Acórdão nº 50059638820238217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50059638820238217000
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003230913
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

15ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5005963-88.2023.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador LEOBERTO NARCISO BRANCHER

AGRAVANTE: WALTER DA SILVA MELO

AGRAVADO: BANCO PAN S.A.

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por WALTER DA SILVA MELO em face da decisão de lavra do eminente magistrado Dr. Leonardo Boffil Vanoni, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cachoeira do Sul, que, nos autos da demanda revisional movida contra BANCO PAN S.A., assim dispôs:

"Vistos, etc.

I - Recebo a emenda retro.

II - A parte autora manifestou o desinteresse na realização de audiência de conciliação.

Da leitura literal dos artigos 3º, §3º; 319, inc. VII; 334, §4º, inc. II; 334, §4º, inc. I c/c o §5º do mesmo artigo, todos do novo CPC, duas constatações textuais são possíveis: (i) o novo CPC estimulou os meios alternativos de resolução dos conflitos; (ii) a audiência de conciliação deverá ser realizada em todas demandas, salvo se ambas as partes manifestarem previamente o desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir autocomposição.

Quanto à primeira percepção, prevista expressamente no artigo 3º, §3º, do novo CPC, deve ser recebida com aplausos, estando plenamente de acordo com a Magna Carta. A efetividade e a celeridade processual, decorrentes da garantia fundamental do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da CF/88), cada vez mais dependem do sucesso dessas vias paralelas da heterocomposição, em razão do incremento progressivo e inestancável da demanda jurisdicional. A incitação aos equivalentes jurisdicionais, portanto, transcende a política processual, cuida-se de uma necessidade para que o devido processo aconteça.

No que tange à segunda observação, entendo que os artigos que lhe dão respaldo legal devem sofrer uma declaração de inconstitucionalidade parcial com redução de texto, exceto no que respeita à dispensa da audiência conciliatória em casos em que não se admita autocomposição. Explico

A garantia fundamental do devido processo legal exige uma tutela efetiva, tempestiva (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/88) e adequada aos direitos. Pela sua dimensão objetiva, que irradia efeitos ao legislador e o julgador, e por força da cláusula do §1º do artigo 5º da CF/88, que exige que lhe seja dada a máxima eficácia, a criação e a aplicação do direito devem observar, na maior medida possível, o feixe de garantias que é extraído da norma do artigo 5º, inc. LIV, da CF/88.

A meu ver, respeitando entendimentos em sentido diverso, se a parte autora ou ré manifesta previamente à audiência que não possui interesse na composição, realizar o ato conciliatório fadado ao insucesso agride de forma intolerável as garantias da efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional, já que o tempo do processo se prolongará e se praticará ato processual sem efetividade alguma.

E esse entendimento não vai contra o espírito autocompositivo e de plurais vias resolutórias de conflitos edificado no novo CPC. A possibilidade de autocomposição será cabível durante todo o processo. Alterando-se a resistência da(s) parte(s) à composição consensual, abrir-se-á a oportunidade: (i) de realização de audiência conciliatória em outro momento processual; (ii) de as partes postularem a homologação de transação celebrada (art. 487, inc. III, alínea b, do CPC); (iii) de se buscar a conciliação na inauguração da audiência de instrução e julgamento (art. 359 do CPC); etc.

Com efeito, salvo melhor juízo, não haverá qualquer prejuízo às partes à autocomposição, o que afasta eventual argumento de nulidade por vício de forma, nos termos do artigo 283, parágrafo único, do CPC.

Por esses argumentos, mesmo sendo adepto de uma postura de autorrestrição judicial e entendendo que a revisão judicial seja cabível em hipóteses excepcionais em que haja desproporcional lesão à Constituição e um desacordo jurídico irrazoável, por entender que o caso se enquadra nesse cenário, declaro a inconstitucionalidade parcial do artigo 334, §4º, inc. I, do novo CPC, por contrariedade à garantia fundamental do devido processo legal, excluindo a expressão “se ambas as partes”.

Assim, manifestado o desinteresse prévio pela parte autora ou ré, não haverá necessidade da realização de audiência conciliatória, ressalvada a possibilidade de, em havendo alteração da posição, acontecer o ato conciliatório a qualquer momento.

Dessa forma, deixo de realizar audiência de conciliação.

III - Trata-se de pedido de tutela provisória de urgência em que a parte requer a suspensão dos descontos nos proventos do autor referente ao contrato nº 347142477-4, bem como para que o réu se abstenha de proceder a inclusão do nome do autor em órgãos de restrição ao crédito do SERASA, SPC, Protesto de títulos e outros em relação aos valores atrelados aos contratos e, caso já tenha incluído, a exclusão, sob pena de multa.

Vieram os autos, decido.

As tutelas específicas são frutos da teoria da tutela dos direitos, que possui como expoente teórico nacional o festejado processualista LUIZ GUILHERME MARINONI. Tal teoria se trata de uma evolução à teoria eclética da ação de Eurico Túlio Liebman; isso porque, é sustentado que a ação do Juiz não se exaure com a prolação da sentença, como sustentava Liebman; a ação do Juiz, na realidade, deve ser no sentido de dizer o direito e adotar medidas eficazes para protegê-lo (medidas executivas e técnica processual), por força do princípio da efetividade na proteção dos direitos.1

Conforme o processualista José Roberto dos Santos Bedaque, “a tutela jurisdicional deve ser entendida como tutela efetiva de direitos ou de situações pelo processo. Constitui visão do direito processual que põe em relevo o resultado do processo como fator de garantia do direito material”. 2

Dentre as tutelas específicas, encontramos a tutela contra o dano (medida antecipatória do art. 300 do NCPC) e a tutela contra o ilícito (arts. 497 e 498 do NCPC, art. 84 do CDC). Ao contrário da tutela contra o dano (ressarcitória na forma específica ou pelo equivalente ao valor do dano), a qual tem por objeto o dano ou a sua probabilidade de acontecimento, as tutelas inibitória e de remoção voltam-se contra o ato ilícito praticado ou sua probabilidade, tendo como único requisito este, não se exigindo sequer a comprovação da culpa (art. 497, parágrafo único, do NCPC). Além disso, gozam da atipicidade das técnicas processuais para a sua efetivação (art. 297 do NCPC).

Para Marinoni, “a diferenciação entre ilícito e dano não só evidencia que a tutela ressarcitória não é a única tutela contra o ilícito, como também permite a configuração de uma tutela genuinamente preventiva, que nada tem a ver com a probabilidade do dano, mas apenas com a probabilidade do ato contrário ao direito (ilícito) 3

Nas palavras de Marinoni e Mitidiero, a tutela de remoção do ilícito tem por finalidade eliminar uma situação de ilicitude ou remover os efeitos concretos derivados de uma ação ilícita. É uma tutela repressiva em relação ao ilícito. Tem como pressuposto a ocorrência de ilícito que deixou efeitos concretos continuados.” 4

Em relação à possibilidade de tutela provisória específica liminar contra o ilícito, o artigo 300 do NCPC prevê que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem: a (i) probabilidade do direito e o (ii) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Nas palavras do Pror. Daniel Mitidiero:

(…) A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder “tutela provisória”.5

Quanto ao segundo requisito, bem esclarece como deve ser interpretado o Prof. Mitidiero:

A fim de caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador falou em “perigo de dano” (provavelmente querendo se referir à tutela antecipada) e “risco ao resultado útil do processo” (provavelmente querendo se referir à tutela cautelar). Andou mal nas duas tentativas. Em primeiro lugar, porque o direito não merece tutela tão somente diante do dano. O próprio Código admite a existência de uma tutela apenas contra o ilícito ao ter disciplinado o direito à tutela inibitória e o direito à tutela de remoção do ilícito (art. 497, parágrafo único, na esteira da elaboração da doutrina, Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, Ed. RT, e Técnica Processual e Tutela dos Direitos cit.). Daí que falar apenas em perigo de dano é recair na proibição de retrocesso na proteção do direito fundamental à tutela adequada, já que o Código Buzaid, depois das Reformas, utilizava-se de uma expressão capaz de dar vazão à tutela contra o ilícito (“receio de ineficácia do provimento final”). Em segundo lugar, porque a tutela cautelar não tem por finalidade proteger o processo (Carlo Calvosa, La Tutela Cautelare, Utet; Ferruccio Tommaseo, I Provvedimenti d’Urgenza – Struttura e Limiti della Tutela Anticipatoria, Cedam; Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil cit.), tendo por finalidade tutelar o direito material diante de um dano irreparável ou de difícil reparação. O legislador tinha à disposição, porém, um conceito mais apropriado, porque suficientemente versátil, para caracterizar a urgência: o conceito de perigo na demora (“periculum in mora”). A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser...

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