Acórdão nº 50056204620208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50056204620208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001791453
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005620-46.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: SOMPO SEGUROS S.A. (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por SOMPO SEGUROS S.A., nos autos da ação regressiva de indenização securitária ajuizada em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., contra sentença [Evento 25, SENT1] que julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios aos procuradores da autora, fixados em R$ 1.000,00, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC.

Opostos embargos de declaraçãopela parte autora [Evento 29, EMBDECL1], estes foram desacolhidos pelo juízo a quo [Evento 41, DESPADEC1].

Em suas razões de apelação [Evento 47, APELAÇÃO1], a parte autora, após breve síntese dos fatos, argumenta que comprovou nos autos, por meio dos laudos técnicos, orçamentos referentes aos reparos necessários e recibo de quitação e sub-rogação o fato constitutivo do seu direito, notadamente que a queima dos equipamentos se deu por conta da instabilidade da energia elétrica. Argumenta que não é razoável condicionar a procedência da pretensão autoral à comunicação do evento a demandada. Defende que a ausência de comunicação à concessionária de energia elétrica acerca dos danos em testilha não perfaz fundamento apto a afastar sua responsabilidade. Sustenta a desnecessidade de pedido prévio administrativo e que a responsabilidade da recorrida é objetiva, sendo desnecessário comprovar culpa, por força do art. 37, §6º da CF. Assevera que a demandada, para atestar a inexistência de perturbação na rede elétrica e, por consequência, do nexo causal, deveria ter gerado e analisado os relatórios indicados no módulo 9 do PRODIST, ônus do qual não se desincumbiu. Alega que não há como deixar de reconhecer a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, bem como da inversão do ônus da prova ao caso dos autos. Postula, alternativamente, a redução dos honorários advocatícios fixados na sentença. Requer o provimento do recurso para que sejam julgados procedentes os pedidos.

Apresentadas as contrarrazões [Evento 51, CONTRAZAP1], foram remetidos os autos a esta Corte e, após distribuição, vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Quanto ao mérito propriamente dito, o feito diz respeito ao pedido de ressarcimento pela seguradora dos valores que despendeu em favor de seu segurado e dos quais se sub-rogou, visando ao reembolso contra a suposta causadora do dano, ora recorrida.

A autora recorre da sentença alegando a existência de prova do fato constitutivo do seu direito no sentido de que a queima dos aparelhos eletrônicos segurados ocorreu em função das oscilações de energia elétrica.

Pois bem.

Consigno, preambularmente, que a responsabilidade da ré em reparar os prejuízos sofridos em razão da prestação dos serviços é objetiva, tanto por força do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal1, quanto pela incidência do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor2. Tal responsabilidade decorrente da norma constitucional é em razão do serviço público de fornecimento de energia desempenhado pela ré, ao passo que, em relação à norma consumerista, é oriunda da relação de consumo mantida entre as partes, nos termos do artigo 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990.

A doutrina de Rui Stoco não se afasta deste norte:

Portanto, a companhia de energia elétrica de geração ou distribuição, embora possa se constituir em sociedade de natureza privada será sempre uma concessionária de serviço público, prestando-o por delegação do Estado.

Nessa condição, é alcançada pela disposição muito mais garantidora, do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao dispor que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Desse modo, essas empresas ficam enquadradas na teoria do risco administrativo, sendo, assim, objetiva a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

Evidente, não se descarta a incidência obrigatória do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que favoreça e proteja a vítima, considerando que o fornecimento de energia elétrica para consumo enquadra-se nos conceitos ali estabelecidos, devendo a energia elétrica ser considerada como produto, posto que é um bem consumível ou fungível.

A legislação consumerista, por sua vez, preceitua em seu artigo 22, verbis:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Nesse passo, somente se isenta da responsabilidade o fornecedor que provar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima (consumidor) ou de terceiro. Trata-se, na hipótese, de inversão legal do ônus da prova, na qual a ré possui o ônus de provar alguma das causas excludentes previstas no § 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, e não a inversão que pende de determinação judicial, prevista no inciso VIII do artigo 6º do precitado diploma legal.

Com efeito, por força da própria disposição legal supra, o ônus probatório, ope legis, é da fornecedora do serviço na demonstração de alguma excludente da responsabilidade civil.

Não obstante, no caso concreto, a partir das alegações apresentadas e a prova produzida nos autos, não verifico presente a relação de causa e efeito entre a ação da demandada, ora recorrida, e as avarias no equipamento garantido pela empresa segurada.

Segundo a inicial, nos dias 17/07/2018, 24/08/2018, 14/08/2019, 15/04/2019 e 24/07/2019, houveram oscilações das redes de energia nas unidades consumidoras seguradas pela autora, que resultaram na ocorrência de danos aos bens eletrônicos de propriedade das seguradas.

Após ter sido notificada dos eventos, a seguradora-autora deu início ao procedimento de averiguação e vistoria, tendo sido constado que o(s) equipamento(s) da parte segurada estavam danificados em virtude de oscilações de energia, conforme laudos técnicos dos sinistros verificados, alegando ter efetuado o pagamento aos segurados, relativamente aos sinistros, intentando, na sequência, a presente demanda regressiva a efeito de se ver reembolsada do montante pago.

A autora acostou, com a inicial, as apólices, os avisos de sinistro, os orçamentos e laudos técnicos, os relatórios de regulação de sinistros, comprovantes de endereço e de pagamento realizados aos segurados [Evento 1, ANEXO5 ao ANEXO9]. Logo, tenho que a relação contratual mantida entre a seguradora-autora e os segurados restou demonstrada.

Não obstante, atento à prova colacionada e as circunstâncias dos autos, observo, primeiramente, que sequer a concessionária de energia foi previamente notificada acerca da ocorrência do dano elétrico nos equipamentos, inviabilizando a averiguação dos danos nos equipamentos pela concessionária de energia. Como se vê, não houve qualquer pedido de ressarcimento dos prejuízos à concessionária de energia elétrica demandada, o que impede a verificação da existência da relação causal.

E, sob essas particularidades, a Resolução nº 414/2010-ANEEL prevê as condições para solicitação de ressarcimento perante as concessionárias de energia, a forma do procedimento e os prazos de que dispõe para verificação dos danos e de comunicação ao consumidor sobre o resultado do pedido de ressarcimento, verbis:

Art. 205. No processo de ressarcimento, a distribuidora deve investigar a existência do nexo de causalidade, considerando inclusive os registros de ocorrências na sua rede e observando os procedimentos dispostos no Módulo 9 do PRODIST.

§ 1º O uso de transformador depois do ponto de entrega não descaracteriza o nexo de causalidade nem a obrigação de ressarcir o dano reclamado.

§ 2º Todo o processo de ressarcimento deve ocorrer sem que o consumidor tenha que se deslocar do município onde se localiza a unidade consumidora, exceto por opção exclusiva do mesmo.

Art. 206. A distribuidora pode fazer verificação in loco do equipamento danificado, solicitar que o consumidor o encaminhe para oficina por ela autorizada, ou retirar o equipamento para análise.

§ 1º O prazo máximo para realização da verificação in loco ou para que a distribuidora retire o equipamento para análise é de 10 (dez) dias, contados a partir da data da solicitação do ressarcimento.

§ 2º Quando o equipamento supostamente danificado for utilizado para o acondicionamento de alimentos perecíveis ou de medicamentos, o prazo de que trata o § 1º do caput é de 1 (um) dia útil.

§ 3º O consumidor deve permitir o acesso ao equipamento e às instalações da unidade consumidora sempre que solicitado, sendo o impedimento de acesso, devidamente comprovado, motivo para a distribuidora indeferir o ressarcimento.

§ 4º O consumidor pode apresentar laudos e orçamentos contrapondo os emitidos por oficina credenciada, não podendo a distribuidora negar-se a recebê-los.

§ 5º Após o vencimento...

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