Acórdão nº 50057963120228210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50057963120228210073
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002550281
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005796-31.2022.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Tráfico de Drogas e Condutas Afins

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Roger. I. A., contra sentença proferida nos autos do processo de apuração de ato infracional, que julgou procedente a representação para aplicar a medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas pela prática do ato infracional análogo ao crime tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.

Em razões, a defesa pugna, preliminarmente, pela nulidade absoluta do feito ante a ausência de relatório de equipe interdisciplinar.

No mérito, requer a improcedência da representação, por entender não poder ser reconhecido como típico o comportamento de adolescente autor de ato infracional análogo a tráfico porque praticado sob as circunstâncias de exploração de trabalho infantil. Invoca a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho.

Subsidiariamente, requer a desclassificação da conduta e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, bem como o abrandamento da medida, com aplicação de medida socioeducativa menos rigorosa do que a internação, em meio aberto, e a fixação de seu prazo máximo de cumprimento.

Sobrevieram contrarrazões do Ministério Público, nas quais pugna pelo desprovimento do recurso.

Em parecer do evento 6, a Procuradora de Justiça, Dra. Ana Maria Moreira Marchesan, opinou pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Conheço os recursos, pois atendidos os requisitos legais de admissibilidade.

Preliminarmente, a defesa alega a nulidade do feito, à vista da ausência do laudo multidisciplinar.

Razão não lhe assiste.

Com efeito, a falta do laudo técnico não é causa de nulidade, conforme entendimento desta Corte, uma vez que se trata de expediente facultativo e auxiliar do juízo, nos termos do artigo 186 do ECA.

Nesse sentido é a conclusão nº 43 do Centro de Estudos do TJRS: "Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização". De qualquer modo, não verifico prejuízo ao adolescente ou necessidade inafastável de realização de relatório, que em nada alteraria o deslinde do feito.

Para corroborar:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. LEI 11.343/06. DROGAS. ART. 33, \"CAPUT\". TRÁFICO DE DROGAS. LAUDO MULTIDISCIPLINAR. O Relatório de Investigação Social de que trata o item 16.1 das Regras de Beijing que, no ECA, equivale ao parecer elaborado por equipe interprofissional, nos termos de seu art. 186, é facultativo. A ausência não enseja a nulidade do procedimento. Entendimento consolidado na Conclusão n.º 43 do Centro de Estudos desta Corte. Precedentes do IV Grupo Cível. Preliminar rejeitada. EXISTÊNCIA DO FATO E AUTORIA. O representado foi abordado por policiais militares que localizaram em seu poder 29 tijolinhos de cannabis sativa, pesando aproximadamente 22 gramas. Circunstâncias do fato que apontam para o tráfico, especialmente a quantidade da droga e o local da apreensão. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. Aplicada com moderação, liberdade assistida, pelo prazo mínimo de seis meses, e prestação de serviços à comunidade, por quatro meses, por quatro horas semanais. Afinal, trata-se apenas de maconha, e o tráfico foi reconhecido levando em conta, apenas, a quantidade da droga, sem flagrante de comercialização. PRELIMINAR REJEITADA. APELOS, DEFENSIVO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, IMPROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70068668292, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 14/12/2017) - grifei.

APELAÇÕES CÍVEIS. ECA. ATO INFRACIONAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE PARECER DA EQUIPE INTEROFISSIONAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CREDIBILIDADE DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS POR POLICIAIS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. ADEQUAÇÃO À ESPÉCIE. VEDAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES EXTERNAS. CABIMENTO, NO CASO. PREQUESTIONAMENTO. 1. A ausência do Relatório de Investigação Social de que trata o item 16.1 das Regras de Beijing que, no ECA, equivale ao parecer elaborado por equipe interprofissional, nos termos de seu art. 186, não enseja, por si só, a nulidade do procedimento, porquanto se trata de providência facultada ao juízo. Entendimento consolidado na Conclusão n.º 43 do Centro de Estudos desta Corte. (...) APELAÇÃO DO REPRESENTADO DESPROVIDA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDA, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 70084946920, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 08-10-2021) - omiti e grifei.

No mérito, a defesa postula o reconhecimento da atipicidade da conduta do menor, pedido embasado na Convenção n. 182 da OIT.

Não merece prosperar a alegação de atipicidade do ato infracional equiparado ao crime de tráfico cometido por adolescente, sob o argumento de que o menor seria vítima de exploração do trabalho infantil.

Com efeito, a Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190 da OIT relativas à proibição das piores formas de trabalho infantil foram aprovadas pelo Decreto Legislativo nº 178/1999, ratificadas pelo Instrumento de Ratificação em 2 de fevereiro de 2000, e entraram em vigor em 2 de fevereiro de 2001, nos termos do seu art. 10, § 3º.

Por meio da incorporação dos referidos tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, o Estado assumiu o compromisso de adotar medidas imediatas e eficazes para assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, dentre as quais está a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes (artigos 1º e 3º da Convenção nº 182).

Note-se que o ato normativo em comento não proíbe aos membros signatários o estabelecimento e a aplicação de sanções penais ou outras sanções, de ordem civil ou administrativa, conforme dicção do art. 7º, item 1.

Neste sentido, é certo que, dentre as medidas adotadas pelo legislador pátrio para coibir a cooptação de crianças e adolescentes pelo tráfico, está a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc, VI, da Lei 11.343/06, que dispõe:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

(...)

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

Ademais, a Convenção estabelece, em seu art. 6º, que o país signatário deverá elaborar e implementar programas de ação para eliminar as piores formas de trabalho infantil. A Recomendação nº 190, ao tratar dos programas de ação sugeridos aos membros, dispõe:

I. PROGRAMAS DE AÇÃO

1. (...) Os objetivos de tais programas deveriam ser, entre outros:

b) impedir a ocupação de crianças nas piores formas de trabalho infantil ou retirá-las dessas formas de trabalho, protegê-las de represálias e garantir sua reabilitação e inserção social através de medidas que atendam às suas necessidades educacionais, físicas e psicólogas;

Desse modo, ao contrário do alegado, entendo que as medidas socioeducativas preconizadas pelo ECA cumprem o objetivo estabelecido pelas recomendações da OIT, pois as entidades de atendimento, ao executarem os programas de proteção e medidas socioeducativas, além de fornecerem suporte educacional, físico, psicológico e assistencial prestado por profissionais das respectivas áreas, acabam por acolher a criança ou adolescente em um ambiente que estimula a sua reabilitação e os prepara para a inserção social.

Em se tratando de crianças e adolescentes arregimentados pelo tráfico, a importância da aplicação das medidas socioeducativas se mostra, também, pela possibilidade de afastar os infantes da situação de vulnerabilidade em que se encontravam, oferecendo-lhes uma alternativa ao aliciamento pelo crime, prestada por uma rede de apoio especializada.

Subsidiariamente, requer a desclassificação da conduta, ou o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, bem como a aplicação de medida socioeducativa menos rigorosa do que a internação, em meio aberto, com a fixação de seu prazo máximo de cumprimento.

A prova produzida é segura no sentido que o representado cometeu o ato infracional equiparado ao crime de tráfico de drogas.

Com efeito, o adolescente foi abordado com 2,76 quilos de maconha, em conhecido ponto de tráfico. Além do mais, em relação à tese defensiva de que a droga pertenceria ao adolescente para consumo próprio, não me parece razoável tal alegação, pois a quantidade apreendida se mostra em desacordo com o suposto uso pessoal.

Assim, entendo que não merece provimento o apelo interposto pelo adolescente, seja para julgar improcedente a representação, seja para desclassificar o ato infracional para o análogo ao posse de entorpecentes, uma vez que plenamente caracterizado o ato infracional equiparado ao crime de tráfico de drogas. Portanto, correta a procedência da representação.

No que tange à confissão espontânea, deixo de reconhecê-la, uma vez que a atenuante prevista no art. 65, III, ‘d’, do Código Penal não se aplica aos procedimentos previstos no ECA.

Nesse sentido, colaciono jurisprudência desta Câmara:

ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. 1. ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO CABIMENTO. 2. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA APLICADA. LIBERDADE ASSISTIDA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA NÃO ENCONTRA ESPAÇO NO ÂMBITO INFRACIONAL, PORQUANTO O QUE SE PRETENDE, PRIORITARIAMENTE, É A REEDUCAÇÃO...

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