Acórdão nº 50053952520218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 16-03-2023

Data de Julgamento16 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50053952520218210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003315615
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005395-25.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra GELSON JESUS DE OLIVEIRA MORAES, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 15, da Lei nº 10.826/03, pela prática do fato delituoso assim descrito:

No dia 15 de março de 2019, por volta de 23h30min, em via pública, na Rua Paulo Guillayn, n. 456, Bairro São Gonçalo, nesta cidade, o denunciado disparou arma de fogo em local habitado.

Na ocasião, inconformado com barulho nas proximidades de sua residência. o denunciado saiu em via pública, de arma de fogo em punho, onde efetuou dois disparos de arma de fogo, sendo que um dos projetis (apreendido, conforme auto da fl. 06) atingiu o para-lama do automóvel de placas MHP-7756, pertencente à Taiz Cruz da Silva.

A denúncia foi recebida em 17/06/2021.

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada em 22/09/2022, que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu nas sanções do art. 15, caput, da Lei 10.826/03, à pena de 02 anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e ao pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A defesa apelou e, nas razões, pede a absolvição, sustentando que o réu agiu sob a excludente da legítima defesa.

Apresentadas contrarrazões.

Vieram os autos com remessa a esta Corte.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado como incurso nas sanções do art. 15, da Lei nº 10.826/2003, às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e ao pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A Defesa sustenta que o réu agiu em legítima defesa, postulando a aplicação da excludente de ilicitude.

Sem razão, contudo.

A materialidade do crime foi comprovada pela comunicação de ocorrência (1.2, fls. 05/08), pelo auto de apreensão (1.2, fl. 09) e pela prova oral colhida.

Não há dúvida, tampouco, a respeito da autoria, como se vê da prova oral colhida, bem sintetizada na decisão atacada, conforme se transcreve:

Taiz Cruz da Silva, testemunha de acusação, presenciou o fato descrito na denúncia. Disse que ela e seu marido Ivan tinham ido até a residência de Marcelo junto com um casal de amigos. Uma vez no local, constataram que o Marcelo e uns “guris” estavam com uma bicicleta a motor, e estes pediram a Ivan para que a soldasse algumas peças. Posteriormente, começaram a andar com o veículo na rua e, no momento em que Ivan dirigia a bicicleta, Gelson saiu e começou a bater boca com aquele. No momento em que Ivan retrucou um xingamento, Gelson saiu e, quando voltou, estava armado e atirou. Não sabe em qual direção o réu disparou, pois todos correram, tendo apenas Lucas ficado no portão. Enquanto chamava a polícia, escutou outro tiro. Com a chegada da polícia, saíram de casa e viram que havia um tiro no paralama do carro. Não conhecia o réu anteriormente e nunca o tinha visto. Referiu que foram até a casa de Marcelo para passear, por ser sexta-feira à noite, e não estava acontecendo uma festa no local. Lembrou do acusado em juízo como sendo o mesmo que efetuou os disparos. Além de Ivan, outros também andaram com a bicicleta. Não sabe quando começaram a andar com o veículo pois este já estava lá quando a depoente e seu marido chegaram. O carro atingido era seu, mas estava em nome do patrão de Ivan pois esse tinha financiado para o casal. Não pediu reparação de danos e não faz questão (VIDEOS 2 e 3).

Ivan Lima Edom, auxiliar de eletricista, estava na residência de Marcelo quando um sujeito pediu para que o depoente soldasse o cano de uma bicicleta a motor. Realizou o trabalho e, quando foi dar uma volta com o veículo, Gelson saiu e começou a ofendê-lo. Após ter retrucado os xingamentos do réu, este saiu e voltou armado, atirando na sequência. Entrou na casa de Marcelo e esperou a chegada da Brigada Militar, uma vez que o acusado permanecia no lado de fora da residência chamando o depoente. Disse que, por não ter saído da casa, Gelson atirou contra seu veículo. Costumava ir aos finais de semana na casa de Marcelo e nunca havia ocorrido nenhum desentendimento. Presenciou dois disparos, sendo que o primeiro foi quando Gelson voltou armado e o segundo em direção ao carro do depoente. Não sabe qual foi a direção do primeiro tiro pois se assustou e saiu do local. Nunca teve desentendimentos com o réu e apenas o conhecia de vista. Em juízo, reconheceu como sendo o autor dos disparos. Não tinha e nunca teve armas dentro de seu veículo. Após o ocorrido, diminuiu as idas a casa de Marcelo, e não presenciou outros comportamentos de Gelson. Acredita que o réu não disparou em direção às pessoas. Relatou que, inicialmente, pediu para o acusado “falar direito”, mas esse começou a agredi-lo com palavras, momento em que o depoente retrucou. Na ocasião, estava na rua com sua esposa e alguns amigos, tendo um destes permanecido na rua. O automóvel atingido era financiado pelo seu patrão, de modo que não estava em seu nome pois aquele só iria transferir após a quitação (VIDEO4).

Marcelo Peres de Arruda, testemunha de acusação, disse que não presenciou o ocorrido pois estava dentro de casa, mas ficou sabendo que o réu e Ivan discutiram em frente a sua residência, em razão do barulho de uma bicicleta a motor. Escutou dois barulhos, mas não sabe se eram os disparos. Quando foi até a rua, a polícia já estava chegando. Além de Ivan, Lucas e Pedrinho também estavam em frente à casa. É vizinho do réu há 23 anos e nunca tinha se desentendido com ele, sendo o ocorrido um episódio isolado. O barulho da motocicleta durou aproximadamente 40 (quarenta) minutos, e a bicicleta foi levada até o local para que fosse soldado um cano. Após a solda, ficaram andando em frente à residência. Ivan e a esposa continuam frequentando a casa do depoente. Referiu que o denunciado sempre foi prestativo, ajudando-o e também a toda vizinhança, razão pela qual se dá bem com aquele. Quem levou a bicicleta para consertar foi o indivíduo de nome Pedrinho, mas quem estava andando na ocasião era Ivan. Lucas permaneceu no portão da casa. Quando saiu e conversou com Gelson, este disse que o problema não era com o declarante (VIDEO5).

Emanuel Gonçalves da Silva, testemunha de defesa e policial civil, é vizinho do réu, mas não presenciou o ocorrido. Sabe apenas que ocorreu um desentendimento. Mora próximo ao Gelson há aproximadamente 17 anos, e não sabe de algo que desabone sua conduta. Disse que houve algumas queixas, tanto oficialmente na DPPA quanto em sua própria residência, de que Marcelo fazia muito barulho, contudo nunca se incomodou diretamente com aquele, pois não é vizinho de porta. Depois dos registros de ocorrência, não viu outras reclamações. Não tem conhecimento de que Marcelo ou algum daqueles que frequentava sua casa andavam armados. Não conhece Ivan Edom. Acredita que, além da importunação pelo barulho, Ivan e seus amigos não eram envolvidos em outras práticas delituosas, fazendo apenas “coisas de guri” (VIDEO6).

A testemunha de defesa Marco Antonio Jahnke Rosso foi vizinho do réu por aproximadamente 10 anos. Com relação ao fato, não o presenciou, apenas ouviu um barulho parecido com um tiro. Quando saiu para ver o que era, constatou que havia uma aglomeração de pessoas em frente à casa de Marcelo, sendo essa movimentação comum nesse endereço. Ao questionar Gelson acerca do ocorrido, este informou que tinha tentado conter o barulho. Abonou a conduta do réu. O barulho advindo da casa de Marcelo era constante, de modo que o depoente registrou ocorrência e se mudou da região. As perturbações eram em função da utilização de carros, motos e sons na casa de Marcelo, sendo o suficiente para o depoente ouvir de dentro de sua antiga residência. No dia do fato, havia mais de 10 pessoas próximas à casa de Marcelo. Referiu que o comportamento de Gelson foi um episódio isolado. Por razão dos barulhos, acredita que Marcelo não é uma “pessoa de bem” (VIDEO7).

Atair Ayres da Rosa, testemunha de defesa, é vizinho do acusado. Não presenciou os fatos, mas ouviu barulhos de tiro e conversas na rua. Mora próximo ao réu há aproximadamente 50 anos, e desconhece algo que desabone sua conduta. Não sabe de outras complicações envolvendo o denunciado. Referiu que também mora próximo da residência de Marcelo, e as perturbações advindas de seu endereço eram rotineiras e em função da utilização de veículos. Os barulhos ocorriam durante o dia e à noite. Havia muitas pessoas na rua no fatídico dia, e um “guri’...

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