Acórdão nº 50057512120208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50057512120208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003006689
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005751-21.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: UNIMED VALE DOS SINOS LTDA (RÉU)

APELADO: ANA CLARA FARIAS GARCIA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: ANA JAQUELINE FARIAS CHERON (Pais) (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MÉDICA LTDA contra a sentença (evento 114, SENT1) que, nos autos da ação de obrigação de fazer proposta por ANA CLARA FARIAS GARCIA, julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, com base no art. 487, inciso I, do CPC, julgo extinta a fase procedimental de conhecimento4, com resolução de mérito, e julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação ajuizada por ANA CLARA FARIAS GARCIA (representada, nos autos, pela genitora ANA JAQUELINE FARIAS CHERON) em face de UNIMED VALE DO SINOS SOC COOP DE TRABALHO MEDICO LTDA, aos efeitos de:

a) DETERMINAR que a ré disponibilize à parte autora o tratamento indicado, qual seja, fisioterapia por meio do método Therasuit, na quantidade necessária para o seu tratamento, confirmando a tutela de urgência deferida no Evento 10;

b) REDUZIR coparticipação do tratamento objeto do presente processo para 20%, confirmando o item "3" da decisão do Evento 56.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, assim como dos honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que são fixados em 10% do valor atualizado da causa (índice de correção pelo IGP-M), considerando o trabalho desenvolvido e a natureza da demanda, tudo nos termos dos art. 85, §2º, do CPC.

Em suas razões (evento 121, APELAÇÃO1), relata os fatos e alega ausência do dever de cobertura de tratamento fora do rol da ANS, conforme art. 10, §4º, da LPS, art. 4º, III, da Lei n. 9.961/00 e cláusula 1ª do contrato. Refere a inexistência de comprovação da efetividade da terapia (TheraSuit) recomendada pelo médico assistente. Pontua que a existência de cláusula excludente não ofende o princípio da boa-fé, legítima expectativa do contratante e função social do contrato (art. 51 do CC). Aduz que a exclusão das roupas especiais (materiais de uso externo e removíveis) também encontra guarida no art. 10, VII, da LPS. Conclui pela taxatividade do rol da ANS, conforme recentes decisões do STJ. Pondera que o percentual de coparticipação (40%) está previsto expressamente no contrato e não se revela abusivo. Defende a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico do contrato. Em caráter subsidiário, pugna pela fixação dos honorários advocatícios por equidade, pois o percentual aplicado perfaz R$7.560,00, irrazoável e desproporcional frente aos critérios estabelecidos no §2º do art. 85 do CPC. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Intimada, a parte apelada renunciou ao prazo para contrarrazões (evento 125).

O Ministério Público opina pelo parcial provimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O apelo é adequado, tempestivo e está acompanhado do comprovante de pagamento do preparo (evento 121, OUT2). Sendo assim, passo ao enfrentamento.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

ANA CLARA FARIAS GARCIA, menor impúbere, representada por sua genitora ANA JAQUELINE FARIAS CHERON, ajuizou ação de obrigação de fazer em face de UNIMED VALE DO SINOS SOC COOP DE TRABALHO MEDICO LTDA, todas qualificadas nos autos. Narrou que é segurada da demandada e que, conforme laudos médicos juntados aos autos, é portadora de Paralisia Cerebral (Cid10 G80.0), Epilepsia não especificada (Cid10 G40.9) e Síndrome de Dandy-Walker (Cid10 Q23.8), além de não caminhar, necessitando de tratamento fisioterapêutico por meio do método Therasuit, pois os métodos convencionais não estão satisfazendo as suas necessidades. Disse que pleiteou o tratamento para a demandada, porém seu pedido foi indeferido, ao argumento de que o plano de saúde contratado não abarca o referido tratamento, pois não consta no Rol da ANS. Apontou que não possui condições financeiras para custear o referido tratamento. Citou jurisprudência. Requereu, em tutela de urgência, o fornecimento do tratamento e, ao final, a confirmação da medida e a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais. Vindicou a gratuidade da justiça, concedida no Evento 10. Juntou documentos.

Determinada a emenda à inicial no evento 3, a parte autora peticionou no evento 8.

A decisão do evento 10 recebeu a emenda e deferiu o pleito liminar.

Expedida carta precatória (evento 20), a demandada foi citada e intimada (evento 24).

No evento 27, a ré opôs embargos de declaração em face da decisão do evento 10, os quais foram rejeitados no evento 31.

A demandada informou o cumprimento da tutela de urgência (evento 42).

A ré ofereceu contestação, impugnando, em preliminar, o valor da causa, pois a obrigação de fazer objeto da lide possui valor inestimável. No mérito, sustentou que nunca recebeu solicitação, da autora, para realização de fisioterapia pelo método convencional e que inexiste registro de que a menor tenha realizado o referido tratamento convencional pela cobertura do plano de saúde. Disse que a fisioterapia pelo método therasuit não se encontra no rol da ANS de procedimentos especiais com cobertura obrigatória e que o referido tratamento é de modalidade experimental. Informou que inexiste comprovação da eficácia da fisioterapia citada e da ineficácia de outros métodos terapêuticos. Referiu que o contrato firmado pela autora está de acordo com a Lei Federal nº 9.656/98 e que inexiste ilegalidade na conduta da ré. Argumentou que o rol de procedimentos da ANS é taxativo. Citou jurisprudência. Requereu o acolhimento da preliminar e a improcedência da ação. Juntou documentos.

As partes peticionaram nos eventos 45, 46 e 53.

A decisão do evento 56 desacolheu a impugnação ao valor da causa e determinou a aplicação do CDC, com a inversão do ônus probatório. Além disso, em atenção ao pleito formulado pela autora no evento 46, houve redução da coparticipação e indeferimento do pedido de realização do tratamento na cidade de São Leopoldo.

Irresignada, a ré interpôs agravo de instrumento (evento 74), o qual não foi provido (evento 92).

Houve audiência de conciliação, a qual restou inexitosa (evento 78).

As partes não requereram a produção de provas.

O Ministério Público, intimado, manifestou-se nos eventos 100 e 111, sendo que, na última manifestação, opinou pela procedência dos pedidos da autora.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

Sobreveio sentença de procedência, razão da interposição do presente recurso pela ré.

A controvérsia recursal versa sobre o dever de cobertura para tratamento fisioterapia pelo método Therasuit, cobrança de coparticipação e valor dos honorários advocatícios.

De plano, observo que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Aliás, este é o entendimento da Súmula 608 do STJ1.

Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor.

É pacífico o entendimento deste Colegiado no sentido de que o plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento quando coberta pelo contrato a patologia diagnosticada no beneficiário do plano.

Não há controvérsia acerca da existência do plano e sua vigência, do diagnóstico de paralisia cerebral (Cid10 G80.0), epilepsia não especificada (Cid10 G40.9) e síndrome de Dandy-Walker (Cid10 Q23.8), bem como da indicação de tratamento fisioterapêutico pelo método Therasuit.

Contudo, há divergência quanto ao dever de cobertura do referido tratamento, em razão da ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS.

Pois bem. Entendo que o tratamento indicado pelas especialistas que acompanham a criança é o mais indicado para suprir suas necessidades, sob pena de ocorrência de graves e irreversíveis danos à saúde do paciente caso o tratamento não seja custeado (evento 1, LAUDO10 e evento 1, LAUDO13). Neste último documento consta expressamente que o tratamento fisioterápico convencional não tem sido eficaz na melhora do tônus muscular, razão da necessidade do método Therasuit.

Nessa linha, aliás, a recente orientação da ANS (RN 539/2022), que incluiu o §4º no art. 6º da RN 465/2021, a seguir transcrito:

Art. 6º Os procedimentos e eventos listados nesta Resolução Normativa e em seus Anexos poderão ser executados por qualquer profissional de saúde habilitado para a sua realização, conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais, respeitados os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer outro tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde.

[...]

§ 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.

Ainda, segundo consta no site da agência reguladora1, a obrigatoriedade de atendimento a pessoas com paralisia cerebral e cobertura do método recomendado pela equipe de profissionais responsáveis pelo atendimento do paciente:

[...]...

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