Acórdão nº 50060329120218210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50060329120218210016
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001901604
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006032-91.2021.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: LEILA SILVEIRA DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO AGIBANK S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interpostos por LEILA SILVEIRA DE OLIVEIRA e por BANCO AGIBANK S.A., tempestivamente, objetivando a reforma da sentença que julgou procedente a Ação Revisional n° 5006032-91.2021.8.21.0016

A sentença fixou o que segue (evento 26 da origem):

DIANTE DO EXPOSTO, julgo procedente o pedido formulado por LEILA SILVEIRA DE OLIVEIRA em face de BANCO AGIBANK S.A, na forma do artigo 487, I, CPC, para o fim de:

a) Revisar o contrato de empréstimo de nº 1210641409, fixando os juros remuneratórios à taxa média do mercado para essa espécie de contratação;

b) Condenar a requerida a ressarcir os valores pagos indevidamente pela autora, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde a data dos pagamentos, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Sucumbente, arcará a requerida com o pagamento da integralidade das custas processuais. Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, levando-se em conta o trabalho dispensado pelos patronos da parte autora, a pequena complexidade da causa, o momento em que foi julgada a ação e a repetitividade de ações desta natureza, tudo com base no artigo 85, §2º do CPC.

Houve a interposição de embargos de declaração pela parte requerida (evento 30), os quais foram desacolhidos.

A parte autora, LEILA DE OLIVEIRA, em apelação, discorre sobre e necessidade de incidência da repetição do indébito dos valores cobrados a maior, com a majoração dos honorários advocatícios, devendo ser observado o artigo 85, §8º, do CPC.

Postula o provimento do apelo.

Recurso dispensado do preparo, por litigar a parte sob o pálio da gratuidade judiciária.

A parte requerida, BANCO AGIBANK S.A, em apelação, requer a reforma da sentença discorrendo sobre a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios pela taxa do BACEN, para a modalidade de empréstimo. E, para tanto, faz uma longa narrativa sobre a possibilidade de aplicação de juros diferenciados para os casos de negativados, tratando-se de uma operação de risco.

Postula o provimento do apelo.

Houve preparo (item 2 do evento 44da origem).

Intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (eventos 49 e 53 da origem).

Vieram os autos conclusos.

VOTO

Conheço dos recursos, pois adequados e tempestivos.

RELAÇÃO CONTRATUAL.

Houve a revisão do Contrato de Empréstimo Pessoal de n. 1210641409, firmado em 04.10.2017, entre a autora Leila Oliveira e o Banco AGIBANK,, com taxa de juros de 18% ao mês e 628,76% ao ano (item 7 do evento 1 da origem)

Enfrento as teses de forma destacada.

APELO DO BANCO AGIBANK.

JUROS REMUNERATÓRIOS.

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E disso derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de mercado representam uma abusividade, ou uma onerosidade excessiva ao consumidor. E a redução dos juros à taxa média de mercado não representará prejuízo à instituição financeira, eis que irá assegurar que esta receberá o valor que o mercado paga em operações idênticas, durante o período da contratação.

Acrescento que a incidência do Código de Defesa do Consumidor (art. 51), a fim de reconhecer a onerosidade excessiva, requer demonstração analítica da parte interessada, cuja argumentação hipotética não resolve o tema. Sequer aceitável a assertiva de que se trata de contrato de adesão, o qual implica cooptação da vontade do aderente.

De resto, não basta a simples circunstância de que os juros remuneratórios sejam acima de 12% ao ano para declaração de abusividade, em face do disposto na Súmula nº 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consigno, também, que o uso da taxa SELIC, ou sua aplicação como referência à taxa de juros remuneratórios é descabida, porquanto não representa a taxa média praticada pelo mercado, na forma da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

No caso em liça, verifica-se que a taxa de juros prevista no contrato é superior à taxa média de mercado para o período. Os juros para outubro/2017 ficaram em 132,11% ao ano, quando o contrato traz juros de 628,76% ao ano (série 20742 BACEN), quando se trata de crédito pessoal vinculada a composição de dívida.

Sobre os juros, a mera alegação de que há risco do negócio assumido pelo banco demandado, ao conceder crédito a pessoas inadimplentes, além do desconto ocorrer em conta corrente, o que representa maior índice de inadimplência daqueles contratos firmados na forma consignada, não encontra respaldo para a contratação dos juros em patamar como dos autos. Ou seja, não se pode admitir que o grau de risco da operação, decorrente da alegada situação financeira desfavorável dos seus clientes, tenha o condão de permitir a cobrança de juros exorbitantes pelo Banco comercial, colocando o consumidor em desvantagem, diante da referida situação.

Tal embasamento trazido em razões de apelação não encontra respaldo legal, indo contra ao Recurso...

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