Acórdão nº 50056687920178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50056687920178210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001710164
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005668-79.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: DALVA JACI DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por DALVA JACI DE SOUZA da sentença que julgou improcedente a ação declaratória de inexistência de débito movida contra WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA.

Eis o relatório da sentença (Processo Judicial 2, fls. 39/41):

DALVA JACI DE SOUZA ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA de inexistência de débito contra HIPERMERCADO BIG, partes já identificadas nos autos. Narrou a parte autora que, em 29-05-2017, perdeu sua carteira, contendo certa quantia em dinheiro, documentos de identificação e cartões de bancos e lojas. Disse que, tão logo percebeu o ocorrido, registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil. Afirmou que, no mesmo dia, foram realizadas compras com os cartões de crédito da requerente, em três estabelecimentos diferentes: Magazine Luiza, Lojas Quero-Quero e a empresa ora demandada. Afirmou que tentou resolver a questão extrajudicialmente, sem sucesso, tendo, então, contratado empréstimo bancário para pagar a dívida e retirar seu nome dos cadastros restritivos de crédito. Discorreu sobre o direito que entende aplicável, os danos experimentados. Pediu a concessão do benefício da gratuidade da justiça. Requereu a procedência da ação, condenando-se a demandada ao pagamento dos danos materiais, de R$ 3.209,04, e danos morais em valor não inferior a 10 salários-mínimos. Juntou documentos (fls. 10/24).

Deferida a gratuidade judiciária (fl. 25).

Apresentada contestação por WMS Supermercados do Brasil Ltda. (fls. 31/49). Preliminarmente, postulou a retificação do polo passivo e alegou a ilegitimidade passiva. No mérito, apresentou sua versão para os fatos, impugnando as alegações e pretensões da parte autora e requerendo a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 50/53).

Houve réplica (fls. 54/57), oportunidade em que a parte autora repisou os argumentos da inicial e refutou as alegações da contestação, requerendo a procedência da ação.

Determinada a intimação das partes para dizerem acerca das provas (fl. 58); a autora postulou a produção de prova testemunhal (fl. 60) e a demandada disse não ter provas a produzir (fls. 61/62).

Deferido o pedido probatório (fl. 69/v).

Realizada audiência de instrução, restou frustrada a tentativa de composição; ouvida uma testemunha; declarada encerrada a instrução e apresentados memoriais remissivos (fl. 74).

Juntada a mídia contendo a gravação do depoimento colhido na audiência (fl. 77).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Passo a decidir.

Assim constou no dispositivo:

Pelo exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Dalva Jaci de Souza contra WMS Supermercados do Brasil Ltda. e extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC.

RETIFIQUE-SE o polo passivo, como determinado acima.

Condeno a parte autora ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais e eventuais despesas processuais, e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 12% do valor dado à causa, atualizado pelo IGP-M a partir do ajuizamento, atendidos o grau de zelo profissional, o trabalho desenvolvido, a complexidade da causa e a singela dilação probatória, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, restando suspensa a exigibilidade, por ser a autora beneficiária da gratuidade da justiça.

Em suas razões recursais, em síntese, a parte autora relatou sobre o furto sofrido e as compras realizadas com seus cartões de crédito. Requereu a desconsideração de prova sobre comunicação de perda ao réu, uma vez inexistente documentos desta natureza (Processo Judicial 2, fls. 45/47).

Não foram apresentadas contrarrazões.

Cumpridas as formalidades do artigo 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentado o recurso dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, e dispensado do preparo, em razão da AJG concedida ao autor (Processo Judicial 1, fl. 25). Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no duplo efeito.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

É questão pacificada na jurisprudência que as instituições financeiras se submetem a legislação de proteção ao consumidor, conforme o entendimento consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Igualmente, não se discute o fato de que as administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras, porquanto é matéria da Súmula n. 283 do STJ: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura” (grifei).

Com relação aos contratos e demais relações jurídicas firmadas por estes entes que sofram incidência da legislação consumerista, não pairam dúvidas que sua responsabilidade será objetiva, com base no art. 14 da Lei 8.078/90:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

A tese de responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do Código Civil) pelo fato do serviço está fundada na Teoria do Risco do Empreendimento, em razão do perigo trazido pela atuação no mercado financeiro.

De acordo com a lição de Sergio Cavalieri Filho, “(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Esse dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas (...)” (Programa de Responsabilidade Civil, 7ª Ed., São Paulo: Editora Atlas S/A, 2007, p 162).

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o nexo causal, enunciadas no §3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Superada essa questão, passo à análise do caso concreto.

COBRANÇA INDEVIDA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE DANO MORAL E MATERIAL.

Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais e materiais, na qual a parte autora narrou que, em 29/05/2017, perdeu sua carteira, contendo certa quantia em dinheiro, documentos de identificação e cartões de bancos e lojas. Disse que, tão logo percebeu o ocorrido, registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil. Afirmou que, no mesmo dia, foram realizadas compras com os cartões de crédito da requerente, em três estabelecimentos diferentes: Magazine Luiza, Lojas Quero-Quero e a empresa ora demandada. Afirmou que tentou resolver a questão extrajudicialmente, sem sucesso, tendo, então, contratado empréstimo bancário para pagar a dívida e retirar seu nome dos cadastros restritivos de crédito. Requereu a procedência da ação, com a condenação da ré ao pagamento dos danos materiais, de R$ 3.209,04, e danos morais em valor não inferior a 10 salários-mínimos.

A parte ré, por sua vez, arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, apresentou sua versão para os fatos, impugnando as alegações e pretensões da parte autora e requerendo a improcedência da ação.

Sobreveio sentença de improcedência, motivo pelo qual se insurge o autor.

Pois bem, tenho que não cabe a reforma da sentença. Vejamos.

Com efeito, eventuais aborrecimentos e transtornos decorrentes da vida em sociedade não devem ser considerados como fontes de danos morais, ao menos de forma presumida.

Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed., 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros Editores Ltda., 2004, p 98, complementa:

“(...) dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que conseqüências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos."

Portanto, o descumprimento contratual, para ensejar reparação pecuniária por dano moral, pressupõe a existência de efetiva violação da dignidade da pessoa humana.

Aliás, conforme jurisprudência do STJ, a cobrança indevida não gera dano moral in re ipsa, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTÃO DE...

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