Acórdão nº 50057216020178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 02-09-2022

Data de Julgamento02 Setembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50057216020178210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002053597
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005721-60.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador NEY WIEDEMANN NETO

APELANTE: LUIZ TADEU DOS SANTOS ALANO (AUTOR)

APELADO: SABEMI SEGURADORA S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, que passo a transcrever:

LUIZ TADEU DOS SANTOS ALANO ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E POR DANOS MORAIS contra SABEMI SEGURADORA S.A., qualificado e identificada na petição inicial, respectivamente, narrando o autor que, em janeiro de 2017, tomou ciência de que havia sido efetuado desconto em sua conta corrente, no valor de R$34,00, referente a seguro, o qual afirma não ter contratado. Disse, ainda, que buscou a requerida a fim de solucionar o problema, e que, no entanto, não obteve êxito. Requereu a procedência da ação, condenando-se a requerida a restituir o valor pago, bem como os danos morais experimentados, no valor de R$50.000,00. Pleiteou o benefício da gratuidade da Justiça, a tramitação preferencial e a inversão do ônus da prova. Acostou documentos, fls.12/26. Pela decisão de fl.27, com o recebimento da petição inicial, foi deferida a tramitação preferencial, bem como foi deferido benefício da gratuidade da Justiça ao autor, invertido o ônus da prova e determinada a citação da requerida, fl.43. Citada, a requerida apresentou contestação, fls.45/52, sustentando que o autor efetivamente contratou os serviços da seguradora. Afirmou inexistir abalo moral que dê azo ao pagamento de indenização dessa natureza, tampouco de cunho material, uma vez que as cobranças se configuram como exercício regular de um direito, fundado no contrato celebrado entre as partes. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos, fls.53/74. Réplica à contestação, fls.76/78. Instadas as partes a especificarem as provas pretendidas, fl.79, o autor postulou pela realização de perícia grafotécnica, fls.81/82, e a requerida pelo julgamento antecipado da lide, fl.83. Foi indeferida a produção de prova pericial, fl.93. Sobreveio aos autos do processo sentença julgando improcedentes os pedidos, fls.95/97. O autor interpôs recurso de apelação, fls.99/106, ao qual a requerida apresentou contrarrazões, fls.108/110. Sobreveio decisão à apelação, fls.114/117, desconstituindo a sentença proferida e determinando a realização de perícia grafotécnica. A requerida postulou pelo desentranhamento de documentos, fl.126, restando prejudicada, portanto, a realização da prova pericial, fl.131. Vieram os autos do processo conclusos para sentença. É O RELATÓRIO.

A sentença apresentou o seguinte dispositivo:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DE INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E POR DANOS MORAIS propostos pelo autor LUIZ TADEU DOS SANTOS ALANO contra requerida SABEMI SEGURADORA S.A., a fim de: a) Condenar a requerida a restituir ao autor o valor de R$34,00 (trinta e quatro reais), a título de danos materiais, descontado indevidamente de sua conta corrente, atualizado monetariamente pelo IGPM e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar da data do desconto; e b) Indeferir o pedido do autor de indenização por dano moral. Por fim, pelo princípio da sucumbência recíproca, arcará o autor com o pagamento de 70% das custas processuais, enquanto que a requerida com 30%. Os honorários advocatícios são fixados em R$1.000,00 (um mil reais) aos procuradores da requerida e em R$400,00 (quatrocentos reais) aos procuradores do autor, valores a serem corrigidos pelo IGP-M, a partir da publicação da sentença até a data de seu efetivo pagamento e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado da sentença, por apreciação equitativa, na forma do artigo 85, §§2.º, 8.º e 16, do CPC, sendo vedada a compensação, restando a exigibilidade suspensa em relação ao autor, pois beneficiário da gratuidade da Justiça, conforme decisão de fl.43.

O autor apelou, insurgindo-se contra o não acolhimento do pleito de indenização por dano moral, que estaria devidamente caracterizado diante da contratação indevida de contrato de seguro oriunda de ato ilícito praticado pela ré. Atacou os ônus sucumbenciais e requereu a reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões.

Incumbe ao magistrado velar pela duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República e art. 139, II, do Código de Processo Civil/2015). Por isso, os processos são julgados por este relator por ordem cronológica de distribuição, salvo as exceções legais.

Registro, por fim, que tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos para observância dos ditames dos arts. 931 e 934, do Código de Processo Civil/2015 foram simplificados, mas observados na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Estou em negar provimento ao apelo.

No caso em tela, o autor ajuizou a presente demanda alegando que jamais contratou com a ré e que sofreu desconto em sua conta bancária, de forma indevida. Postulou a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral e material. A parte ré, em sua tese defensiva, defendeu a legalidade da contratação e inocorrência do dano moral indenizável. O pedido foi julgado parcialmente procedente, decorrendo recurso do autor apenas no que diz com o dano moral, que passo a examinar.

Passando ao exame do pedido de indenização por danos morais, entendo que não merece reforma a sentença. Comungo do entendimento de que a simples cobrança indevida da dívida não enseja o dano moral. Se, no entanto, for provada alguma outra situação que, juntamente com a cobrança indevida, trouxe incômodo ao postulante, como, por exemplo, a inscrição em cadastro de inadimplentes, ou a exposição a algum constrangimento em virtude da cobrança da dívida, restará configurado o dano moral.

De fato, foi reconhecida em sentença a cobrança indevida perpetrada pela seguradora ré. Contudo, não há nos autos a devida comprovação de que o autor tenha sofrido danos à sua esfera pessoal em decorrência do desconto realizado pela parte ré em sua conta bancária. Como bem referido em sentença, “ainda que demonstrada a falha na prestação do serviço da seguradora requerida, ao descontar valor da conta corrente do autor referente a contrato não firmado, tal fato, por si só, não enseja a indenização pretendida, mesmo porque sequer houve a negativação do nome do autor, tampouco restou demonstrado que este tenha ficado com saldo bancário negativo diante do desconto”.

A cada dia que passa, tenho observado que mais e mais ações são ajuizadas perante o Poder Judiciário gaúcho tendo por alicerce a responsabilidade civil, sendo que a maioria delas envolve pedidos de reparação por danos morais. Contudo, apesar da facilitação do acesso ao Judiciário pelo povo brasileiro ser uma conquista social de extrema relevância, um fenômeno vem sendo observado pela Jurisprudência e pela doutrina. A banalização do instituto do dano moral, intitulada de “indústria do dano moral”, é caracterizada pela propositura de demandas fundadas em meros aborrecimentos e percalços do cotidiano.

Como operador do direito não posso ignorar o referido fenômeno, devendo observar com cautela cada demanda e ponderar a gravidade do dano sustentado pela parte postulante. Sergio Cavalieri Filho1, em Programa de responsabilidade civil, em seu posicionamento sobre o que se configura o dano moral, faz o seguinte ensinamento:

“O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.

Este é um dos domínios onde mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do bom-senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade.

“A gravidade do dano – pondera Antunes Varela – há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Das obrigações em geral, 8ª Ed., Almedina, p. 617).

Dissemos linhas atrás que dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta configurá-lo para qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais...

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