Acórdão nº 50054672020228210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50054672020228210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003097801
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005467-20.2022.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: MARCO ANTONIO MOURA DA COSTA (AUTOR)

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos respectivamente por MARCO ANTONIO MOURA DA COSTA e PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO em face da sentença, proferida nos autos da ação revisional de contrato que contendem entre si, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

MARCO ANTONIO MOURA DA COSTA propôs ação revisional de contrato bancário contra PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado os contratos de empréstimo nº 3814254045 e nº 3814440823, com a instituição financeira ré. Alegou que no decorrer do contrato houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo, a descaracterização da mora e a repetição do indébito. Foi deferida a gratuidade judiciária e o pedido de antecipação de tutela. Citado, o réu contestou. Arguiu, preliminarmente, ilegitimidade passiva. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da ação. Sobreveio réplica. Relatei.

[...]

Pelo exposto, mantenho os provimentos liminares anteriormente deferidos e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios dos contratos de empréstimo nº 3814254045 e nº 3814440823 à taxa média de mercado à época da contratação (1,29% a.m. para ambos contratos), bem como descaracterizar a mora da parte autora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação. Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente. Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Foram opostos Embargos de Declaração (evento 45, EMBDECL1), que restaram desacolhidos (evento 47, DESPADEC1).

Em suas razões (evento 51, APELAÇÃO1), o autor, defende, em síntese, a impossibilidade de compensação relativa às parcelas vincendas. Colaciona precedentes e, ao final, postula pelo provimento de sua irresignação e a majoração dos honorários advocatícios.

No que lhe concerne (evento 55, APELAÇÃO1) a instituição financeira, defende, a reforma da sentença. Preliminarmente, aduz a nulidade do julgado por ausência de fundamentação e cerceamento de defesa em razão da ausência de despacho saneador. Quanto ao mérito, refere, em síntese, a legalidade dos juros remuneratórios, afirmando inaplicável a taxa média de mercado para a situação em apreço em face de uma série de particularidades relativas à prestação do serviço, perfil dos consumidores e diversos outros fatores. Tece considerações acerca do risco compreendido no crédito concedido à parte recorrida e impugna o cálculo que instruiu na petição inicial. Colaciona precedentes e, ao final, postula pelo provimento de sua irresignação com a improcedência do pedido. Em não sendo este o entendimento, requer o estabelecimento de critério justo e adequado para a limitação dos juros remuneratórios, a incidência, tão somente, da taxa Selic sobre os valores a restituir e a redução dos honorários advocatícios.

Apresentadas contrarrazões (evento 58, CONTRAZ1, evento 61, CONTRAZAP1), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Da alegação de nulidade da sentença.

Preliminarmente, no que se refere à alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, não prospera a irresignação, vez que o julgado impugnado apresenta adequada exposição de seus motivos e tem suas conclusões amparadas nos elementos fáticos e jurídicos que permearam a discussão durante todo o curso da lide além da legislação inafastavelmente aplicável à situação em apresso.

Do mesmo modo, também não há falar em cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado tendo em vista tratar a demanda de matéria eminentemente de direito.

Por consequência, sem que se possa falar em qualquer nulidade, vão afastadas, de plano, as prejudiciais.

Da possibilidade de revisão contratual.

Toda relação jurídica formada a partir de um acordo de vontades válido e eficaz é regida pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos. Princípio que confere ao pacto força de lei entre as partes e que garante sua não violação em decorrência de dificuldades comezinhas de cumprimento ou, em outras palavras, por fatores externos plenamente previsíveis. Por essa razão, apenas a ocorrência de situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória, legitima a revisão judicial.

Inobstante, nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, indiscutível é a incidência do Código de Defesa do Consumidor a essa análise a par do disposto na Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente. Sob este prisma, no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça2, a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou o entendimento no sentido de que é livre a pactuação dos juros entre as partes, salvo em caso de abusividade categoricamente demonstrada. Quanto ao ponto, para fins de melhor compreensão da solução adotada, já há mais de uma década, pela Corte Superior, pertinente a transcrição da elucidativa digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

[...]. A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos. [...] No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País. No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal). Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização. Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sociopolítico. [...]. No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937. Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros. [...]. Em 1964, após o golpe militar, uma das medidas preconizadas foi a reestruturação do sistema financeiro nacional para solucionar a grave crise econômica e para estimular o desenvolvimento do País. Assim, a Lei 4.595, de 31.12.1964, estabeleceu normas para reestruturação e regulamentação do sistema financeiro nacional, atribuindo ao Conselho Monetário Nacional (art. 4º) e ao Banco Central do Brasil (art. 8º e ss.) amplos poderes para o controle das atividades das instituições financeiras nacionais, inclusive, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros” (art. 4º, IX). A partir desse regramento da Lei 4.595/64, passou-se a discutir se as instituições financeiras estariam submetidas às normas da Lei da Usura (Decreto 22.626/33). Após longo debate jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 596 com o seguinte teor: “As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”. A jurisprudência dominante consolidou-se no sentido do entendimento de que os contratos celebrados por instituições financeiras não estavam submetidos aos ditames da Lei da Usura, embora esta continuasse em vigor para todos os demais negócios celebrados por outros setores da vida econômica3. [...].

Restou, assim, completamente rechaçada a tese da aplicabilidade da Lei de Usura aos contratos bancários, conforme decidido no julgamento do recurso...

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