Acórdão nº 50060833820188210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50060833820188210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003602006
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006083-38.2018.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de imagem

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: GENECI LOPES DE ANDRADE (AUTOR)

APELADO: JORNAL DO POVO LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

GENECI LOPES DE ANDRADE interpõe recurso de apelação nos autos da Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenizatória ajuizada em desfavor de JORNAL DO POVO LTDA.

Adoto o relatório da sentença (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 19-26), que transcrevo:

GENECI LOPES DE ANDRADE ajuizou a presente ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória contra JORNAL DO POVO LTDA, ambas as partes qualificadas nos autos. Disse que no ano de 2018, teve conhecimento que na data de 25/02/2016, a ré publicou em destaque no jornal "O Povo" de grande circulação na região de Cachoeira do Sul/RS e em seu site da internet, uma matéria que vincula indevidamente seu nome e imagem ao tráfico de drogas. Referiu que tal fato trouxe transtornos e prejuízos à sua imagem, ocasionando danos morais suscetíveis de reparação. Discorreu acerca da legislação aplicável à espécie. Pediu, em tutela de urgência, a retirada do seu nome e imagem vinculadas à notícia publicada pela ré. Postulou pela procedência com a condenação da parte ré à indenização a título de dano moral, em valor não inferior a R$ 30.000,00. Postulou peia concessão da AJG e juntou documentos. Determinada a realização de audiência de conciliação, fis. 18/19. Realizada audiência de conciliação na fl. 26, restou acordado que o réu retirará a imagem da autora veiculada na reportagem divulgada em 25/02/2016, como postulado na inicial.

Citada, a parte ré contestou has fis. 43/56. Disse que a informação operou-se com base no apontamento policial, que constitui meio de informação, asserindo cunho informativo na notícia, sem qualquer juízo de opinião. Discorreu acerca da veracidade dos fatos publicados, mencionando que o filho da autora é conhecido das páginas policiais da imprensa de Cachoeira do Sul em razão do seu envolvimento com tráfico de drogas. Apontou que a denúncia promovida pelo Ministério Público contra a autora existiu e esta em trâmite na Vara Criminal da Comarca de Cachoeira do Sul. Rechaçou a pretensão indenizatória. Pugnou pela improcedência. Juntou documentos. Replicou a parte autora. Intimadas às partes acerca da produção de provas nas fis. 135/136, a autora pediu a elaboração testemunhai. Realizada audiência nas fls. 148/150, foi tomado o depoimento pessoal da autora e inquiridas duas testemunhas, sendo declarada encerrada a instrução. Oportunamente, apenas a parte ré apresentou memoriais nas fls. 151/155. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Ante 0 exposto jULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação indenizatória forte no art. 487, I, do CPC, para condenar a parte ré na obrigação de fazer consistente em retirar a imagem da autora, o que já restou cumprido nas fl. 32/36 e corrigir o nome veiculado reportagem objeto do feito, tendo em vista a denominação da denunciada na sentença prolatada no respectivo processo-crime (006/2.12.0000888-7), no prazo de 15 (quinze) dias, pena de incidência de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), consoante art. 497, combinado com o art. 537, § l^, ambos do CPC.

Dada a sucumbência recíproca, deverá cada uma das partes arcar com 50% das custas. Fixo os honorários advocatícios no valor de R$ 1.000, 00 (um mil reais), para cada procurador, forte no artigo 85, § 8^ do CPC, dada a singeleza da causa e o trabalho desenvolvido. Suspensa a exigibilidade da parte autora face à gratuidade da justiça concedida.

A parte autora recorre no evento 10. Em suas razões alega que o jornalista, sem conhecimento real dos fatos vinculou o nome e a foto de uma pessoa inocente ao crime de tráfico de drogas. Diante disso, afirma que tal situação não pode ser considerada cotidiana, ultrapassando o mero aborrecimento e o simples dissabor. Ainda, menciona que a apelada não disponibilizou qualquer suporte, nem corrigiu o erro, sendo necessário o ingresso judicial para a correção do dano sofrido. Dessa forma, requer seja o recurso julgado totalmente procedente para reformar totalmente a sentença de primeiro grau, para que a ação seja julgada procedente ao pedido de danos morais, condenando a ré a pagar indenização em valor não inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Por fim, em caso de procedência do recurso, que seja o apelado condenado no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na forma da lei.

O recurso foi contra-arrazoado no evento 15. Assevera que em nenhum momento houve abuso do direito de informar ou qualquer espécie de sensacionalismo por ocasião da divulgação dos fatos, eis que o apelado tão somente transcreveu o que fora informado pelos órgãos ministerial e de segurança pública. Argumenta que no exercício do direito/dever da imprensa de deixar a população a par de fatos policiais, o apelado nada mais fez do que obter informações constantes do inquérito policial que instruiu o processo crime em apreço, que tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeira do Sul/RS, sob o nº 006/2.16.0000888-7. Nesse sentido, justifica que não houve qualquer juízo de valor emitido em desfavor da apelante, que foi vítima de equívoco da autoridade policial.

Dispensado de preparo o recurso, por litigar com o benefício da Gratuidade da Justiça, vieram os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.

Registro que foi observado o disposto no Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenizatória, que com a parcial procedência dos pedidos na origem, a parte autora pugna, neste grau recursal, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em razão da publicação de matéria jornalística que vinculava, indevidamente, seu nome a um crime.

Pois bem.

O presente caso trata de direito de imagem versus direito da liberdade de imprensa.

De início, cumpre ressalvar que a Constituição Federal destaca a importância do direito à imagem, como primado do Estado Democrático, conforme infere-se dos seguintes dispositivos constitucionais:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIV - e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Segundo a doutrina, o direito à imagem consiste no direito que a pessoa tem de impedir que outrem utilize, sem seu consentimento, aquilo que se caracteriza como sua "expressão externa", consubstanciada no "conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam"1.

Ao tratar do direito à imagem, Carlos Alberto Bittar2 leciona: "isso se conforma à própria natureza do direito em tela, que se relaciona à faculdade que a pessoa tem de escolher as ocasiões e os modos pelos quais deve aparecer em público. Baseia-se, como os demais direitos dessa ordem, no respeito à personalidade humana, tendo sua origem histórica no denominado ‘right of privacy’, evitando-lhe exposições públicas não desejadas. Mas, com a evolução, acabou por assumir contornos próprios, envolvendo a defesa da figura humana em si, independentemente do local em que se encontra, consistindo, em essência, no direito de impedir que outrem se utilize - sem prévia e expressa anuência do titular, em escrito revestido das formalidades legais - de sua expressão externa, ou de qualquer dos componentes individualizadores ".

De forma muito sintética, por outro lado, podemos dizer que contrapõe-se ao direito à imagem, o direito à liberdade de imprensa, o qual é respaldado no artigo 220 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

É verdade que, em razão da convivência em sociedade cada vez mais intensa, exsurgem conflitos entre os princípios constitucionais. Assim, estamos diante da necessidade de ponderação de princípios em colisão.

Aliás, as matérias abordadas neste recurso, tal qual o dizer do Min. Dias Tóffoli no julgamento da ARE 833248 RG/RJ, apresentam nítida densidade constitucional, uma vez que abordam tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de status constitucional: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a...

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