Acórdão nº 50058655120208210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50058655120208210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002648410
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005865-51.2020.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: NORBERTO FRANCISCO DE OLIVEIRA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Norberto Francisco de Oliveira (38 anos), dando-o por incurso nas sanções do art. 33 da Lei de Drogas, pela prática do seguinte fato delituoso:

"No dia 28 de maio de 2020, por volta das 16h, na Rua Guerreiro Lima, n.º 322, Bairro Paraíso, em Sapucaia do Sul/RS, o denunciado NORBERTO FRANCISCO DE OLIVEIRA guardava e trazia consigo, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, para traficância, 04 (quatro) porções de cocaína, pesando aproximadamente 749g (setecentas e quarenta e nove gramas) e 01 (um) torrão de cannabis sativa, vulgo maconha, pesando aproximadamente 27g (vinte a sete gramas), substâncias estas que causam dependência física e psíquica, de uso proscrito no Brasil (Portaria n.º 344, de 12/05/1998, da SVS/MS), conforme Auto de Apreensão incluso.

Após, recebimento de denúncia anônima de que no local supramencionado estaria ocorrendo tráfico de drogas, Policiais Militares se deslocaram até as imediações, onde visualizaram o denunciado alcançando um pacote para o usuário. Ato contínuo, o usuário ao ser abordado discorreu que havia comprado as drogas de Norberto, informando o local, o qual era o mesmo endereço da denúncia. Em seguida, a guarnição se deslocou até o endereço. Chegando ao local visualizaram Norberto, o qual empreendeu fuga ao avistar os Policiais Militares, porém não logrou êxito, sendo contido e, em revista na mochila que o denunciado carregava foram apreendidas as drogas acima descritas, além de 02 (dois) relógios, marca invicta, 01 (um) aparelho celular, marca lenoxx, 03 (três) iphones, 01 (um) aparelho celular, marca Semp, bem como a quantia de R$555,00 (quinhentos e cinqüenta e cinco reais) em espécie. Diante dos fatos, foi dada voz de prisão a Norberto, sendo este encaminhado à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e, posteriormente à Delegacia de Polícia.

O denunciado foi preso em flagrante, sendo as drogas submetidas a exames preliminares (laudo de constatação de natureza de substância incluso nos autos). O denunciado é reincidente, conforme certidão de antecedentes criminais inclusa".

A denúncia foi recebida em 09 de outubro de 2020 (Evento 2, DESP24).

Sobreveio sentença, publicada em 01 de fevereiro de 2022, julgando procedente a ação penal, para condená-lo nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, aplicando-se a pena de 06 anos, 06 meses e 05 dias de reclusão e 660 (seiscentos e sessenta) dias-multa à razão unitária de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, em regime fechado (Evento 241, SENT1).

Inconformado, o réu apelou. Em suas razões, postula, preliminarmente, a revogação da prisão preventiva. Alega inépcia da denúncia por ausência de justa causa, ilegalidade das provas obtidas mediante violação de domicílio e, também, ilegalidade na atuação dos policiais. No mérito, pugna pela absolvição por insuficiência de provas; alternativamente, requer: a) a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e, ainda, que a pena seja fixada no mínimo legal; b) o afastamento da agravante da reincidência; c) a aplicação da causa de redução prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, em seu grau máximo, qual seja 2/3; c) o afastamento da incidência das normas previstas na Lei 8.072/1990 ao denunciado e, por fim, d) a restituição dos bens apreendidos (Evento 251, RAZAPELA1).

Foram oferecidas contrarrazões pelo Ministério Público (Evento 262, CONTRAZAP1).

A Procuradoria de Justiça opinou pela rejeição das preliminares e, no mérito, desprovimento do apelo defensivo (Evento 7, PARECER1).

VOTO

Preliminarmente, a defesa sustentou a ilicitude da prova produzida, pois demonstrada a violação domiciliar sem a expedição de mandado de busca e apreensão, a caracterizar prova ilícita.

Sem razão.

O crime de tráfico de drogas é permanente, sendo que em casos de flagrante não há que se falar em invasão de domicílio pela ausência de determinação judicial prévia, conforme se infere da redação da garantia fundamental insculpida no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal, que dispõe: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." Assim, em que pese não desconheça a existência de crítica doutrinária a respeito do tema, permanece íntegro o entendimento perante as Cortes Superiores acerca do caráter permanente do crime de tráfico de drogas, sendo, por tal razão, relativizado o mandamento preconizado pelo art. 5º, inc.XI da Carta Magna.

Importante destacar que a matéria foi abordada em sede de recurso representativo da controvérsia, oportunidade em que o STF assentou o entendimento sobre a possibilidade de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, desde que amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, indicativas que a ação policial ocorreu em hipótese de flagrante delito, como é o caso dos autos, senão vejamos:

“Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016).” (-grifei).

No caso dos autos, os elementos coligidos demonstram que estava presente circunstância excepcional: os policiais militares dirigiram-se ao endereço do acusado após denúncias anônimas noticiando a prática de traficância no local. Em frente à residência do acusado, os policiais o avistaram entregando um pacote a um indivíduo, posteriormente identificado como João Batista de Mello. Em revista pessoal, os agentes localizaram uma porção de cocaína na posse de João, o qual, ao ser indagado, informou ser usuário, inclusive mostrando aos mesmos a tratativa, via contato telefônico, de aquisição de drogas com o réu. Diante disso, os policiais adentraram na residência do acusado, cuja entrada foi franqueada pela mãe dele. Segundo narrado, o réu tentou correr e dispensar uma mochila, na qual localizaram os entorpecentes e outros materiais apreendidos.

Frisa-se, ademais, que as fundadas suspeitas permitem a incursão em residência, afastando-se a inviolabilidade do domicílio, porquanto o crime de tráfico de drogas é de natureza permanente. Desta forma, a tese defensiva, ao aventar a nulidade da incursão policial no imóvel, deixou de considerar que o apelante foi visto vendendo drogas a um usuário, o que justificou, em seguida, o ingresso na casa. Logo, rechaça-se a nulidade, de modo a reconhecer a legalidade da prova, composta pelo material entorpecente apreendido.

Ainda, não há que se falar em nulidade do flagrante sob o argumento de que este fora forjado pelos policiais, quando referida proposição restar isolada do contexto probatório, além de não haver, inclusive, providências...

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