominada venda casada é prática abusiva vedada nas relações de consumo conforme dispõe o inciso I do artigo 39 do CDC. No caso concreto, conforme documentos juntados, a opção pela contratação do titulo do seguro prestamista - acidentes pessoais e "bilhete da sorte" veio prevista no mesmo instrumento contratual. Isso evidencia que o contrato do seguro não era do interesse direto da parte contratante, mas, sim, incluído na oportunidade em que buscado outros produtos, a caracterizar a ocorrência de "venda casada", prática repudiada pela lei. (...) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70064934912, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 29/07/2015). g.n.

Assim, constatada a abusividade da contratação, deve ser afastada a cobrança desse encargo.

Provido no particular.

Da repetição do indébito ou compensação

A repetição de indébito e a compensação de valores são admitidas, no que couber, como consequência lógica do julgado e para vedar o enriquecimento injustificado do credor, sem necessidade de prova do erro, conforme a súmula 322 do STJ.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, DO CPC) - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE MÚTUO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INCONFORMISMO DA CASA BANCÁRIA. [...]. 5. A compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da comprovação do erro, nos termos da Súmula 322 do STJ. 6. Agravo regimental desprovido.”. (AgRg no REsp 1329528/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 20/06/2013).

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BANCÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. [...]. ADMISSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO AUTORIZADA. [...]. 4. A procedência dos pedidos formulados em ação revisional de contrato bancário possibilita tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. [...]. 6. Agravo regimental desprovido.”. (AgRg no AREsp 44.194/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 02/05/2013).

A repetição em dobro, prevista no art. 42 do CDC, “...independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva (STJ - EAResp 676.608), porém não se opera de forma dobrada automaticamente, exigindo o efetivo pagamento dos valores indevidamente cobrados, especialmente nas hipóteses de invalidação ou revisão de cláusulas contratuais, haja vista que até a decisão judicial nesse sentido, o contrato celebrado permanece hígido e os valores são devidos nos termos em que pactuados, não restando, portanto, configurada cobrança indevida até esse momento nem contrariedade à boa fé objetiva por parte do credor.

Neste caso, como o reconhecimento dos pagamentos de valores a maior pelo consumidor decorre exclusivamente da decisão que revisou cláusulas contratuais, a compensação e/ou repetição do indébito se deve dar de forma simples, e não em dobro como postulado, corrigidos os valores pelo IGP-M, a contar do desembolso, e acrescidos de juros legais de...

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