Acórdão nº 50059588020208210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50059588020208210013
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003221686
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005958-80.2020.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador MARCELO CEZAR MULLER

APELANTE: IVAN LUIS TOMKELSKI (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Cuida-se de apelações interpostas pelas partes nos autos da ação indenizatória ajuizada por IVAN LUIS TOMKELSKI em desfavor de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.. A sentença teve o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar a RGE Sul Distribuidora de Energia S/A a pagar ao autor, a título de danos morais, o valor de R$ 3.000,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar da data de prolação desta sentença e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano desde a data da citação (art. 405 CC).

Considerando a sucumbência recíproca, caberá à parte ré arcar com 40% das custas processuais, sendo o restante suportado pela parte autora. Os honorários vão fixados em 10% do valor atualizado da condenação, distribuídos entre o(a) (s) patrono(a)(s) das partes na mesma proporção das custas processuais (art. 85, §2º, c/c art. 86, ambos do CPC), observada a AJG.

Constou no relatório:

Ivan Luis Tomkelski ajuizou ação de cobrança de danos materiais e morais contra RGE Sul Distribuidora de Energia S/A, alegando que houve a interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica em sua propriedade, no dia 30/06/2020 a 04/07/2020, contabilizando aproximadamente 100 horas. Além disso, discorreu que ficou sem luz no período 14/08/2020 a 16/08/2020. Disse sobre a precaridade dos postes. Sustentou que buscou a via administrativa para solucionar o problema, sem êxito. Pediu a condenação da parte ré ao pagamento de reparação pelos danos materiais e morais. Pugnou pela AJG e juntou documentos (Evento 1).

Deferida a AJG (Evento 5).

Citada, a parte ré contestou. Asseriu que nas datas mencionadas pela parte autora, o estado do Rio Grande do Sul foi atingido por um ciclone extratropical, com intensa atividade elétrica (raios), chuva intensa em curto intervalo de tempo e queda de granizo. Disse que a excepcionalidade e a magnitude do evento acabaram por gerar inúmeras dificuldades também para o tratamento das consequências dele oriundas. Sustentou que as interrupções no fornecimento de energia do circuito que abastece a unidade consumidora da parte autora se deram dentro dos limites fixados pela ANEEL. Teceu comentários sobre a excludente de responsabilidade, caso fortuito. Alegou litigância de má-fé. Impugnou a pretensão indenizatória. Requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos (Evento 10).

Houve réplica (Evento 13).

Reconhecida a aplicação do CDC, indeferida a inversão do ônus da prova e instadas as partes acerca do interesse na produção das provas (Evento 15).

As partes se manifestaram (Eventos 19, 20 e 26).

Admitida prova empresta e encerrada a instrução (Evento 32).

As partes apresentaram memoriais (Eventos 36 e 37).

Vieram-me, então, os autos conclusos para julgamento.

A parte autora, em suas razões, afirma que ficou sem energia elétrica por tempo demasiado, não podendo o caso fortuito afastar a responsabilidade, no caso concreto. Aduz acerca da falta de manutenção da infraestrutura de fornecimento de energia na comunidade em que reside. Pondera sobre o dever de indenizar. Alega que os danos morais e materiais restaram comprovados. Colaciona julgados em abono da sua pretensão. Requer o provimento do recurso e a total procedência da ação, bem como o redimensionamento da sucumbência. Litiga sob o pálio da gratuidade da justiça.

O réu, por seu turno, afirma que não restou provada a interrupção de energia elétrica à parte autora, bem como não ficou comprovada a existência de abalo moral e material. Alega que houve forte temporal nos meses de junho e julho no município em que reside o autor, caracterizando o caso fortuito, excludente de responsabilidade. Pondera acerca da inexistência do dever de indenizar. Tece considerações a respeito dos investimentos na sua rede de abastecimento de energia. Requer, caso mantida a sentença, a incidência dos juros de mora a contar da publicação. Pede o provimento do apelo e a total improcedência da demanda, e, sucessivamente, a redução do quantum indenizatório. Realiza o preparo.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte e vieram-me conclusos para julgamento.

Registra-se que foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC, em face da adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

A parte autora reside no município de Erechim e sustenta ter havido interrupção no fornecimento de energia elétrica entre as 12h do dia 30-06-2020 até as 16h do dia 04-07-2020.

A sentença foi de parcial procedência, condenando a ré ao pagamento de indenização a título de danos morais.

Adianto que estou dando provimento ao apelo da requerida, ao efeito de julgar improcedente a demanda, restando prejudicado o recurso do autor.

Responsabilidade da concessionária de serviço público.

O desenvolvimento da sociedade, na qual as relações passaram a tomar as mais diversas formas e espécies, exigiu outros meios para enfrentar a presença de danos causados às pessoas.

A lei, em determinadas situações, prevê a reparação do dano sem exame do elemento subjetivo do agente causador. Isto é, não exige a presença de culpa, contentando-se com a prática da conduta, existência do prejuízo e do nexo de causalidade.

Justifica-se a responsabilidade objetiva pela teoria do risco, porque o agente ao exercer atividade que provoca a existência de risco de dano, deve responsabilizar-se pelo prejuízo causado.

A regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal constitui o fundamento para a responsabilidade do Estado, com base na responsabilidade objetiva para os atos comissivos e que, em princípio, abrange qualquer função pública.

Os atos praticados por concessionária de serviço público, delegada de função pública, sociedade de economia mista e empresa pública (no desempenho de serviço público propriamente dito) estão abrangidos nessa espécie de regramento. Isso decorre da circunstância que, nesses casos, a atividade tem origem em ato que caberia ao Estado e este outorgou a permissão para que outra pessoa o praticasse.

Como exemplo de responsabilidade objetiva podem ser citadas estas regras legais: CC, arts. 936, 937, 938, 929, 930, 939, 940, 927, parágrafo único, e 933; Lei de acidente de trabalho; Código Brasileiro de Aeronáutica; Lei 6.453/77; Decreto legislativo nº 2.681/1912 (estradas de ferro); Lei nº 6.838/81; o Código de Defesa do Consumidor; e a CF, art. 37, § 6º.

Dessa maneira, no geral, são pressupostos para a obrigação de indenizar o defeito do produto ou serviço, a imputação, o dano e o nexo causal.

Nexo de causalidade.

A responsabilização do agente tem como requisito a relação de causalidade entre o ato praticado e o prejuízo ocasionado à vítima.

Com pertinência à conduta do agente, são abrangidos o ato próprio (responsabilidade direta), com culpa ou dolo, comissivo ou omissivo, de terceiro (responsabilidade indireta), pelo qual tenha responsabilidade, a falha de serviço e o prejuízo originário de coisa inanimada ou de animal, que possua a guarda.

No que diz respeito ao dano, deve ter origem ou resultar do comportamento do agente, de ato de terceiro, da falha de serviço, de coisa inanimada ou de animal. Isto é, a conduta, comissiva ou omissiva, deve ter provocado o prejuízo à vítima.

A doutrina esclarece:

O direito só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e seu autor, ou seja, quando se esteja diante de uma relação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. (Carlos Roberto Gonçalves, Direito das Obrigações, Parte Especial, Responsabilidade Civil, volume 6, tomo II, Sinopses Jurídicas, Editora Saraiva, 3ª edição, p. 81)

O Código Civil, no art. 403, ao que tudo indica, adotou a teoria dos danos diretos e imediatos. Somente o dano originado de modo direto e imediato com o fato do agente deve ser reparado.

Como regra geral, o nexo de causalidade deve ser analisado no caso concreto e a demonstração da presença do vínculo entre a ação e o resultado cabe à parte autora.

Não é suficiente a mera possibilidade de o evento ter origem no fato narrado pela parte autora.

O caso fortuito e força maior podem excluir a responsabilidade do agente, de acordo com o art. 393 do CC. O caso fortuito tem origem nas forças da natureza. A força maior decorre de atos humanos, como guerras, revoluções, greves, fato do príncipe, etc. Nessas situações ocorre o rompimento do nexo causal, porque o evento é inevitável para o agente.

Dois elementos devem estar presentes, conforme lição de Sílvio Rodrigues, Direito Civil, volume 2, Editora Saraiva, 23 ª edição: “a) um elemento subjetivo, representado pela ausência de culpa; b) um elemento objetivo, constituído pela inevitabilidade do evento.” (p. 284)

No atual desenvolvimento econômico e tecnológico a queda de rede elétrica seria inevitável, diante de evento da natureza, em especial, de grande magnitude.

No caso em análise, a prova dos autos indica que ocorreram temporais que assolaram a região no final de junho e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT