Acórdão nº 50054304020218210036 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50054304020218210036
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003193791
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005430-40.2021.8.21.0036/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

FÁBIO JUNIOR BORGES RITTER foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

No dia 23 de setembro de 2021, quinta-feira, por volta das 17h30min, na Rua Antônio Chaves, n° 439, via pública, Bairro Fontes, em Soledade/RS, o denunciado FÁBIO JÚNIOR BORGES RITTER trazia consigo, para fins de traficância, drogas, consistentes 01 (um) tijolo e 01 (uma) porção de “cannabis sativa”, substância popularmente conhecida como “maconha”, pesando ambos, no total, 853 (oitocentos e cinquenta e três) gramas, 01 (uma) porção de cocaína, pesando 50 (cinquenta) gramas e 04 (quatro) porções de “crack”, substância derivada da cocaína, pesando 229 (duzentos e vinte e nove) gramas, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Por ocasião do fato, o denunciado trazia consigo as quantidades de drogas supradescritas, quando foi avistado pela Brigada Militar em cima de um cavalo. Ato contínuo, um veículo GM/Meriva, placas HEW6435, que acompanhava o denunciado, fugiu em direção oposta, momento no qual, ao avistar a guarnição, o denunciado passou a fugir a galope, saindo em direção a um matagal, local onde abandonou o animal, continuando a fuga a pé, jogando-se por cima de uma cerca.

Nesse instante, o denunciado derrubou um pacote de drogas que trazia consigo, vindo, logo em seguida, a ser encurralado pelos policiais militares, instante em que foi preso em flagrante na posse do restante do entorpecente que se encontrava escondido em seu agasalho, tipo “canguru.

Recebida a denúncia em 16 de junho de 2022, o feito foi regularmente processado, sobrevindo sentença de procedência, nos seguintes termos:

ISSO POSTO, julgo procedente a ação para condenar FABIO JUNIOR BORGES RITTER como incursos no artigo 33,“caput”, da Lei 11.343/06.

Fábio foi condenado às penas de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime fechado, e 510 (quinhentos e dez) dias-multa.

Ambas as partes recorreram.

O Ministério Público, insurgiu-se em face da dosimetria adotada no que se refere as vetoriais dos maus antecedentes, da culpabilidade, das circunstâncias e consequências do fato julgado, aduzindo a necessidade de readequação da pena. Pugnou pela majoração das penas fixadas. Requereu o provimento do recurso (169.1).

A Defesa, por sua vez, arguiu, preliminarmente, a nulidade das provas em razão da violação de domicílio, a nulidade do feito ante o não recebimento formal da denúncia, bem como, a nulidade das provas em razão de suposta quebra da cadeia de custódia. Requereu o acolhimento das preliminares, a absolvição do réu ou, subsidiariamente a revisão da pena e aplicação da redutora prevista no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06 (173.1).

Foram apresentadas contrarrazões por ambas as partes, requerendo, no que lhes cabe, a manutenção da sentença (179.1 183.4).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo e pelo provimento do recurso ministerial (7.1).

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos e preenchem os pressupostos de admissibilidade.

Adianto que estou afastando as preliminares arguidas pela Defesa.

Quanto à preliminar de nulidade da prova obtida, em razão da suposta invasão de domicílio, não comporta acolhimento.

No caso, os depoimentos dos agentes policiais foram coerentes e uníssonos no sentido de que, após receberem denúncias de que o réu estaria vendendo entorpecentes em seu endereço, dirigiram-se ao local. Avistaram, então, um indivíduo com as características repassadas, próximo a um veículo. Realizaram a abordagem em uma zona de mata, após o réu empreender fuga, localizando as drogas apreendidas. Ou seja, não houve narrativa de ingresso na residência do réu. A abordagem ocorreu em via pública.

Por oportuno, cito o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. REALIZAÇÃO FORA DO PRAZO. MERA IRREGULARIDADE. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA. RECURSO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Presentes as fundadas razões que sinalizavam a ocorrência de crime e porque evidenciada, já de antemão, hipótese de flagrante delito, é regular o ingresso da polícia no domicílio do réu, sem autorização judicial e sem o consentimento do morador. Havia elementos objetivos e racionais que justificaram o ingresso no referido local, motivo pelo qual são lícitos todos os elementos de informação obtidos por meio dessa medida, bem como todos os que deles decorreram. (...) 9. Recurso em habeas corpus parcialmente provido, para substituir a prisão preventiva do recorrente por medidas cautelares a ela alternativas, nos termos do voto do relator. (RHC 154.274/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021)

Nessa direção, embora não houvesse autorização judicial, do relato expendido pelas autoridades, estaria, em tese, presente a justa causa a autorizar o eventual ingresso, o que observo, nem sequer ocorreu.

Assim, em não havendo razão para presumir que os agentes de segurança pública estejam faltando com a verdade e nem sequer alegada qualquer desavença anterior que pudesse colocar em cheque o relato, descabe a decretação da nulidade da prova obtida.

No que diz respeito à ausência de recebimento formal da denúncia, a preliminar foi rechaçada pelo juízo de origem pelos seguintes fundamentos:

(...) Pois bem. Conheço-o, contudo, com a devida vênia, não lhe dou provimento. Primeiro, porque, sentenciado o processo, naturalmente, resulta, ao menos neste grau de jurisdição, superadas eventuais atipicidades processuais. O não recebimento formal da denúncia, exceto para fins prescricionais, deve ser admitido de modo implícito quando da designação da audiência de instrução e julgamento. Segundo, as inconsistências acerca do periciamento apenas de parte das drogas apreendidas, confirmada a toxidez de ambas, para efeito de tipicidade material em face do reconhecimento do elementos subjetivo ingênito ao tipo legal de delito do art. 33, "caput", da L. 11.343/06, comete-se desimportante. O regime de custódia da prova, inerente ao devido processo legal (CPP 158-A-F e CF 5º LIV e LV), no que respeita às partes das drogas pericialmente avaliadas pelo IGP resultou respeitado, logo, defeso cogitar-se de nulidade absoluta (CPP 564 III, "b", e IV).

Do que se vê, não há evidência de qualquer prejuízo ao réu. O apelante foi intimado para a apresentação de defesa técnica, não havendo que se falar de violação ao contraditório ou a ampla defesa.

Nesse sentido, cito o precedente deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSOS DEFENSIVOS. PRELIMINAR REFUTADA. COMPROVADAS AUTORIA E MATERIALIDADE. DEPOIMENTOS COERENTES DOS POLICIAIS. ILÍCITO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. AJG CONCEDIDA. PRELIMINAR: Em análise da decisão de fl.82, não constato nulidade pelo não recebimento formal da denúncia, uma vez que não verifiquei prejuízo algum ao acusado, a quem foi assegurado o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa ao longo da instrução processual. Ademais, entendo que a decisão ora em análise apontou, taxativamente, a existência de justa causa para o prosseguimento do processo penal, situação que ocasionou o recebimento da denúncia pelo juízo de origem. (...) REFUTARAM A PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO.(Apelação-Crime, Nº 70072401201, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 11-04-2017)

Por fim, com relação à preliminar de quebra da cadeia de custódia de prova, melhor sorte nao assiste ao réu.

Conforme dispõe o artigo 158-A, introduzido pela Lei 13.964/2019 no Código de Processo Penal, a cadeia de custódia é "o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".

Forte na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a quebra da referida cadeia, por si só, não tem o condão de anular a prova dos autos:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO OCORRÊNCIA. LAUDO PERICIAL REALIZADO. MATERIALIDADE DO DELITO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. PREMATURO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada por seus próprios fundamentos." (AgRg no RMS 60.369/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).
2. Hipótese em que o agravante limita-se a reiterar mesma argumentação lançada nas razões da impetração, sem apresentar qualquer fato novo tendente à modificação do julgado que, por tal razão, deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal ou inquérito policial por...

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