Acórdão nº 50054750220208210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50054750220208210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002000029
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005475-02.2020.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito rural

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

APELANTE: PEDRO HOCH (EMBARGANTE)

APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO SERRO AZUL - SICREDI UNIAO RS (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PEDRO HOCH em face da sentença proferida nos autos dos embargos que opôs à ação de execução movida por COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO SERRO AZUL - SICREDI UNIAO RS, decisão essa nos seguintes termos:

"PELO EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos do embargante, extinguindo o feito, com resolução de mérito, na forma do art. 487, inc. I, do CPC.

Por consequência, condeno o embargante no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor dado à causa, atento aos parâmetros elencados no art. 85, §§, do CPC, suspendendo a exigibilidade de tais encargos, uma vez que litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (EV09).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo interposição de apelação, ao adverso, para contrarrazões; após, subam ao ETJRS.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se."

Em razões recursais, a parte embargante aduz que realizou o pagamento de parcela do contrato diretamente para o gerente do apelado, cujo valor não foi abatido do débito em execução, mas no contrato nº B92822133 que aduz ser inexistente. Menciona que embora requerido a juntada daquele, o banco o trouxe aos autos. Ressalta ter adimplido parcela substancial do débito cobrado na inicial. Sustenta a impenhorabilidade do imóvel constrito, sob o n.º 281 perante o CRI de Entre-Ijuís/RS, porquanto pequena propriedade rural cuja área das matrículas somadas, não ultrapassam 04 módulos fiscais. Requer o provimento do recurso.

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões postulando o desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento, cumpridas as formalidades legais.

É o relatório.

VOTO

DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL

O presente norteia-se pelas disposições processuais estabelecidas pelo Novo Código de Processo Civil.

.Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos (cabimento e adequação, tempestividade, regularidade procedimental e formal, isenção do preparo ante a concessão da AJG, ausência de fato extintivo ou modificativo do direito de recorrer, legitimidade e interesse) recebo o apelo em ambos os efeitos.

Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 933 do CPC, passo ao exame do recurso.

DO OBJETO DA EXECUÇÃO

Cédula De Crédito Rural Pignoratícia Hipotecária nº B62821631-7, com valor originário de R$111.079,99, para pagamento em parcelas anuais no período entre 15.09.2017 a 15.09.2026. Ev. 1, CONTR3, autos da execução.

DO ALEGADO PAGAMENTO

Sustenta o apelante que teria adimplido regularmente a terceira parcela, vencida 15/09/2019, mediante a entrega de dinheiro em mãos ao gerente da agência, de forma parcelada e nas datas de 31/03/2020, 03/04/2020 e 30/04/2020. Dessa forma, teria adimplido o principal e os juros decorrentes do atraso, razão porque o débito não seria exigível, porquanto não teria se operado o vencimento antecipado.

A instituição financeira, por sua vez refere que os valores que alega terem sido utilizados para adimplir a terceira parcela do contrato n.º B62821631-7, foram debitadas de sua conta corrente para pagamento de parcela do contrato n. B92822133.

No entanto, conforme esclarecimento da própria instituição financeira na petição inserta no Evento 71, de fato, houve o adimplemento de valores pelo embargante que, segundo narrativa, foram destinados para quitação de 'fiança', essa demonstrada pela tela de sistema constante na petição do Evento 59.

Oportuna reprodução parcial da explicitação contida na aludida peça:

"Dessa forma, em virtude de ter-se operado o efetivo inadimplemento da cédula B62821631-7, a embargada realizou a quitação dos valores vinculados ao título para o credor originário (BNDES) e passou a ser a titular do direito executivo, sendo que o pagamento da fiança honrada gera um novo número em seu sistema interno, neste caso o B92822133-2.

Nesse sentido, ratifica integralmente os termos da manifestação constante no EV. 59. Assim, as amortizações da conta corrente do embargante passaram a ocorrer sob o título n.º B92822133-2 conforme documentos já acostados aos autos e cálculo anexo à presente manifestação.

Vale ressaltar que efetivamente operou-se o vencimento antecipado da cédula B62821631-7, a qual foi quitada junto ao BNDES pela embargada, que passou a ser a credora de tais valores e, em virtude do referido pagamento, o título foi renumerado no sistema e passou a ser registrado sob o n.º B92822133-2."

Em suma, ainda o apelado utilize nomenclaturas diversas, ante o reconhecimento do desembolso de valores pelo apelante e depósito dos valores na conta desse, tais devem ser considerados. Até porque, conforme contrato, o pagamento das parcelas ocorreria mediante desconto direto na conta bancária do embargante, conforme cláusula "DÉBITO DAS PARCELAS" (p. 21, DOC02, EV01).

Inclusive no novo cálculo apresentado pela instituição financeira, Ev. 71, CALC2, diversamente daquele que instruiu a pretensão executiva, deduzidos os valores pagos pelo apelante e não contabilizados inicialmente. Logo, ante a admissão do credor acerca do recebimento, tornam-se os mesmos incontroversos, impondo seu reconhecimento e dedução do valor exequendo.

De outro lado, inegável que aludidos pagamentos foram realizados de forma diversa da ajustada. Veja-se que o vencimento das parcelas foi aprazado contratualmente para o dia 15. Contudo, o embargante unilateralmente dividiu o valor devido em três parcelas e as adimpliu nas datas de 31/03/2020, 03/04/2020 e 30/04/2020, o que não afasta a incidência da mora, tampouco da cláusula que prevê o vencimento antecipado do contrato ante o evidente atraso.

Sobreleva que a aceitação do pagamento a destempo é uma prerrogativa do credor, não uma obrigação, pelo que não pode ser compelido a aceitar pagamento de modo diverso do previsto no contrato, conforme o art. 314 do Código Civil, o qual prevê que "Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou."

Ademais, havendo previsão expressa acerca da possibilidade de vencimento antecipado, estando o executado, por conseguinte, devidamente informado acerca das condições do contrato, descabe obrigar o credor a esperar o vencimento de todas as parcelas para então poder exigir a integralidade da dívida.

Logo, não há abusividade na cláusula, sendo uma faculdade do credor executar o contrato antecipadamente, em caso de inadimplemento.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. Inexiste cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide quando o julgador entender que os elementos nela constantes são suficientes para o exame do mérito e a matéria nela vertida for exclusivamente de direito. TÍTULO EXECUTIVO. A cédula de crédito bancário constitui título executivo extrajudicial. Caso concreto no qual, embora emitida como garantia de operação de cartão de crédito, a cédula de crédito conserva a sua liquidez em razão da juntada de memória de cálculo que contempla a operação garantida. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO CONTRA OS AVALISTAS DO DEVEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. A recuperação judicial não impede o prosseguimento da demanda executiva promovida contra os coobrigados, dentre estes os avalistas do devedor (lei 11.101/05, art. 49, §1º). LIMITAÇÃO DO VALOR DA EXECUÇÃO. A cédula de crédito bancário avalizada prevê o acréscimo de encargos remuneratórios e moratórios ao valor de face do título, sem estipular qualquer limitação da responsabilidade dos garantidores, razão pela qual é descabida a limitação da execução contra eles promovida ao valor nominal do título. ENCARGOS MORATÓRIOS. Os juros de mora decorrem de previsão legal e são limitados em 1% ao mês. Inteligência da Súmula nº. 379 do Superior Tribunal de Justiça. A multa moratória é devida sobre o valor da parcela em atraso, conforme previsão expressa do art. 52, §1º, do CDC. Mantida a cobrança da multa de 2% e dos juros moratórios de 1% ao mês. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. Consoante entendimento consolidado no REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, o afastamento da mora ocorre apenas quando há cobrança de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, o que não ocorreu no caso em tela. VENCIMENTO ANTECIPADO DA OBRIGAÇÃO. Na esteira da jurisprudência dominante deste Tribunal de Justiça, a cláusula contratual que prevê o vencimento antecipado da obrigação não é abusiva nem perde eficácia diante de eventual decretação da recuperação judicial do devedor principal. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70085173276, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 25-02-2022)

Do exposto, dou parcial provimento ao recurso para reconhecer os pagamentos realizados pelo embargante e insertos na memória de cálculo do Evento 71, com o consequente abatimento e recálculo do débito antes do prosseguimento dos atos da execução.

IMPENHORABILIDADE

Acerca da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, reza o inciso XXVI do art. 5º da Constituição Federal:

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade...

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