Acórdão nº 50059043120178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50059043120178210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002992937
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005904-31.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: ENOR PASQUAL (RÉU)

ADVOGADO: Fernando Tremarin (OAB RS078726)

ADVOGADO: FABIANO RIBEIRO DA SILVA BORGES HUFF (OAB RS106273)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia em desfavor de ENOR PASQUAL, com 62 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 14, da Lei nº 10.826/03, pela prática do seguinte fato delituoso:

FATO DELITUOSO:

No dia 16 de agosto de 2017, por volta das 10 horas, na Rua Visconde de Pelotas, 770, centro, em via pública, nesta cidade, o denunciado, ENOR PASQUAL, (trans)portava um revólver, marca Taurus, JC284682, calibre 38, 9255, com 11 cartuchos, calibre 38, sendo 06 municiados na arma; 06 cartuchos, calibre 12, que se encontravam no interior do automóvel (auto de apreensão da fl.08), em bom estado de funcionamento e condições de pleno emprego (perícia inclusa no final do IP), deu uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Na ocasião, Policiais Militares estavam em patrulhamento de rotina, a pé, quando foram informados da ocorrência de uma briga entre dois taxistas.

O denunciado agrediu o colega Marciano Consoni de Borba, o qual, porém, não representou pelas lesões corporais. Essa vítima informou à Policia de que o denunciado teria uma arma de fogo dentro do automóvel.

Antes de ser efetivada a abordagem, o denunciado fugiu do local, sendo capturado logo após, tendo sido necessário o uso de algemas.

Em revista no automóvel/táxi do denunciado, os Policiais Militares encontraram a arma de fogo e munições acima descritas, que se encontravam no porta documentos, pelo que ele foi preso em flagrante delito, libertado mediante pagamento de fiança.

A denúncia foi recebida em 28.02.2018 (evento 2, PROCJUDIC10, fls. 05/06).

Atualizada a certidão de antecedentes criminais (evento 37, CERTANTCRIM1 e evento 37, CERTANTCRIM2).

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença de lavra do Dr. Luis Filipe Lemos Almeida, julgando procedente a ação penal a fim de condenar o o réu como incurso nas sanções do artigo 14, da Lei nº 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão em regime inicial aberto, bem como à pena de multa de 15 (quinze) dias-multa à razão mínima. Substituída a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos (evento 39, SENT1).

A sentença foi disponibilizada em 23.06.2022.

A Defesa apresentou recurso de apelação. Em razões, requereu a absolvição do réu, com a consequente restituição da arma de fogo e do valor pago de fiança. Subsidiariamente, requereu a isenção da pena pecuniária (evento 48, PET1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 58, CONTRAZAP1), e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, manifestou-se pelo desprovimento do apelo defensivo (evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo.

No que tange ao pedido de absolvição, não assiste razão à defesa do acusado.

Com efeito, a materialidade vem delineada no registro da ocorrência policial (fls. 11-14), no auto de apreensão (fl. 15), no auto de prisão em flagrante (fls. 16-19) todos do evento 2, PROCJUDIC3, no auto de exame de potencial de ofensividade peliminar (fl. 14, evento 2, PROCJUDIC6). Bem como no laudo pericial nº 146659/2017 (fls. 11-13), que concluiu que a arma apreendida se encontra em condições de uso e funcionamento e que os cartuchos foram eficazes, além de toda a prova oral produzida.

No que se refere à autoria do delito, também está bem delineada nos autos, e a tese escusativa não convence e não ficou devidamente comprovada.

Observo que os policiais militares que participaram da diligência que conduziu ao flagrante delito, esclareceram a contento as circunstâncias em que se deu a prisão em flagrante do acusado, como já observado dos depoimentos apostos na sentença:

"A testemunha de acusação Milton Pereira Rossi Júnior, policial militar, referiu que estava em policiamento a pé e foi informado de briga entre taxistas. Disse que, ao chegar no local, o acusado havia fugido. Acionou a viatura e repassou a placa aos colegas, os quais prenderam o acusado em flagrante. Confirmou a apreensão de um revólver, calibre 38, registrado em nome do acusado. Conversou com a vítima da agressão, a qual referiu que o réu teria acertado um soco nele e portava arma de fogo.

A testemunha de acusação Lourenço Jucelino de Siqueira, policial militar, contou que foi repassado, via rádio, sobre a briga em um ponto de táxi e o taxista havia fugido em direção ao Parque dos Macaquinhos na posse da arma de fogo. Confirmou a abordagem e a localização da arma, municiada, e de um canivete. Informou que o acusado confessou que portava a arma, porque temia assaltos.

A testemunha de acusação Laudenor Ritta Neto, policial militar, declarou que receberam informação, via CIOSP, de uma discussão em um ponto de táxi e o indivíduo teria mostrado a arma durante a briga. Realizada a abordagem do táxi e localizado o revólver ao lado do banco do motorista.

O réu Enor Pasqual, após responder às perguntas de ordem pessoal, sustentou que portava a arma de fogo, porque o seu serviço é perigoso. Informou que tinha CR e às vezes disparava na Casa das Armas. Referiu que tinha o registro da arma de fogo, foi ameaçado pela ex-esposa e não conseguiu renovar os documentos. Confirmou, ainda, que portava os cartuchos de calibre 12. Disse que no dia do fato não pegou na arma de fogo, a qual foi adquirida em 1984. Confirmou a discussão com o taxista e defendeu que estava indo no eletricista, quando foi abordado pelos policiais militares. Discutiu com o colega, porque ele passou na sua frente no ponto do táxi."

Pois bem, os elementos dos autos são contundentes e o próprio acusado confessou o delito.

Nesse aspecto, verifico que o acusado admitiu estar em poder do revólver calibre .38 e das munições. A assunção do porte do armamento vem ao encontro do depoimento das testemunhas acusatórias.

Não obstante as alegações recursais, relativas à necessidade de portar a arma por segurança e defesa própria, inexiste nos autos qualquer elemento probatório demonstrando a existência de um perigo atual a justificar o porte ilegal, ônus da defesa nos termos do artigo 156 do CPP.

Ora, no caso de sentir-se ameaçado, deveria o réu buscar auxílio da autoridade policial e não possuir ilegalmente arma de fogo a pretexto de se proteger.

Ademais, o fato de o apelante possuir idade avançada (66 anos) não afasta a prática delitiva e as alegadas comorbidades não restaram comprovadas.

Outrossim, não há falar em atipicidade da conduta, uma vez que, para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, basta que o agente pratique qualquer uma das condutas descritas no artigo 14 da Lei nº 10.826/03.

Isso porque, a conduta é típica e antijurídica, uma vez que o delito é de natureza normativa, de perigo presumido, cujo “bem protegido” é a incolumidade pública.

A configuração do crime em tela, cuja objetividade jurídica é múltipla, ocorre mesmo sem que o acusado tenha causado risco concreto ou dano a alguém ou lesado direitos de terceiros. Ainda, é desnecessário provar que a arma tenha sido utilizada de alguma forma, ou que seria usada inadequadamente, de maneira que gerasse riscos e/ou ofensas.

Assim, basta a prova, no caso, do porte ilegal, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, nos termos do artigo 14 da Lei nº 10.826/03, como posto na exordial para que a conduta seja considerada típica e antijurídica.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIME. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. TESES DE ATIPICIDADE DO AGIR POR AUSÊNCIA DE LESIVIDADE E DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. NÃO-ACOLHIMENTO. CONDENAÇÃO MANTIDA. ISENÇÃO DA MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO CUMULATIVAMENTE PREVISTA À CARCERÁRIA, CONFORME ARTIGO DE LEI INFRINGIDO. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PLEITO PREJUDICADO. BENESSE CONCEDIDA NA DECISÃO SINGULAR. APENAMENTO. REDUÇÃO. NEUTRALIZAÇÃO...

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