Acórdão nº 50054252420208210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 14-12-2022
Data de Julgamento | 14 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50054252420208210013 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Nona Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003094950
9ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5005425-24.2020.8.21.0013/RS
TIPO DE AÇÃO: Erro médico
RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER
APELANTE: ANA CAROLINA MEZZALIRA (AUTOR)
APELADO: PAULA VENDRUSCOLO TOZATTI (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por ANA CAROLINA MEZZALIRA, inconformada com a sentença (evento 77, SENT1) que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais – erro de diagnóstico, movida em face de PAULA VENDRUSCOLO TOZATTI.
Em suas razões (evento 81, APELAÇÃO1), tece uma breve exposição fática, alegando que a ré, profissional da saúde, especialista em ginecologia e mastologia não foi capaz de identificar uma gravidez avançada de quase 6 meses. Argumenta que a ré não solicitou nenhum exame para identificar a gravidez, sendo os exames solicitados, em sua maioria, marcadores tumorais. Defende a ocorrência de falha no atendimento e erro de diagnóstico, porquanto a gravidez poderia ter sido verificada em uma exame clínico ou através de ausculta dos batimentos cardíacos do feto. Aponta que não houve a correta apreciação da prova testemunhal. A firma que o erro consistiu em não realizar exame para identificar ou descartar uma gravidez de 6 meses, sendo a gravidez descoberta por acaso. Discorre sobre o dano mortal sofrido por imperícia e negligência da parte Recorrida. Postula a reforma da sentença a fim de condenar a apelada ao pagamento de indenização à título de danos morais, e ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Requer o provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 85, CONTRAZAP1).
Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 932 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).
É o relatório.
VOTO
Recebo o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Cuida-se de ação indenizatória por danos morais decorrente de alegada imperícia e negligência médica, que é imputada à demandada Paula Vendruscolo Tozatti, em razão de alegado diagnóstico errôneo de tumor na região do abdômen, ao invés do correto que seria uma gestação de 6 meses.
A fim de melhor elucidar os fatos, adoto o relatório da sentença, a seguir reproduzido:
"Ana Carolina Mezzalira ajuizou ação de indenização por danos morais contra Paula Vendruscolo Tozatti, alegando que, em razão de sentir " dores fortes e inchaços na região do abdômen”, agendou consulta médica com a ré, a qual, após realizar “exame clínico”, descartando gravidez, “informou a Autora que esta estaria com um tumor na região do abdômen, tumor esse cancerígeno no colo do útero”, o que lhe colocou em estado de “choque”. Asseriu que após realizados alguns exames prescritos pela demandada, foi constatada a gestação, que já caminhava para o sexto mês, e excluída, de conseguinte, a possibilidade de existência de qualquer “tumor cancerígeno”. Pediu a condenação da parte ré ao pagamento de indenização pelos danos morais. Pugnou pela AJG e trouxe documentos (Evento 1).
Deferida a AJG (Evento 6).
Realizada sessão de conciliação (Evento 34).
A parte apresentou contestação. Asseriu que na consulta médica questionou a paciente sobre a possibilidade de estar gestante, respondendo esta negativamente. Diante disso, requisitou exames, fins de avaliar as possíveis queixas da parte autora. Mencionou que a autora não compareceu mais para nova consulta. Teceu comentários sobre as condutas médicas. Impugnou a pretensão indenizatória. Acostou documentos (Eventos 36 e 37).
Instadas as partes acerca do interesse na produção de provas (Evento 52), manifestaram-se (Eventos 56 e 57).
Indeferida a AJG à parte ré (Evento 59).
Realizada audiência, foi colhida a prova oral e encerrada a instrução (Evento 70).
As partes apresentaram memoriais (Eventos 74 e 75). V
Vieram-me, então, os autos conclusos para julgamento.
É o relatório."
Processado e instruído o feito – com a produção de prova testemunhal, sobreveio sentença de improcedência dos pedidos; irresignada, apela a parte autora.
O recurso, adianto, não prospera.
Acerca da quaestio, em se tratando de responsabilidade civil por suposta falha na prestação de serviços médicos e hospitalares, incide o Código de Defesa do Consumidor, que determina que a responsabilidade do hospital, na condição de prestador de serviços, é objetiva (art. 14, caput); enquanto a do médico, profissional liberal, é subjetiva, aferível através de verificação de culpa (art. 14, § 4º).
No caso, está-se a tratar da responsabilidade pessoal do médico, razão pela qual aplica-se o regime da responsabilidade subjetiva, apurada mediante a verificação de culpa, na forma do art. 14, § 4º do CDC.
Reclama a autora que, embora estivesse grávida de 6 meses, a ré, médica, não identificou tal situação, fazendo a autora acreditar que estava com um tumor cancerígeno.
A controvérsia colocada em julgamento, portanto, diz respeito à ocorrência de eventual falha na prestação do serviço da ré, quando da primeira consulta realizada à autora, ao não identificar uma gestação de 6 meses e solicitar exames que, segundo alegado pela demandante, seriam destinados à verificação de existência de marcadores tumorais, não tendo solicitado qualquer exame no sentido de identificar possível gravidez.
Analisada a prova produzida no processo, na esteira do entendimento do juízo de origem, entendo que não restou comprovada falha na prestação do serviço da médica demandada, ônus que incumbia à autora, a teor do que dispõe o art. 373, I, do CPC.
A propósito, tenho que a matéria foi examinada com acuidade pela ilustrada sentença, conferindo adequada aplicação do direito aos fatos, a qual me reporto, pondo em relevo os fundamentos esposados, adotando-os como razões de decidir, na parte em que transcrevo:
"(...)
A ação improcede.
Muito sumarizando, pretende a autora ver-se indenizada por pretenso “erro de diagnóstico” (Evento 1, INIC1). De acordo com a inicial, a requerente, “sentindo dores fortes e inchaços na região do abdômen”, agendou consulta médica com a ré, a qual, após realizar “exame clínico”, descartando gravidez, “informou a Autora que esta estaria com um tumor na região do abdômen, tumor esse cancerígeno no colo do útero”, o que lhe colocou em estado de “choque” (Evento 1, INIC1). Ocorre que, realizados alguns exames prescritos pela demandada, foi constatada a gestação, que já se caminhava para o sexto mês, e excluída, de conseguinte, a possibilidade de existência de qualquer “tumor cancerígeno” (Evento 1, INIC1).
Penso que sem razão a demandante.
Logo de plano impende dizer que o caso não trata de autêntico erro de diagnóstico, como apregoa a parte demandante.
O erro de diagnóstico, suscetível de indenizabilidade, traz a reboque o erro de tratamento.
Como ensina Miguel Kfouri Neto 1 , o erro de diagnóstico caracteriza-se “pela eleição do tratamento inadequado à patologia instalada no paciente, com resultado danoso”.
Consiste, basicamente, na identificação e determinação da moléstia que acomete o paciente e, ato contínuo, na escolha do tratamento adequado.
De sorte que, equivocado o diagnóstico, equivocado o tratamento, daí resultando os danos ao paciente, que deixa de receber a terapia correta para debelar a doença da qual verdadeiramente padece, muitas vezes, paralelamente, submetendo-se à medicação e a procedimentos inapropriados, absolutamente desnecessários e, não raro, ainda mais prejudiciais a sua saúde.
No caso, não houve diagnóstico.
E prova irrefutável disso é a circunstância de a autora ter sido encaminhada para realização de vários exames complementares laboratoriais e de imagem após a consulta (Evento 1, EXMMED6), justamente para verificar se algum mal a acometia e, a partir daí, estabelecer a terapêutica indicada.
Tivesse havido disgnóstico, na acepção que interessa, qual seja, a técnica, fatalmente a terapêutica ter-se-ia iniciado imediatamente, máxime se detectado, como alega a autora, “tumor cancerígeno” (Evento 1, INIC1), doença que via de regra exige pronta e eficaz intervenção, pelo risco iminente de progressão e expansão.
Logo, a autora não foi submetida a...
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