Acórdão nº 50056332320218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50056332320218210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002261244
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005633-23.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: NAIR ELENA CARGNELUTTI (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por NAIR ELENA CARGNELUTTI da sentença que julgou a ação revisional movida contra BANCO BRADESCO S.A.

Eis o relatório da sentença (Evento 30):

NAIR ELENA CARGNELUTTI, qualificada nos autos, ajuizou “ação de rescisão de contrato cumulada com pleito de indenização por danos morais” em face de BANCO BRADESCO S.A., também qualificado, alegando que celebrou contrato de empréstimo consignado com o demandado, sendo surpreendida por desconto de reserva de margem consignável de cartão de crédito.

Alegou que requereu e autorizou somente a realização de empréstimo consignado e não a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, tendo assinado os termos da avença com base em confiança.

Referiu que a dívida é impagável em face da abusividade da contratação, tendo o requerido faltado com o dever de informação.

Inexistindo razão para aderir a modalidade contratual mais gravosa e sem poder escolher o percentual de RMC, que sequer serve para abater o saldo devedor, teve malferidos seus direitos de consumidor, necessitando ajuizar a presente demanda para descaracterização do contrato, readequação das consignações, devolução dos valores pagos indevidamente e indenização pelos danos morais sofridos.

Requereu a procedência do pedido para: 1) "decretar a rescisão do negócio jurídico formalizado entre as partes, relativo a contratação da operação denominada 'Reserva de Margem Consignável, RMC', contrato nº 20160332778044904000, conforme consta no extrato da operação em anexo, determinando a exclusão do serviço diretamente da folha de pagamento do benefício previdenciário do autor"; e 2) "condenar a requerida ao pagamento de indenização por dano moral no valor sugerido equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), ou outro valor determinado a prudente critério deste juízo, observados os parâmetros jurisprudenciais e doutrinários aplicáveis, em razão da conduta desleal, falta de transparência, boa-fé, abusividade e hipossuficiência da parte requerente." Postulou, ainda, a concessão do benefício da gratuidade e a inversão do ônus da prova.

Juntou procuração e documentos (evento 1).

Foi concedida a gratuidade à autora (evento 3).

O demandado contestou (evento 14) alegando a ausência de interesse de agir e a falta de pretensão resistida, argumentando que celebrou com a autora um contrato de cartão de crédito consignado para desconto em folha de pagamento, originando a averbação da reserva de margem consignável.

Defendeu a validade do contrato, com adesão e permissão legal para a modalidade de cartão de crédito com autorização para desconto de valor mínimo em benefício previdenciário, com vista à amortização ou liquidação da linha de crédito, inclusive, com as vantagens inerentes à espécie.

Asseverou que deve ser guardada a boa-fé contratual, descabendo ao consumidor capaz valer-se da própria torpeza ou alegar ignorância extrema, pois tinha ciência da contratação e do custo das operações, que foram realizadas de livre e espontânea vontade, sem qualquer coação, tornando-se excessiva em razão do inadimplemento das faturas.

Assim, inexistindo ilegalidade na contratação, não se verifica o alegado ato ilícito não se havendo de falar em repetição de indébito e indenização por danos morais, cuja prova competia à autora, na forma do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

Requereu a improcedência do pedido, com a condenação da autora por litigância de má fé.

Acostou procuração e documentos (evento 14).

Houve réplica (evento 20).

Intimadas, as partes não manifestaram interesse na produção de outras provas (eventos 26 e 27).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Assim constou no dispositivo:

Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por NAIR ELENA CARGNELUTTI em face de BANCO BRADESCO S.A., com resolução de mérito.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados estes em 10% sobre o valor da causa atualizado, na forma do artigo 85, §2°, do Código de Processo Civil; ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar a gratuidade (artigo 98, §3°, do CPC).

Em suas razões recursais, em síntese, a parte autora requereu a conversão da modalidade contratual para empréstimo consignado. Postulou pela repetição em dobro de indébito. Pugnou pela declaração de rescisão da contratação de RMC. Requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Pugnou pela fixação dos honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa (Evento 34).

Foram apresentadas contrarrazões apontando, preliminarmente, ofensa ao princípio da dialeticidade (Evento 39).

Cumpridas as formalidades do artigo 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentado o recurso dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, e dispensado do preparo, em razão da AJG concedida ao autor (Evento 3). Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no duplo efeito.

PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES

OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL.

A parte demandada, em sede de contrarrazões, pleiteou pelo não conhecimento do recurso, por entender que as razões elencadas no apelo não atacam os fundamentos da sentença.

In casu, não merece acolhimento a tese.

Ocorre que a peça recursal não pode ser considerada inepta, porquanto o apelante atacou o julgamento de improcedência dos pedidos lançados na inicial, fundamentando devidamente aqueles que pretende que sejam reanalisados em grau recursal.

Desse modo, entende-se ter sido observado o princípio da dialeticidade.

Preliminar rejeitada.

APELO

RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA – NULIDADE DA CONTRATAÇÃO.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito está regulada pelo art. 1º da Resolução n. 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

"RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito."grifei.

Por outro lado, a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) requer autorização expressa do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, nos termos do que dispõe o art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS n. 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n. 39/2009, in verbis:

"Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência." – grifei.

No caso, a adesão ao serviço de “Cartão de Crédito Consignado” foi realizada mediante Termo de Adesão (Evento 1, Contrato 5), celebrado em 13/12/2016, no qual constou que o pagamento seria realizado via desconto mensal no benefício previdenciário – “Reserva de Margem Consignável”.

Importante destacar que o contrato não estabeleceu o número total de parcelas necessárias ao adimplemento do débito. Igualmente essencial ressaltar que Portanto, tendo em vista que não foram juntados quaisquer documentos demonstrando o contrário, configura-se o depósito dos valores contratados a título de empréstimo.

Portanto, não houve nenhum saque realizado com o suposto cartão de crédito, mas, sim, o depósito dos valores contratados a título de empréstimo.

Ocorre que, embora tenha sido comprovada a contratação, o cerne da questão está na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira ré, que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria do demandante (Evento 1 - Histórico de Créditos 7), relativos aos valores do pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada à consumidora, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, verifica-se que não houve comprovação de utilização do cartão de crédito consignado, tendo em vista a ausência da junção das faturas deste, bem como da devida informação à parte contratante da forma de utilização da modalidade de contratação.

Logo, na hipótese, por se tratar de típica relação de consumo, cabia ao fornecedor do serviço prestar todas as informações ao consumidor no ato da contratação, a respeito do serviço/produto que adquire, nos termos do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, o que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT