Acórdão nº 50059620220208210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50059620220208210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003045697
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005962-02.2020.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: SANCOR SEGUROS DO BRASIL S. A. (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por SANCOR SEGUROS DO BRASIL S. A. contra a sentença (evento 58, SENT1) que, nos autos da ação regressiva de indenização ajuizada em desfavor de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, forte no inciso I do art. 487 do Código de Processo Civil julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por SANCOR SEGUROS DO BRASIL S. A. em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

Face ao deslinde do feito, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais em sentido amplo, arbitrados os honorários em favor dos procuradores da parte ré em 15% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, considerado o trabalho realizado pelos profissionais.

O valor dos honorários deverá ser corrigido, pelo IGP-M (admitida a deflação, preservando-se, porém, o valor nominal), desde o ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, estes a contar do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art. 85, § 16, do Código de Processo Civil.

Publicação e intimação eletrônicas.

Em suas razões (evento 64, APELAÇÃO1), a parte autora elabora relato dos fatos e, preliminarmente, aponta o descumprimento das normas pela concessionária, uma vez que não juntou aos autos os cinco relatórios referidos no Módulo 9 do PRODIST. No mérito, alega a desnecessidade de prévia reclamação administrativa, sob pena de violação ao art. 5º, XXXV, da CF. Diz que o art. 204 da RN da ANEEL nº 414/2010 foi revogado pela RN da ANEEL nº 1.000/21. Defende que os fatos constitutivos de seu direito restaram suficientemente demonstrados, sendo as provas documentais juntadas idôneas para comprovar suas alegações, já que se referem a vistorias e exames técnicos realizados por empresas isentas. Salienta a ausência de qualquer fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito da autora, limitando-se a concessionária argumentar que não seria responsável pelo dano ocorrido. Assevera que incide na hipótese a responsabilidade objetiva, nos termos do art. 37, §6º, da CF. Em caráter subsidiário, pede a redução dos honorários advocatícios fixados na sentença para o patamar mínimo legal. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 66, CONTRAZ1), no sentido da manutenção da sentença, subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está acompanhado do comprovante de recolhimento do preparo (evento 64, OUT2). Sendo assim, passo ao seu enfrentamento.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

Vistos etc.

SANCOR SEGUROS DO BRASIL S. A. ajuizou ação indenizatória (regressiva de ressarcimento de danos) em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., aduzindo, em síntese, que é seguradora e se obriga por meio da cobrança de prêmio a assegurar a unidade consumidora com a cobertura para danos elétricos. Salienta que em 16.10.2019 a unidade consumidora Mitra Diocese de Novo Hamburgo sofreu com distúrbios de tensão em sua rede, diante da falha na prestação da ré. Ressalta que os danos ocorreram pela ausência de preparo e aparatos tecnológicos de segurança necessários para assegurar boa qualidade do produto entregue ao segurado e em virtude dos prejuízos o segurado acionou o seguro contratado e os danos foram suportados pela autora. Alega que a qualidade da energia que passa pelos fios de condução elétrica estaria fora dos padrões estabelecidos pela ANEEL, chegando à unidade consumidora acima das tensões adequadas de fornecimento, sendo esta a causa dos danos aos equipamentos eletroeletrônicos que guarnecem a residência do segurado. Pontua que o monitoramento da passagem de tensão da rede constitui obrigação da concessionária de energia elétrica. Em razão destes fatos, promove a presente ação visando ao ressarcimento mediante à condenação da ré ao pagamento da importância de R$ 5.207,88. Postula a apresentação pela ré dos relatórios referentes à qualidade de produto e serviço estipulados pelo item 6.2, Seção 9.1, Módulo 9 PRODIST. a saber: a) Atuação de quaisquer dispositivos de proteção à montante da unidade consumidora, inclusive religadores automáticos; b) Ocorrências na subestação de distribuição que pudesse ter afetado a unidade consumidora; c) Manobras emergenciais ou programadas, ainda que avisadas com antecedência; d) Qualquer evento no sistema de transmissão que possa ter afetado a unidade consumidora; e) Eventos na rede que provocam alteração nas condições normais de fornecimento de energia elétrica, provocados por ação da natureza, agentes a serviço da distribuidora ou terceiros. Junta documentos (evento 1).

Citada, a ré contestou, alegando que os danos ocorreram por causa de um raio que atingiu a rede elétrica do segurado, configurando caso fortuito e força maior. Relata a impossibilidade de pagar a indenização, já que não houve prévio requerimento administrativo pelo segurado. Refere que não houve detecção de interrupção ou oscilação na rede que alimenta o fornecimento do segurado. Pontua que o laudo trazido pelo autor indica sobretensão, situação que caracteriza defeito interno à medição, ou seja, defeito proveniente de falha na manutenção da adequação técnica e da segurança das instalações internas da unidade consumidora. Pede a improcedência. Junta documentos (evento 11).

Houve réplica (evento 15).

Intimadas a dizerem sobre o interesse na dilação probatória, a parte autora requereu a produção de prova documental, determinando-se à demandada a juntada de relatórios da ANEEL; e a parte ré por nada pugnou (eventos 16, 20 e 22).

Saneado o processo, invertendo-se o ônus da prova e determinando que a parte ré juntasse os relatórios requeridos pela parte autora (evento 37).

Intimada, a parte ré acostou parte dos relatórios e requereu a dilação do prazo para juntada dos demais (evento 44).

A parte autora manifestou-se sobre os relatórios juntados pela parte ré (evento 45).

Após o indeferimento do pedido de dilação de prazo, vieram os autos conclusos para julgamento (eventos 47 e 57).

É o relatório.

Sobreveio sentença de improcedência, razão da interposição do presente recurso pela parte autora.

De plano, destaco que o acesso ao Poder Judiciário não pode ser condicionado à prévia solicitação ou oposição administrativa, sob pena de afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.

A discussão posta nos autos diz respeito ao dever da fornecedora de energia elétrica em ressarcir à autora, sub-rogada do prejuízo suportado pelo consumidor, os danos elétricos que cobriu em virtude da existência de contrato de seguro.

Atinente à questão de fundo, aplica-se à ré a teoria da responsabilidade objetiva, uma vez que presta serviço público de fornecimento de energia elétrica, forte no disposto no art. 37, §6º, da CF/88. Nessa modalidade, a responsabilidade civil somente é afastada no caso de restar comprovada a ausência de nexo de causalidade entre o dano e a ação do agente ou ocorrência de caso fortuito ou de força maior.

Não bastasse, a demandada, como prestadora de serviço público essencial, enquadra-se na regra do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

A novel doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo assegurar-se segurança e eficiência aos serviços prestados aos consumidores, especialmente nas práticas relacionadas à prestação de serviços essenciais, como ocorre in casu.

Sobre o tema, transcrevo doutrina pertinente de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin e Cláudia Lima Marques a respeito da matéria:

Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presentes nas normas do CDC (art. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto ou no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade). Observando a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na idéia de garantia implícita do sistema da commom law (implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso, e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que deles se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores. [...].1

Na espécie, não há dúvida da ocorrência dos danos elétricos no equipamento do segurado, não tendo a ré logrado afastar o nexo causal entre a falha no fornecimento da energia elétrica e o prejuízo constatado, mesmo considerando a ocorrência de chuva e raios na data do evento danoso.

Daí por que entendo que a responsabilidade pelos danos causados ao segurado, cujo prejuízo foi suportado pela autora na condição de seguradora e que se sub-rogou no direito de cobrança dos danos à ofensora, é da concessionária prestadora do serviço de fornecimento de energia, que tem o dever de manter o...

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