Acórdão nº 50058299120218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50058299120218212001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002982952
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005829-91.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Matrícula - Ausência de Pré-Requisito

RELATOR: Desembargador LEO ROMI PILAU JUNIOR

APELANTE: JEAN FILIPE DEBONI MOURA (AUTOR)

APELADO: SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO RITTER DOS REIS (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por JEAN FILIPE DEBONI MOURA hostilizando a sentença que julgou improcedente a demanda. Eis o teor do relatório e do dispositivo do provimento hostilizado (evento 25, SENT1, dos autos originários):

JEAN FILIPE DEBONI MOURA ajuizou a presente ação contra SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO RITTER DOS REIS, alegando, em síntese, que se matriculou na Instituição de Ensino requerida para realizar um curso de graduação, cujo contrato previa o pagamento das duas primeiras mensalidades no montante de R$ 49,00, cada, com as demais mensalidades fixadas em R$ 500,00. Referiu ter pago a primeira parcela, mas não recebeu o segundo boleto. Mencionou ter efetuado diversas tentativas a fim de conseguir efetuar o pagamento, sem sucesso. Asseverou que a ré alegou não ter mais aquela modalidade de financiamento contratada e bloqueou sua matrícula no curso, em razão de rescisão unilateral pelo não pagamento. Requereu a procedência da ação, para o fim de a) condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 14.000,00, referente aos meses seguintes de curso; b) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00; c) condenar a ré a devolver, em dobro, os valores pagos (R$ 98,00); d) determinar a reexecução das cadeiras, sem custo adicional; e e) determinar que a ré se abstenha de inscrever o seu nome junto aos órgãos de proteção ao crédito. Pediu a concessão da gratuidade da justiça. Juntou procuração e documentos.

Foi concedida a AJG (evento 4).

Citada, a requerida apresentou contestação (evento 7) alegando ter havido alteração no valor do desconto da modalidade contratada no meio do semestre letivo. Arguiu não ter havido rescisão unilateral do contrato e que o aluno não havia perdido a bolsa de estudos, seguindo ativo no Portal acadêmico. Asseverou a autonomia da universidade quanto à prestação de seus serviços educacionais e concessão de descontos. Rechaçou o pedido de indenização por danos morais e de repetição do indébito. Postulou a improcedência da ação. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 14).

Instados acerca da dilação probatória (evento 15), nada requereram.

Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relatório.

(...)

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos do autor.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do réu que vão fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Fica, contudo, suspensa a exigibilidade do pagamento de tais valores, por ser a parte autora beneficiária da AJG.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquive-se com baixa.

Em suas razões (evento 29, APELAÇÃO2, dos autos originários), aponta que "firmou contrato com a Requerida, de pagamento nas primeiras duas mensalidades, no montante de R$49,00(Quarenta e nove reais), ou seja, junho e agosto de 2021, tendo em vista que a Ré informou que julho estaria isento, e as demais parcelas restariam fixadas no valor de R$500,00 (quinhentos reais).". Refere que "efetuou o pagamento da matricula, mas não recebeu o boleto da segunda mensalidade (agosto), também de R$49,00". Diante desse contexto, complementa que tentou contatar a ré inúmeras vezes, inclusive via portal informatizado da faculdade, objetivando obter o boleto, sem êxito. Diz que foi surpreendido com a informação de que o contrato havia sido rescindido unilateralmente, e que, caso desejasse dar continuidade ao curso, deveria arcar com o pagamento de novos valores. Discorre sobre o reconhecimento de erro interno por parte da funcionária da instituição apelada, "e que por este motivo o autor teria perdido os descontos.". Aponta que não possui condições financeiras para suprir o aumento abusivo, não podendo arcar com os novos valores, de modo que "a Ré de forma incompreensiva bloqueou o portal do aluno, impedindo que o mesmo desse continuidade aos estudos e perdesse o semestre, causando prejuízo ao mesmo". Tece considerações sobre a ilicitude na conduta da apelada, concluindo que a rescisão unilateral do contrato ensejou danos morais passíveis de indenização, cujos juros devem incidir desde o evento danoso. Ao final, pleiteia o provimento, "sendo estipulada indenização por dano moral, que a empresa apelada abstenha-se de incluir o nome do autor junto aos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa diária a ser estipulada por este juízo, a devolução em dobro dos valores já pagos, a reexecução das cadeiras sem custo adicional, bem como a condenação da apelada ao pagamento das custas processuais e à verba honorária dos advogados do apelante, arbitrada em 20% do valor da condenação".

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (evento 33, CONTRAZAP1, dos autos originários).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisá-lo.

No caso dos autos, pretende a parte autora, ora apelante, a condenação da instituição de ensino requerida ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, para além da determinação de reexecução das cadeiras sem custo adicional e de abstenção de inscrição do seu nome em cadastros de restrição de crédito. Para tanto, fundamenta o recorrente que a ré descumpriu com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor quando da oferta dos serviços e posterior descumprimento quanto à modalidade de pagamento proposta, culminando na suposta rescisão unilateral do pacto e impossibilidade de acesso aos produtos contratados.

Pois bem.

Como ponto de partida, é importante salientar que, observando as peculiaridades que permeiam a relação jurídica existente entre as partes, deve a hipótese dos autos ser analisada sob a ótica dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, consoante disposição do artigo 3º, § 2º1, impondo-se, assim, a observância dos seus preceitos reguladores.

Em suma, a legislação especial sob comento existe em razão da necessidade de busca de equilíbrio entre as partes envolvidas, constatando-se, no tocante à posição da parte autora na celebração do contrato objeto dos autos, a característica da vulnerabilidade do consumidor. Vale suscitar posicionamento doutrinário sobre o princípio da vulnerabilidade:

Princípio da vulnerabilidade:

O direito do consumidor, conforme já enfatizamos, funda-se na vulnerabilidade do consumidor. Nas palavras de João Batista de Almeida, essa é a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre o que se assenta toda a filosofia do movimento. Reconhecendo-se a desigualdade existente , busca-se estabelecer uma desigualdade real entre as partes nas relações de consumo. Logo, o princípio da vulnerabilidade, expresso no art. 4º, I, do CDC, é também um princípio estruturante do seu sistema, na verdade o elemento informador da Política Nacional de Relações de Consumo. As normas do CDC estão sistematizados a partir dessa ideia básica de proteção de um determinado sujeito: o consumidor, por ser ele vulnerável. A vulnerabilidade, diz Antônio Herman Benjamim, é a peça fundamental do direito do consumidor, o ponto de partida de toda a sua aplicação.

Vulnerabilidade, para os léxicos, é a qualidade ou estado de vulnerável que, por sua vez, significa o que pode ser vulnerado, magoado, prejudicado, ofendido; o que é frágil, que por ser atacado ou ferido (Dicionário Aurélio Eletrônico- Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999).

Nas relações de consumo, o sujeito que ostenta as supramencionadas qualidades é, inequivocadamente, o consumidor, já que, não detendo os mecanismos de controle do processo produtivo (produção, distribuição, comercialização), e dele participando apenas em sua última etapa (consumo), pode ser ofendido, ferido, lesado, em sua integridade física, econômica, psicológica ou moral.

Em face do princípio em exame, a “vulnerabilidade é qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissolúvel de todos que se colocam na posição de consumidor, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica [...] É incindível do contexto das relações de consumo, não admitindo prova em contrário por não se tratar de mera presunção legal.” ( Thereza Arruda e James Martins Eduardo Alvim, Código do Consumidor comentado, 2. Ed., Revista dos Tribunais, 1995, p.45). Em suma vulnerabilidade é um estado da pessoa, uma situação permanente ou provisória que fragiliza o consumidor.

Vulnerabilidade e hipossuficiência não se confundem, embora digam respeito ao consumidor. Antônio Herman Benjamim traça com precisão a distinção entre elas na lição que segue: “A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade – mas nunca a todos os consumidores... A vulnerabilidade do consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio código, como por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova – art. 6º, VIII” (Código brasileiro de defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 8. Ed., Forense Universitária, p.371)

Perfeitamente válido, portanto, o exemplo oferecido por Fábio Nuscleo: “Nessas condições, um consumidor multimilionário, pode ser visto como vulnerável frente a uma pequena confeitaria,...

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