Acórdão nº 50063423320188210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50063423320188210039
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002030974
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5006342-33.2018.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Viamão/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra THIEGO DA SILVA SARTORI, nascido em 06/12/1987, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, e art. 329, caput, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal.

Narra a peça acusatória (3.1, fls. 02/04), in verbis:

1° FATO:

Em horário, local e circunstâncias não esclarecidas nos autos, mas no dia 13 de setembro de 2018, entre as 22h45min e as 23h45min, na Rua Wenceslau, n° 265, via pública, Santa Isabel, em Viamão, o denunciado Thiego da Silva Sartori, adquiriu, recebeu e conduziu, em proveito próprio, 01 (um) veículo GM/CORSA WIND, cor prata, ano/modelo 1995/1995, placas BTP1480, pertencente a Djonatan Pinto da Rocha, sabendo tratar-se de produto de crime.

2° FATO:

No dia 13 de setembro, por volta das 23h45min, na Rua Wenceslau, n° 265, Santa Isabel, em Viamão, o denunciado Thiego da Silva Sartori, opôs-se à execução de ato legal mediante violência e grave ameaça ao policial militar Diogo dos Santos Ferreira.

Na ocasião do fato delituoso, a guarnição estava em patrulhamento, quando avistaram o veículo supramencionado trafegando na via com os faróis desligados e em alta velocidade.

Ato contínuo, os policiais deram ordem de parada ao veículo, o qual não obedeceu e empreendeu fuga.

Ao parar o automóvel, o acusado desceu e tentou novamente fugir, entretanto, foi alcançado pelo Policial Militar Diogo, momento em que ofereceu resistência à prisão, empregando violência física e entrando em luta corporal com o agente de segurança.

Enquanto era feita a sua abordagem, a guarnição recebeu o aviso de que o veículo estava em ocorrência de furto (Oc. N° 11033/2018/100464).

Em razão disso, o denunciado foi preso em flagrante e encaminhado à Delegacia de Polícia para lavratura do auto.

Preso em flagrante delito, viu, o constrito, homologado o respectivo auto e concedida a liberdade provisória (3.1, fl. 27).

Recebida a denúncia em 19/10/2018, o réu foi citado e, por intermédio de Defensora Pública, apresentou resposta à acusação (3.2, fls. 32, 35 e 40).

Ausente hipótese de absolvição sumária, o feito prosseguiu com a inquirição das testemunhas e, ao final, interrogatório do réu (3.2,, fl. 50, e 3.3, fls. 01/04 e 16/20).

O Ministério Público e a defesa apresentaram seus memoriais (3.3, fls. 27/33 e 35/41, respectivamente).

Em 29/11/2019, sobreveio sentença (3.3, fls. 44/50, e 3.4, fls. 01/06), julgando procedente a ação penal para condenar o réu por incurso nas sanções do art. 180, caput, e art. 329, caput, na forma do art. 69, todos do Código Penal, às penas de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e 20 (vinte) dias-multa, à razão mínima. Suspensa a exigibilidade do pagamento das custas processuais.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação. Em razões recursais, arguiu preliminarmente a nulidade da instrução criminal por cerceamento de defesa, violado o direito de presença do acusado, na medida em que não intimado para a audiência em que ouvidas as testemunhas de acusação. Aponta a existência de prejuízo, já que não pode o réu tomar conhecimento das imputações que lhe são feitas por um agente da lei, tampouco pode o Defensor ter conhecimento da versão do acusado para pode inquirir as testemunhas da maneira mais adequada a defesa. No mérito, postulou a reforma da sentença, apregoando o desconhecimento do apelante acerca da origem espúria do automotor. Ademais, aduziu a insuficiência do relato policial para ensejar o decreto condenatório, na medida em que tal prova pode estar "contaminada" por atos de perseguição ou sentimentos de ordem pessoal entre as partes envolvidas. Subsidiariamente, requereu a desclassificação da conduta para a modalidade culposa do delito e o afastamento ou redução da pena de multa (3.4, fls. 09/16).

Apresentadas as contrarrazões (3.4, fls. 19/34) e intimado o réu do veredicto (3.4, fls. 36/37), vieram os autos remetidos a esta Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo improvimento do recurso, corrigindo-se a sentença no ponto em que procedeu à equivocada soma das penas de detenção e reclusão (7.1).

Conclusos os autos para julgamento.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, sendo observado o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS e no art. 609 do Código de Processo Penal.

É relatório.

VOTO

O voto, adianto, vai no sentido de desacolher a preliminar recursal, provendo-se, em parte, no mérito, o apelo defensivo.

Da preliminar de nulidade.

Alega, a defesa, em preliminar, a nulidade da instrução criminal, haja vista a falta de intimação do apelante acerca do aprazamento da solenidade na qual inquiridas testemunhas de acusação, caracterizado, assim, o cerceamento de defesa.

O direito de presença do réu em audiência de instrução e julgamento decorre do princípio constitucional da ampla defesa, garantindo ao imputado estar fisicamente, de forma direta ou remota, na colheita da prova, dela tomando conhecimento e podendo atuar junto a seu defensor para a formulação de questionamentos.

Lado outro, constatado vício, faz-se imprescindível, para declaração da nulidade, a demonstração de efeitos deletérios à defesa. Nessa esteira, Os Tribunais Superiores firmaram posicionamento no sentido de que a nulidade apenas será considerada causa determinante para o refazimento do ato se houver comprovação do prejuízo sofrido, obedecendo, em linhas gerais, às determinações da legislação penal em vigor, segundo a qual é imprescindível, quando se trata de alegação de nulidade de ato processual, a demonstração do prejuízo sofrido, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, consagrado pelo legislador no art. 563 do Código de Processo Penal, o que, na hipótese, não ficou demonstrado (AgRg nos EDcl no HC 619.245/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021).

Na casuística, apesar de expedido mandado de intimação (3.3, fls. 06/07), o acusado Thiego, de fato, não restou intimado para a audiência realizada no dia 10/07/2019. Na solenidade, a defesa insurgiu-se quanto à oitiva das testemunhas Pablo Gomes e Diogo Ferreira, policiais militares arrolados pela acusação, manifestação não acolhida pelo Juízo, sob o argumento de que a presença do réu em audiência é meramente passiva, inerte, além de o argumento defensivo ser apenas genérico, não apontando prejuízo concreto ao exercício da ampla defesa ou do contraditório (3.2, fls. 50).

Em sede de razões recursais, novamente a defesa não logrou explicitar os desdobramentos desfavoráveis ao réu em virtude de sua ausência na audiência de instrução. Os contornos fáticos aventados pelos policiais já eram conhecidos desde o inquérito policial e os depoimentos colhidos na presença da defesa estão integralmente presentes nos autos, de modo que o réu pode deles tomar pleno conhecimento. Relativamente à contribuição do apelante aos questionamentos formulados pelo defensor, infere-se ser alegação genérica.

Nessa senda, consagrado o princípio pas de nullité sans grief, disposto no art. 563 do Código de Processo Penal, a nulidade resta obstada pela ausência de comprovação de efetivo prejuízo para a defesa.

A propósito, colaciono precedentes deste Órgão Fracionário e do Superior Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO-CRIME. FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. CONCURSO DE AGENTES. 1. PRELIMINARES. NULIDADE DO PROCESSO. DECRETO DE REVELIA. Acertada a decretação da revelia do denunciado, na medida em que, pessoalmente intimado, não compareceu à audiência designada para realização de seu interrogatório, tendo o processo seguido sem a sua presença. Art. 367 do CPP, primeira parte, que permite o prosseguimento do feito quando o acusado, sem motivo justificado, deixar de comparecer a qualquer ato para o qual fora pessoalmente intimado. O simples fato de o acusado ser assistido pela DPE e residir em comarca diversa do juízo de origem não torna presumível a sua impossibilidade de comparecimento à instrução, cabendo ao inculpado a justificação da ausência processual, o que inocorreu no caso, o réu, pelo contrário, manifestando desinteresse no feito, recusando firmar a sua intimação pessoal. Nulidade inocorrente. PROVA EMPRESTADA. Possível a utilização de prova produzida em outro processo, desde que a defesa tenha vista da juntada e oportunidade de manifestação, perfectibilizando-se o contraditório. Precedentes do E. STJ. Hipótese na qual a defesa ataca a juntada aos autos da íntegra de processo relativo a crime de roubo triplamente majorado ocorrido pouco antes do furto em exame, pelo qual o réu restou definitivamente condenado. Compartilhamento de provas decorrente da circunstância de que, no curso das investigações do crime de roubo (praticado no Município da Garibaldi/RS), veio à tona envolvimento dos agentes no furto a estabelecimento comercial praticado em São Valentim do Sul/RS, pelo que, depois de prolatada sentença condenatória com relação ao roubo, foi extraída cópia integral dos autos do processo, originando-se o presente feito, o Ministério Público, na sequência, oferecendo a denúncia pelo furto a estabelecimento. Defesa que teve pleno acesso e ampla oportunidade de manifestação sobre os depoimentos e documentos colhidos no processo trasladado, acostados desde o oferecimento da denúncia. Ademais,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT