Acórdão nº 50057448020208210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50057448020208210016
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001969427
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005744-80.2020.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: DIRCEU DA SILVA CIECHOWICZ (AUTOR)

APELADO: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por DIRCEU DA SILVA CIECHOWICZ em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação de restituição de valores com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra BANCO OLE CONSIGNADO S.A (Evento 88), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado por DIRCEU DA SILVA CIECHOWICZ em face de BANCO OLE CONSIGNADO S.A.., na forma do artigo 487, I, CPC. Sucumbente, arcará a parte autora com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais passo a fixar em 10% do valor da causa, tendo em vista complexidade do feito e o tempo de tramitação processual, na forma do artigo 85 § 2º, do CPC. Resta suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais da parte autora, tendo em vista litigiar sob amparo da Justiça Gratuita. Havendo interposição de apelação pelas partes, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões e após, remetam-se os autos aoTribunal de Justiça, na forma prevista o art. 1.010 do Novo CPC. Caso a parte apelada venha alegar preliminar ao recurso de apelação prevista no § 2º do art. 1.009 do Novo CPC, proceda-se vista à parte contrária/apelante no prazo de 15 dias, com posterior remessa do recurso ao Tribunal de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em razões recursais, sustenta o apelante ter contratado apenas empréstimo consignado, alegando jamais ter autorizado ou solicitado cartão de crédito. Discorre sobre os termos contratuais. Assevera que não há definição do termo final dos descontos, o que pondera transformar a dívida em um débito impagável, em desacordo ao disposto no art. 51, IV, do CPC. Colaciona julgado em abono a sua pretensão. Preconiza a nulidade da contratação. Ressalta que seu único interesse era um empréstimo pessoal consignado. Alude a existência de falha na prestação de serviços da parte ré, ao argumento de que esta deixou de observar o dever de informação estabelecido na legislação consumerista. Refere não lhe terem sido repassadas todas as informações necessárias, motivo pelo qual aduz ter acreditado que havia contratado empréstimo consignado. Explana ser possível o aproveitamento do contrato como empréstimo consignado. Postula a repetição em dobro dos valores indevidamente descontados do seu benefício previdenciário. Requer seja provido o presente recurso, a fim de serem julgados totalmente procedentes os pedidos da inicial (Evento 94).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 97, nas quais postula a retificação do polo passivo para que nele seja incluído o BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A.

É o relatório.

VOTO

A apelação interposta no Evento 94 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença ocorreu em 14/12/2021 e o recurso foi interposto em 04/02/2021 (Evento 94). Além disso, o autor é beneficiário da gratuidade judiciária (Evento 3), sendo dispensado do preparo. Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO.

Acolhe-se a preliminar para determinar a retificação do polo passivo para passar a constar BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, ante a incorporação por tal instituição financeira do BANCO OLÉ CONSIGNADO S/A noticiada nos autos (Evento 8 - OUT1).

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°)2.

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º,§1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pelo autor do serviço de cartão de crédito consignado, acostando aos autos o “termo de adesão cartão de crédito Bonsucesso” (Evento 9 - CONTR3), bem como as faturas de tal plástico (Evento 80 - ANEXO2).

Da leitura do referido termo de adesão ao cartão de crédito consignado, afere-se que, quanto ao pagamento, foi estabelecido, no item D, que “O CLIENTE expressamente autoriza o Órgão ou Empresa Consignante, de forma irrevogável e irretratável, a realizar o desconto mensal em sua remuneração, em favor do BANCO, para constituição de reserva de margem consignável - RMC, bem como o desconto mensal na folha de pagamento do valor correspondente ao mínimo da fatura mensal do Cartão, até a liquidação do saldo devedor, conforme legislação vigente.”.

Ocorre que, muito embora tenha a parte ré comprovado a contratação do cartão de crédito consignado pelo autor (Evento 9 - CONTR3),...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT