Acórdão nº 50057179420208210017 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50057179420208210017
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002178528
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005717-94.2020.8.21.0017/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: PAULO RAUBER (AUTOR)

APELADO: BANCO DIGIMAIS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por PAULO RAUBER contra sentença (evento 44) que julgou improcedentes os pedidos da ação revisional que move em face de BANCO DIGIMAIS S.A.

Em seu apelo (evento 50) a parte autora alegou que há abusividade no percentual previsto aos juros remuneratórios. Asseverou ser descabida a capitalização. Insurgiu-se contra a cobrança da comissão de permanência. Afirmou ser indevida a cobrança de taxas/tarifas bancárias, no caso, TAC e TEC, bem como de honorários extrajudiciais. Arguiu a caracterização do seguro prestamista como venda casada. Defendeu a compensação/repetição dos valores pagos a maior no negócio. Aduziu estar fragilizada a mora, autorizando-se o deferimento das tutelas antecipadas de manutenção da posse e abstenção da inscrição do seu nome nos arquivistas. Postulou o provimento do apelo.

O banco ré apresentou contrarrazões ao evento 55.

Subiram os autos à Corte.

Vieram conclusos.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o presente recurso.

DO CONTRATO

Cuida-se da Cédula de Crédito Bancário n.00090000752392, garantida por cláusula de alienação fiduciária, firmada pelas partes em 15 de março de 2019 (CONTRA3/CONTRA4- evento 22) aditada em 16 de junho de 2020 (doc.26- evento 22).

JUROS REMUNERATÓRIOS

Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.

A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.

Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.

Assim aquilatadas as diretrizes supra, entendo que no caso dos autos são regulares os juros remuneratórios pactuados (28,93% ao ano - CONTRA3- evento 22), porquanto não ultrapassam o dobro da taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN para a data da contratação (21,38%a.a.1, em março/2019), critério esse que vem sendo amplamente aceito pelo STJ.

No que se refere ao aditivo celular, o percentual dos juros (19,56% ao ano- doc.26- evento 22) também é regular pois não ultrapassa o dobro do previsto para a data da contratação (18,99%a.a. - junho/2020)

CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS

Quanto a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, o RESp 973.827/RS fixou tese, com os efeitos do artigo 543-C do antigo CPC, admitindo-a, respeitados os seguintes requisitos:

a) pactuação expressa entre as partes envolvidas no negócio jurídico;

b) celebração do contrato após a edição da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.03.2000, reeditada sob o nº 2.170-36, de 23.08.2001.

Nesse sentido, ainda, a jurisprudência que segue:

Acerca da taxa de juros capitalizados, a Segunda Seção adotou, para os efeitos do art. 543-C do CPC, o entendimento de que "A capitalização de juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ªSeção, REsp 973.827/RS, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012). No caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 2,80% e de taxa efetiva anual de 39,25% (fl. 146). Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual de juros remuneratórios, tal como convencionada.

Em face do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, a ele dou parcial provimento, para que sejam observados os juros remuneratórios nas taxas mensal e anual efetiva, como pactuados, excluído o IGP-M acrescido de ofício para a fase de adimplência. Os juros remuneratórios, no período da inadimplência, serão calculados conforme o enunciado 296 da Súmula do STJ. Diante da sucumbência recíproca, na forma do art. 21, caput, do CPC, arcarão as partes com os honorários de seus advogados. RECURSO ESPECIAL Nº 1.220.512 - RS (2010/0207169-7). Rel. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI. DATA DA PUBLICAÇÃO: 02/04/2013 (negritei)

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n.º539 do egrégio STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”.

Dessa forma, considerando-se que o contrato prevê expressamente a capitalização (cláusulas n.s 3.7 e 3.8, item III Características da Cédula) e foi celebrado em data posterior à vigência da referida MP, permite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, não havendo ilegalidade a corrigir.

CARACTERIZAÇÃO DA MORA

A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:

I. Afasta a caracterização da mora:

(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.

II. Não afasta a caracterização da mora:

(i) o simples ajuizamento de ação revisional;

(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.

Ainda, mais recentemente, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.

Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.

COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS

No julgamento do REsp. 1.058.114-RS, nos moldes do art. 543-C do antigo CPC, foi amplamente debatido o tema acerca da comissão de permanência, sua natureza e seus limites. Definiu-se que a comissão de permanência possui natureza tríplice, ou seja, compõe-se de índice de remuneração de capital (juros remuneratórios), de encargos que penalizam o financiado inadimplente (juros de mora e multa) e de índice de correção da moeda (correção monetária). Assim manifestou-se o egrégio Superior Tribunal de Justiça no REsp n.º 1.058.114/RS, julgado pelo procedimento dos ritos repetitivos, conforme transcrição que segue:

“[...] Da jurisprudência pacificada é possível afirmar que a natureza da cláusula de comissão de permanência é tríplice: índice de remuneração do capital (juros remuneratórios), atualização da moeda (correção monetária) e compensação pelo inadimplemento (encargos de mora). Assim, o entendimento que impede a cobrança cumulativa da comissão com os demais encargos tem, como valor primordial, a proibição do ‘bis in idem’.[...]”

Ainda, ficaram definidos pelo STJ os limites da cobrança da comissão de permanência ao estabelecer que a referida importância não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC.

Nesse seguimento, o Tribunal Superior confirmou seu posicionamento com a edição da Súmula 472 do STJ com o seguinte enunciado:

“A cobrança da comissão e permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual”.

No caso dos autos, a cláusula que prevê os encargos moratórios refere expressamente a cobrança da comissão de permanência, a qual corresponde aos juros remuneratórios previstos no contrato, dos juros moratórios de 1%a.m e da multa contratual em 2%. Assim, pela redação da cláusula em questão (cláusula n.º 03, CONTRA3- evento 22), percebe-se claramente que a comissão de permanência, neste caso específico, está absolutamente de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo egrégio STJ.

Assim, no presente feito, como não ocorre o bis in idem alertado pelo egrégio STJ no julgamento do Resp.n.º 1.058.114-RS, a comissão de permanência deve ser mantida na forma pactuada.

TAC E TEC

No caso dos autos, não há previsão expressa de cobrança de tarifa de abertura de crédito, tarifa de emissão de carnê ou quaisquer outras tarifas vinculadas a...

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