Acórdão nº 50060612020218214001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualApelação
Número do processo50060612020218214001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTurma Recursal Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:10020127919
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5006061-20.2021.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse de Drogas para Consumo Pessoal (Lei 11.343/06, art. 28)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (MINISTÉRIO PÚBLICO)

APELADO: LUCAS SILVEIRA ESPINDOLA (AUTOR FATO)

RELATÓRIO

O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra decisão que determinou o arquivamento de Termo Circunstanciado instaurado contra Lucas Silveira Espindola, por entender atípica a conduta. Requereu a reforma da decisão para que se dê prosseguimento ao feito.

A defesa apresentou contrarrazões.

Nesta instância, o parquet opinou pelo conhecimento do recurso e por seu provimento.

VOTO

Conheço do recurso, pois cabível e tempestivo.

Acerca da conduta relativa ao porte de substância entorpecente, já firmou esta Turma Recursal Criminal posicionamento majoritário no sentido da sua tipicidade:

APELAÇÃO-CRIME. POSSE DE DROGAS. ART. 28 DA LEI 11.343/06. CONDUTA TÍPICA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. Preliminar de inconstitucionalidade por violação do princípio da alteridade desacolhida. A disposição busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais. 2. A Lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam as únicas sanções cominadas ao tipo penal. Conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo. 3. Princípio da insignificância afastado. Entendimento pacificado quanto à inaplicabilidade de tal princípio no crime de posse de drogas para consumo próprio, haja vista tratar-se de delito de perigo abstrato. 4. A prova produzida, consistente no depoimento de policial militar que participou da apreensão da droga, em conjunto com os dados informativos da fase pré-processual, quando o réu admitiu ser usuário de entorpecentes, é suficiente, no caso, para a condenação por posse de substância entorpecente. 5. Revelia. Se o não comparecimento não implica em confissão, deixa o réu, com tal conduta, de produzir qualquer adminículo probatório que se contraponha à informação trazida pelas testemunhas que realizaram a apreensão. RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Recurso Crime Nº 71007008055, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 21/08/2017) (grifei).

Inarredável, portanto, a cassação da decisão guerreada a fim de que, com o retorno dos autos à origem, dê-se o regular processamento do feito, mediante a designação de audiência preliminar.

Desta forma, voto por dar provimento a apelação, desconstituindo a decisão, de molde a propiciar o regular processamento do feito.



Documento assinado eletronicamente por KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA, Juíza Relatora, em 27/6/2022, às 15:22:47, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10020127919v7 e o código CRC b1671c5e.



Documento:10020968305
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5006061-20.2021.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse de Drogas para Consumo Pessoal (Lei 11.343/06, art. 28)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (MINISTÉRIO PÚBLICO)

APELADO: LUCAS SILVEIRA ESPINDOLA (AUTOR FATO)

VOTO

Concordo com a e. Relatora, registrando, apenas que, em hipóteses excepcionais, como v.g. a atipicidade da conduta, o Juiz pode arquivar termo circunstanciado ex officio.

Esta Turma Recursal já assim entendeu:

CORREIÇÃO PARCIAL. ARQUIVAMENTO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO PELO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. PORTE DE ARMA BRANCA. ARTIGO 19 DA LCP. ATIPICIDADE. Em hipóteses excepcionais, quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, é perfeitamente possível, por equivaler a concessão de habeas corpus de ofício, a determinação de arquivamento do termo circunstanciado por parte do Magistrado. Tal não importa em violação ao comando do art. 129 I da Constituição Federal e, tampouco, em usurpação da atribuição do Ministério Público para a propositura da ação penal. Não há lei regulamentando o porte de arma branca e, portanto, não há a possibilidade de obtenção da licença para portá-la, razão pela qual é inaplicável o dispositivo legal em questão, em consideração aos Princípios da Legalidade (artigo 5º, II da CF) e da Anterioridade da Lei Penal (art. 5º, XXXIX, da CF). Não se trata, na hipótese, de norma penal em branco, por ausente outra norma que a complemente. CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA, POR MAIORIA. (Correição Parcial Nº 71003194719, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 04/07/2011)” (grifei).

Consigno, ainda, o meu posicionamento acerca da matéria, não sem antes apontar que a questão da inaplicabilidade do princípio da insignificância não é pacífica perante o STF, tal como apontado, aliás, no HC n. 202883, no qual o Ministro Gilmar Mendes sustenta o seu cabimento.

  1. RESSALVA DE POSIÇÃO:

O entendimento majoritário desta Turma Recursal é no sentido da tipicidade do art. 28 da Lei n. 11.343/06.

Ressalvo, no ponto a minha posição minoritária.

O delito tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/06, como é do conhecimento dos eminentes colegas, está sendo objeto de exame perante o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 635.659 centrando-se a discussão, como apontado pelo eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, em eventual violação às garantias constitucionais da intimidade e da vida privada, e que pode ser resumida pelo seguinte parágrafo:

“No caso agora em análise, o art. 28 é impugnado sob o enfoque de sua incompatibilidade com as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada. Não se funda o recurso na natureza em si das medidas previstas no referido artigo, mas, essencialmente, na vedação constitucional à criminalização de condutas que diriam respeito, tão somente, à esfera pessoal do agente incriminado.”

Consigno que, embora não haja embaraço ao enfrentamento da questão sob tal prisma, não é esse o enfoque que proponho, não obstante a possibilidade de que se verifiquem pontos de contato.

1.1 DA NECESSIDADE DE UMA INTERETAÇÃO CONSTITUCIONAL:

Na lição de Juarez Freitas[1] Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro; qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito”.

Assim, nenhuma interpretação pode se verificar de forma descolada dos objetivos fundamentais, princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, da CF), que não se constituem em normas desprovidas de vinculatividade.

Válido, a propósito, o que defende Juarez Freitas[2], no sentido de que:

Em outras palavras, não se deve aceitar que os objetivos fundamentais, os princípios e os fundamentos do Estado Democrático de Direito sejam confundidos com simples disposições isoladas e destituídas de qualquer vinculatividade para a hermenêutica jurídica. Decididamente, então, é de pugnar, nos limites do sistema e sem jamais atentar contra ele, pela completa superação da teoria e, principalmente da práxis, que vê as normas programáticas como sem significado jurídico, esposando-se uma visão material do dever normativo-concretizador, não apenas dos órgãos legiferantes, mas também dos órgãos aplicadores do Direito, que jamais deveriam abdicar desta função ou deste telos de dar vida ao Estado Democrático.

Não apenas isso, a interpretação constitucional, como aponta com propriedade Salo de Carvalho[3], deve atender a um processo de constitucionalização das leis:

É que a consolidação do modelo impositivista dogmático no direito (penal) induz à ignorância da força normativa da Constituição e à resignação com a aplicação mecânica das leis inferiores. Como consequência, obtém-se a manutenção da racionalidade legalista que provoca a dessubstancialização do direito, isto é, ao centrar sua análise na lei ordinária (fetichismo legalista), os aplicadores do direito mantêm eficazes normas isentas de conteúdo constitucional (inválidas materialmente), Desta forma, é comum perceber a ‘penalização’ da Constituição pela recusa do jurista ao processo de constitucionalização das leis.

A patologia que envolve o saber jurídico-penal é demonstrada com precisão por Luís Roberto Barroso: ‘(...) as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando automática e acriticamente a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo.’

Dessa forma, é possível afirmar a necessidade de novo processo secularizador no direito penal, não mais voltado à separação entre direito e moral e/ou direito e natureza (processo ainda inconcluso), mas, fundamentalmente, no sentido de conferir primazia aos valores e princípios,...

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