Acórdão nº 50054627520208210005 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 20-04-2022

Data de Julgamento20 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50054627520208210005
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001949076
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005462-75.2020.8.21.0005/RS

TIPO DE AÇÃO: Taxa de Coleta de Lixo

RELATORA: Desembargadora MARILENE BONZANINI

APELANTE: MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES (AUTOR)

APELADO: LEONIR LUIS GIORDANI (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório do parecer ministerial, verbis:

"Trata-se de apelação cível, interposta pelo MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES, de sentença (evento 28) que julgou improcedente o pedido na ação que move conta LEONIR LUIS GIORDANI.

Em razões (evento 34), o Município afirma que, nos autos do processo 9001328-39.2017.8.21.0005, restou condenado a restituir valores pagos pelo apelado a título de taxa de serviços urbanos. Diz que o montante pago foi impugnado pelo TCE, o que deu azo ao ajuizamento da presente ação para reaver a diferença tida como indevida. Refere que juntou aos autos todos os documentos necessários para comprovar o alegado. Com relação à preclusão, pela não impugnação dos valores no processo original, aduz que a matéria envolve dinheiro público, sendo aplicáveis, na solução do litígio, os princípios basilares do direito administrativo. Menciona que não há liberdade quanto ao dinheiro público. Argumenta que o enriquecimento ilícito deve ser ressarcido, forte no art. 884 do Código Civil. Pede o conhecimento e provimento do apelo, para que o apelado seja condenado a restituir aos cofres públicos o montante recebido sem justa causa.

Foram juntadas contrarrazões (eventos 37)".

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

Cinge-se a controvérsia trazida à apreciação desta Corte em verificar a possibilidade de repetição de indébito calcado em pagamento a maior realizado no processo n° 9001328-39.2017.8.21.0005, onde teria havido erro no cálculo da parte então autora, ora demandada, referente à Taxa de Serviços Urbanos (TSU).

Em sede de cumprimento de sentença, o Município apelante foi intimado do cálculo apresentado pela parte e não apresentou qualquer impugnação, tendo realizado o pagamento de R$ 19.374,97 quando, supostmente, deveria ter pago o valor de R$ 9.397,63, o que resultou no alegado pagamento a maior de R$ 9.977,34.

Decorrido mais de um ano do pagamento, o MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES ajuizou a presente ação de repetição de indébito alegando erro no cálculo da parte e excesso de execução.

Pois bem.

Adianto ser caso de desprover o apelo.

Com efeito, resta incontroverso que o apelante foi devidamente intimado no cumprimento de sentença do cálculo apresentado pela parte, tendo tido oportunidade de se opor ao valor e trazer as alegações que agora afirma, sendo que o próprio Município admite a ausência de manifestação em suas razões de apelo.

Nessa esteira, importante colacionar o disposto no art. 507 do CPC:

Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Ainda, rogo vênia para trazer a lição do Prof. Nélson Nery Júnior, in verbis:

Art. 183:

Preclusão. É a perda da faculdade de praticar ato processual. Pode ser temporal, mas também lógica ou consumativa. A preclusão tem como destinatários principais as partes, mas também incide sobre os poderes do juiz, que não pode decidir novamente questões já decididas (CPC 473), salvo as de ordem pública, que não são atingidas pela preclusão.

Preclusão temporal. Ocorre quando a parda da faculdade de praticar ato processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tenha praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular.

Preclusão lógica. Preclusão lógica é a que extingue a possibilidade de praticar-se ato processual, pela prática de outro ato com ele incompatível. Por exemplo, quem cumpriu a sentença depositando o valor da quantia a que fora condenado, não pode interpor recurso para impugná-la, ainda que não se tenha esgotado o prazo recursal (CPC 503)

Preclusão consumativa. Diz-se consumativa a preclusão, quando a perda da faculdade de praticar o ato processual decorre do fato de já haver ocorrido a oportunidade para tanto, isto é, de o ato já haver sido praticado e, portanto, não pode tornar a sê-lo.” (Nery Júnior, Nélson e Nery, Rosa Maria Andrade, “CPC e legislação processual civil extravagante em vigor, São Paulo, Ed. RT, 1994, pág. 428).

Na hipótese dos autos, sobremaneira esclarecido que, não tendo se manifestado no momento oportuno, restou precluso o direito de o Município (re) discutir a questão, notadamente pelo fato de que a indisponibilidade do interesse público e de seus bens não tem o condão de afastar o instituto da preclusão consumativa.

Nessa linha de intelecção, a fim de evitar tautologia desnecessária, transcrevo a sentença atacada, cuja escorreita fundamentação adoto como razões para decidir:

"(...)

A demanda é improcedente.

O pedido inicial de repetição de indébito do Município está calcado em pagamento a maior realizado no processo n° 9001328-39.2017.8.21.0005, onde teria havido erro no cálculo da parte então autora, ora demandada.

O Município alega que em se tratando de valores pagos a maior de dinheiro público, presente está o interesse público, que se sobrepõe à coisa julgada e à preclusão.

Sem razão.

Isso porque, verificando os autos do processo originário, vê-se que foi assegurado o devido processo legal e o amplo contraditório no processo de conhecimento e no cumprimento de sentença, o Município deixou de alegar qualquer causa que afastasse o direito do demandado e não se insurgiu, em momento, quanto ao teor do cálculo, a forma de sua realização e as rubricas que o integravam.

Lá, naquele momento, permanecendo inerte, o Município se descuidou de dever não só processual, mas também de compromisso para com o interesse público, operando-se a preclusão lógica, porque pagou o valor exigido pela parte, sem irresignação alguma, ato incompatível com o erro de cálculo, e consumativa, porque a faculdade de impugnação era naquele momento processual, e não por nova demanda (CPC, arts. 507 e 1.000).

Sem qualquer explicação plausível, a municipalidade deixou transcorrer os prazos no processo onde tinha oportunidade e todos os prazos cabíveis para impugnar a pretensão da parte contrária. Aqueles eram os diversos momentos em que o interesse coletivo pelo pagamento correto deveria ter prevalecido, mas, ao invés disso, viu-se a total inércia.

A tutela jurisdicional lá deferida não pode ficar eternamente, e ao bel prazer da municipalidade, em aberto.

Entender-se de modo diverso atentaria contra matérias de ordem pública de igual relevância, tais como o princípio da segurança jurídica, por possibilitar que relações processuais já estabilizadas por decisões judiciais ou por consenso das partes possam vir a ser reavivadas; da razoável duração do processo, pela possibilidade de tumulto da marcha processual com o ressurgimento, a qualquer momento, de questões já dirimidas ao longo da demanda; do contraditório e da ampla defesa, pois a Fazenda Público, na impugnação ao cumprimento de sentença, tem a possibilidade de apresentar, de modo consistente e no prazo legal, defesa (art. 535 do CPC) (REsp 1783281/PE).

A respeito, colhem-se infindáveis arestos dos tribunais superiores, inclusive do STJ. Veja-se:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. CRÉDITO ANULADO POR ATO DA ADMINISTRAÇÃO NO CURSO DA AÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA COM ACOLHIMENTO DE PEDIDO CONTRAPOSTO. INSURGÊNICA DA PARTE AUTORA. (...) Com o trânsito em julgado da ação anterior, o autor promoveu o cumprimento da sentença, apresentando cálculo. Intimado, o Município de Bento Gonçalves silenciou acerca do cálculo apresentado, o que motivou a expedição de V no valor proposto e o seu respectivo pagamento pelo ente municipal. Assim, resta preclusa a discussão se a taxa de coleta de lixo integrou irregularmente o cálculo apresentado na ação anterior, porquanto o pagamento lá efetuado se deu mediante a anuência tácita do devedor com o cálculo apresentado pelo credor. Ademais, não pode ser olvidado que no cálculo não foram discriminadas as parcelas cobradas, mas apenas apresentado um valor nominal e sobre ele aplicado critérios de juros e correção. Destarte, não cabe falar em erro material e sim em discordância intempestiva acerca do próprio quantum devido. Com esta compreensão, reforma-se a sentença também no ponto em que acolhe o pedido contraposto, uma vez que a cobrança de crédito não declarado inconstitucional ou ilegal, deveria ter sido promovida em lançamento complementar, nos termos do art. 315 do Código Tributário Municipal (Lei Complementar nº 183/2013), não podendo ser legitimada na forma pretendida pelo réu. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO E IMPROCEDENTE O PEDIDO...

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