Acórdão nº 50057080720218210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50057080720218210015
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001754909
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005708-07.2021.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: GASTAO FRANCISCO KLEIN (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por GASTAO FRANCISCO KLEIN em face da sentença de improcedência, proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de antecipação de tutela que move contra BANCO BMG S.A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

GASTAO FRANCISCO KLEIN ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela em desfavor de BANCO BMG S.A, ambas as partes qualificadas na inicial do evento 1, DOC1. Contou ser aposentado junto ao INSS e, nessa condição, buscou, em abril de 2018, a parte requerida para obtenção de empréstimo consignado em seu benefício previdenciário. No entanto, disse que a instituição financeira realizou operação diversa do pretendido, formalizando contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) registrado. Ressaltou que a instituição financeira, desde então, tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% sobre o valor do seu benefício previdenciário. Falou sobre a modalidade da contratação. Referiu não ter recebido e nem utilizado o cartão de crédito, bem como não haver previsão de término para o pagamento das parcelas. Contou que os descontos mensalmente efetuados em sua conta não abatem o saldo devedor, considerando que o desconto mínimo cobre apenas os juros e encargos mensais do suposto cartão de crédito. Teceu considerações acerca do direito aplicável ao caso em comento. Pediu, liminarmente, que a ré se abstivesse de reservar margem consignável (RMC) e empréstimo sobre a RMC em seu benefício previdenciário, em relação ao contrato em discussão, com o respectivo cancelamento dos descontos. Requereu a inversão do ônus da prova. No mérito, postulou a procedência dos pedidos, com a confirmação da tutela antecipada e a readequação/conversão do "empréstimo" via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, utilizando os valores já adimplidos para amortizar o saldo devedor, desprezando-se o saldo devedor atual, sem o acréscimo de juros e encargos. Requereu, ainda, a repetição em dobro dos valores pagos a maior acrescidos de correção monetária e juros de mora e a determinação para que o banco réu exiba integralmente todos os documentos que originaram a suposta legalidade dos descontos diretamente do benefício previdenciário do autor, incluindo a cópia do contrato de empréstimo que comprove a contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito, bem como todas as faturas emitidas no período. Requereu a concessão do benefício da gratuidade da justiça e a tramitação preferencial. Concedida a gratuidade da justiça e indeferida a tutela provisória, foi ordenada a citação (evento 3, DOC1). O banco réu apresentou contestação no evento 9, DOC1. Preliminarmente, aduziu a ocorrência de conduta temerária pelo advogado patrocinador dos interesses da parte autora, a falta de interesse de agir. Alegou ausência de vício de consentimento. Narrou que a demandante firmou contrato de cartão de crédito consignado em 28/03/2018, sob nº 51587667, plástico nº 5259.xxxx.xxxx.3307, que originou a averbação da reserva de margem consignável de nº 13753818. Afirmou que a parte demandante assinou “Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em folha de Pagamento”, no qual consta, de forma expressa, a contratação de cartão de crédito consignado. Referiu que a avença foi devidamente assinada, tendo a parte demandante ampla ciência dos termos contratuais. Contou que a parte demandante realizou um saque autorizado junto à adesão do contrato, com repasse do valor de R$ 2.000,00 em 03/04/2018. Apontou que, além do saque, a parte demandante efetuou diversas compras no crédito. Falou sobre o ônus da prova da parte autora, sobre a diferença entre cartão de crédito consignado, cartão de crédito convencional e empréstimo consignado, bem como sobre a inexistência de danos morais e o descabimento da repetição de indébito. Pediu, assim, o acolhimento das preliminares e condenação do advogado por litigância de má-fé, bem como a expedição de ofícios à OAB/RS, ao Ministério Público e à Autoridade Policial competente, para que apure os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica. No mérito, requereu a improcedência da lide. Subsidiariamente, em caso de procedência da lide, pugnou a devolução dos créditos recebidos pela parte autora ou a compensação com o valor da condenação. Trouxe documentos. Houve réplica (evento 15, DOC1). Intimadas as partes acerca do interesse na dilação probatória (evento 17, DOC1), a parte autora renunciou ao prazo (evento nº 21), enquanto a requerida postulou o prosseguimento do feito (evento 23, DOC1). O feito foi convertido em diligências para o fim de determinar a inversão do ônus da prova (evento 26, DOC1). Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório.

[...]

Diante do exposto, com base no artigo 487, inciso I, do CPC, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por GASTAO FRANCISCO KLEIN em face do BANCO BMG S.A. Condeno a parte autora, por consequência, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor dos procuradores do requerido, os quais vão fixados em R$ 700,00 (setecentos reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M, da FGV, desde a data da prolação desta sentença, em atenção aos parâmetros elencados no art. 82, §2º e art. 85, § 2º, ambos do CPC. Suspendo, entretanto, a exigibilidade de tais encargos, uma vez que litiga sob o pálio da justiça gratuita.

Em suas razões (evento 39, APELAÇÃO1), o apelante defende a necessidade de reforma da sentença. Refere, em síntese, estar suficientemente comprovada a abusividade da pactuação consubstanciada no fato de que a instituição financeira obriga o pagamento mínimo da fatura, mediante desconto em folha diretamente em seu benefício previdenciário, exige juros elevados e, ao invés de realizar a operação de empréstimo pessoal solicitada, disponibilizou, a seu favor, um cartão de crédito que jamais foi utilizado. Tece considerações sobre a negociação em discussão, colaciona precedentes e, ao final, postula pelo integral acolhimento de sua insurgência a fim de que reste determinada a conversão do ajuste para empréstimo consignado, com a amortização dos valores já descontados sobre o saldo devedor, e a repetição em dobro daquilo que foi pago a maior. Pugna, ainda, pela inversão do ônus sucumbencial com a fixação dos honorários advocatícios em, no mínimo, R$ 3.000,00 (três mil reais) ou 20% sobre o valor atualizado da causa.

Apresentadas contrarrazões (evento 42, CONTRAZAP1), o processo foi concluso a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Consoante se verifica da petição inicial dos autos de origem, a parte autora se insurge quanto ao desconto de valores a título de "RMC" em seu benefício previdenciário. Afirma que ao procurar a instituição financeira ré com o intuito de contratar um empréstimo consignado em folha de pagamento, restou induzida à adesão, em verdade, a serviço de cartão de crédito. Outrossim, jamais teve a intenção de obter qualquer cartão, tampouco fora informada de que essa seria a modalidade de operação que estava lhe sendo vendida. A efetiva existência dos descontos impugnados, por sua vez, é fato incontroverso nos autos, tendo sido admitida pelo banco réu em sua defesa (evento 9, CONT1). Porém, a instituição financeira defende que o contrato foi realizado de forma livre e espontânea afirmando, ademais, que a cobrança em discussão decorre de adesão expressa ao serviço de cartão de crédito.

A questão controvertida diz respeito, em suma, ao reconhecimento da existência, ou não, de vício de vontade e falha no dever de informação quando da contratação, pela parte aderente, de cartão de crédito com margem consignável. Nesse contexto, e sem que se olvide a argumentação deduzida pelo banco demandado, a existência de termo de adesão a cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha devidamente firmado (evento 9, CONTR3), tenho por comprovada a ocorrência de vício de consentimento e violação aos direitos básicos da consumidora hipossuficiente, hábeis a embasar a reforma da sentença de improcedência do pedido inicial.

Digo isso, pois, a análise das faturas trazidas aos autos confere verossimilhança à alegação da parte autora no sentido de que sua intenção sempre fora a contração de um empréstimo consignado em folha de pagamento e não de um cartão de crédito. De referidos documentos (evento 9, FATURA4) claramente se percebe que, para além do saque fracionado do limite total de crédito disponibilizado ao consumidor e de algumas compras, não foram realizadas movimentações durante quase todo o ano de 2019 e 2020. Havendo, portanto, plausibilidade na tese inicial de que o apelante realmente desconhecia a contratação de um cartão de crédito.

Por outro lado, tenho por relevante ressaltar que nada veio aos autos que pudesse atestar a efetiva observância, pelo banco réu, do dever de informação, previsto pelo artigo 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, quando da contratação ocorrida em 28/03/2018. Inexistindo, portanto, como se afirmar que, anteriormente à assinatura do pacto, foram, adequada e suficientemente, informadas ao aderente todas as condições da negociação e viabilizada, por consequência, sua livre e orientada manifestação de vontade, requisito de validade...

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