Acórdão nº 50055097420208210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50055097420208210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001620704
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005509-74.2020.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Telefonia

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: FREDERICO SULIS NETO (AUTOR)

APELADO: TELEFONICA BRASIL S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FREDERICO SULINS NETO, contrário a sentença prolatada nos autos da ação declaratória ajuizada em desfavor de TELEFÔNICA BRASIL S/A.

A fim de evitar tautologia, colaciono o relatório da sentença ora recorrida:

"Frederico Sulis Neto ajuizou ação declaratória de nulidade de cláusula contratual cumulada com pleito declaratório de inexistência de contratação, inexigibilidade de cobrança e readequação contratual, repetição de indébito e indenização por danos morais" contra Telefônica Brasil S.A., ambos já qualificados nos autos.

Na inicial, a parte autora narrou que é cliente da empresa requerida, titular da linha telefônica móvel pós-paga nº (55) 9 9731-0069. Aduziu que o valor fixo contratado sofreu um reajuste considerável, em razão de que foram incluídos alguns serviços que geraram cobranças extras. Mencionou que entrou em contato com a requerida pela central de atendimento, na qual não obteve solução. Sustentou que se trata de venda casada de serviços. Suscitou a aplicabilidade do CDC. Disse que a requerida pratica ato abusivo, ao inserir serviços condicionados ao seu plano. Discorreu sobre a incidência de danos morais. Nesse contexto, requereu a procedência dos pedidos, para condenar a requerida a declarar a nulidade da cláusula que autoriza a alteração unilateral do contrato pela requerida, declarar inexigíveis as cobranças indevidas, restituir em dobro os valores cobrados indevidamente, bem como indenizar por danos morais. Pleiteou o benefício da gratuidade judiciária. Juntou documentos (evento 1).

Intimada para acostar aos autos, sua última declaração de imposto de renda ou extratos bancários, para fins de análise do pedido de gratuidade da justiça (evento 3), a autora assim o fez, conforme evento 6.

Recebida a inicial, foi deferida a gratuidade judiciária à parte autora (evento 8).

Citada, a requerida contestou a ação (evento 15). Preliminarmente, discorreu acerca das diversas demandas idênticas existentes na região. Sustentou a falta de interesse de agir e a inexistência de pretensão resistida, sob a alegação de que não houve pedido administrativo. Em prejudicial de mérito, arguiu a decadência. No mérito, discorreu que inexiste ato ilícito de sua parte. Referiu que os serviços detalhados nas faturas correspondem ao plano contratado pela parte autora. Disse que os pagamentos realizados pela parte autora não excederam o pactuado, não havendo qualquer abusividade. Alegou que as cobranças desmembradas na fatura cumprem a função de promover maiores informações e esclarecimentos do plano contratado ao consumidor. Mencionou não haver se falar em indenização por danos morais e repetição de indébito, na medida em que efetuou cobrança por serviços efetivamente utilizados. Nesse sentido, pugnou pelo acolhimento das preliminares e, por fim, requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos (evento 15).

Houve réplica (evento 18).

Instadas quanto as provas que pretendiam produzir (evento 20), a parte requerida postulou o julgamento do feito no estado que se encontra (evento 24). Já a parte requerente manifestou-se, conforme evento 28, requerendo a intimação da parte ré para que acostasse aos autos provas da contratação dos serviços e os extratos detalhados de consumo."

E o dispositivo sentencial assim restou positivado:

"ANTE O EXPOSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do NCPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Frederico Sulis Neto em face da Telefônica Brasil S.A.

Em face da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da ré, os quais fixo em 10% sobre o valor dado à causa, com fundamento no que estabelece o artigo 85, § 2º, do NCPC, levando em consideração a natureza da ação, a ausência de dilação probatória e o trabalho desenvolvido. Suspensa, porém, a exigibilidade, em razão de a parte autora ser beneficiária da gratuidade judiciária (evento 8)."

A parte autora interpôs recurso de apelação. Alegou ser aplicável à espécie o prazo prescricional decenal para a restituição dos valores cobrados indevidamente. Argumentou acerca da ilegalidade de cobranças, que, segundo a recorrente, configuram venda casada. Alegou que não contratou os serviços cobrados. Requereu a condenação à ré ao pagamento de danos morais. Pugnou pela reforma da senteça.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso porquanto preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação em que a parte autora sustenta a cobrança indevida de serviços não contratados denominados "VIVO CONTROLE SERVIÇO DIGITAL III".

Inicialmente, destaco que o caso em tela deve ser apreciado pela égide do Código de Defesa do Consumidor, sendo imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e, subsidiariamente, dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor nos exatos termos dos arts. e da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido, é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem.2”.

Os consumidores considerados em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes, sofre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns e,...

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