Acórdão nº 50057369320218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50057369320218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001508500
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5005736-93.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

EMBARGANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos por BANCO BMG S/A, em face do acórdão proferido por esta Câmara que ao julgar o recurso de apelação interposto por HELENICE DE FATIMA LOPES, o proveu e modificou a sentença proferida nos autos da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com margem consignável, nos seguinte termos:

"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO COMPROVADOS. ERRO SUBSTANCIAL. READEQUAÇÃO DO CONTRATO. SENTENÇA MODIFICADA.

APLICABILIDADE DO CDC. UMA VEZ QUE O CASO TRATA DE TÍPICA RELAÇÃO DE CONSUMO, O COMPORTAMENTO DO BANCO REQUERIDO DEVE RESPEITO AOS AXIOMAS E PREMISSAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O RACIOCÍNIO QUE SE DEVE DESENVOLVER, PORTANTO, NÃO É PURAMENTE CIVILISTA - COM BASE DA LIBERDADE CONTRATUAL CONFERIDA PELO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA-, MAS SIM DE PROTEÇÃO AO CORRENTISTA COMO CONSUMIDOR DOS SERVIÇOS QUE É. ERRO SUBSTANCIAL. COMPROVAÇÃO. AUTOR QUE POSSUÍA COMO INTUITO ÚNICO A CONTRATAÇÃO DE UM REGULAR EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, O QUE DIFERE DO QUE FOI FORMALIZADO PELA RÉ. ART. 51, §2º, DO CDC. NULIDADE DA CLÁUSULA QUE NÃO ANULA O NEGÓCIO. CASO. DIANTE DA ILEGALIDADE NA FORMA DE COBRANÇA DO DÉBITO, É DE RIGOR A ANULAÇÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A COBRANÇA DAS PARCELAS DO EMPRÉSTIMO VIA DESCONTOS A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, DEVENDO SER CANCELADOS TAIS DESCONTOS. CONSEQUENTEMENTE, É DE SER CONVERTIDO O “CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO” PARA “EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO”.

DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME."

Em suas razões recursais (evento 15), asseverou que o acórdão foi omisso, na media que deixou de analisar as faturas acostadas ao evento 8 – FATURA4 e FATURA5, as quais comprovam que a embargada, ora autora da ação principal e apelante, fez uso do cartão de crédito. Por tal razão, pugnou pelo acolhimento dos embargos de declaração, com a aplicação de efeito infringente, a fim de que seja negado provimento ao recurso de apelação e mantida a sentença prolatada.

Recebido o recurso (evento 17) e intimada a embargada para contrarrazões (evento 19), estas aportaram aos autos no evento 21.

Após, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Ao analisar detidamente os autos, tenho que merece acolhimento os embargos declaratórios.

A fim de elucidar a questão, relembro que se trata de ação declaratória com repetição de indébito, em que a autora alega, em síntese, a inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito (Reserva de Margem Consignável – RMC), tendo havido vício de consentimento, requerendo, ao final, decretação de nulidade do contrato referente aos descontos a título de RMC.

De outro lado, defendeu-se a parte ré, alegando o afastamento da nulidade da contratação e das cobranças de RMC, sob a alegação de que houve expressa anuência em relação ao cartão de crédito consignado, tendo o banco demandado de pronto disponibilizado quantia líquida à parte autora.

A sentença julgou improcedente a ação, vindo a demandante através do recurso de apelação se insurgir contra a decisão prolatada, postulando pelo julgamento de procedência da lide.

Inicialmente o recurso de apelação foi provido, pois por equivoco não foram analisados os documentos constantes do evento 8 - FATURA4 e FATURA5.

Nesta toada, a parte apelada opôs os presentes embargos de declaração, afirmando que o acórdão foi omisso, o que lhe assiste razão.

Sendo assim, passo a reanalise do apelo interposto, agora sob a ótica da omissão apontada.

Cumpre salientar que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e, subsidiariamente, dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. e da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirma que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios, que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, os concretizando através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo como elemento básico e não se confunde com a hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade, nesse sentido:“É um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem. ”

O consumidor, considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos), é o vulnerável desta relação jurídica, a parte mais fraca e quem, na maioria das vezes, sofre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns e, diria, indispensáveis para a vida na moderna sociedade de consumo.

Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais não apenas para o crescimento da economia, mas para que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Mais que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.

Sendo que...

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