Acórdão nº 50063864320228210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50063864320228210029
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003137019
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006386-43.2022.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: GASPARINA FREITAG DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO BMG S.A. nos autos da ação revisional ajuizada por GASPARINA FREITAG DOS SANTOS em face da sentença que assim dispôs (Evento 23):

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo à taxa média de mercado à época da contratação, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais), nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

Opostos embargos de declaração (Evento 26), estes foram desacolhidos (Evento 29).

Em suas razões recursais (Evento 35), a parte ré destaca a ausência de vício na contratação apto a ensejar a possibilidade de revisão contratual. Ressalta que no ato da celebração do contrato foi apresentada minuta contendo todos os encargos pactuados devidamente discriminados. Refere que não há um limitador para as taxas de juros remuneratórios pactuadas nos contratos. Pugna pela manutenção dos juros remuneratórios contratados. Enfatiza que não merece prosperar a alegação da parte autora de que o contrato se tornou abusivo em razão da cobrança de juros remuneratórios superiores à taxa média do Bacen para as operações da espécie. Assevera a impossibilidade de utilização da taxa média do Bacen sobre o contrato de empréstimo pessoal, pois esta constitui apenas um parâmetro. Caso seja mantida a condenação à restituição de valores, requer que o termo inicial dos juros de mora e da correção monetária seja a data do julgamento em que foi arbitrada a indenização, nos termos do disposto na Súmula 362 do STJ. Alternativamente, requer que os juros de mora incidam desde a data da citação. Pede, ao final, o provimento do recurso. Postula, ainda, pelo recebimento do apelo com efeito suspensivo, nos termos do artigo 1012 do CPC.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 45).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 35 é tempestiva, uma vez que o prazo recursal iniciou em 04/10/2022 e findou em 25/10/2022 (Evento 30) e o recurso foi interposto em 25/10/2022. Quanto ao preparo, o recolhimento deste restou comprovado, em dobro, no Evento 26 – CUSTAS1.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão os seguintes contratos:

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 2380684, firmado em 06/08/2020, no valor de R$ 1.110,00, com previsão de juros remuneratórios de 18% ao mês e 649,17% ao ano (Evento 1 – CONTR9).

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 2624799, firmado em 20/10/2020, no valor de R$ 548,17, com previsão de juros remuneratórios de 18% ao mês e 649,14% ao ano (Evento 1 – CONTR8).

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 4069848, firmado em 09/12/2021, no valor de R$ 1.236,96, com previsão de juros remuneratórios de 13,6% ao mês e 371,86% ao ano (Evento 1 – CONTR7).

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 4354411, firmado em 23/02/2022, no valor de R$ 359,36, com previsão de juros remuneratórios de 17% ao mês e 575,31% ao ano (Evento 1 – CONTR6).

1. REVISÃO DOS CONTRATOS.

A revisão judicial dos contratos em comento é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

Encontra-se arraigado na Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXV), dispositivo que assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte.

Em se tratando de relação de consumo, esta intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do art.5º da Carta Magna, e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no art. 51 da Lei Consumeirista.

Nesse prisma, eventualmente constatada a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra, adequada e pertinente a intervenção do Poder Judiciário para adequá-las ao ordenamento jurídico vigente.

2. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posiciona-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, afastou a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596 do STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ, por intermédio da Súmula 382, sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

Nesse sentido, já decidiu esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL Nº 1210274873, CELEBRADO EM 27/04/2017, NO VALOR DE R$ 3.522,05. ENCARGOS DA NORMALIDADE JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA N. 1.061.530/RS E N. 1.112.879/PR. AFINADO A ISSO, O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA É DE QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DEVE SER LIMITADA SOMENTE QUANDO FOR SUPERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO REGISTRADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO E EM CONFORMIDADE COM A RESPECTIVA OPERAÇÃO, SOMADA DO PERCENTUAL DE 30% (TRINTA POR CENTO), TIDO COMO A MARGEM TOLERÁVEL. NO CASO, ASSISTE RAZÃO À PARTE AUTORA COM RELAÇÃO À TAXA ADEQUADA À OPERAÇÕA PRESENTE NO CONTRATO ORA REVISANDO. DESSE MODO, CONSIDERANDO QUE AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONSTANTES NO CONTRATO REVISANDO FORAM PACTUADAS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, AINDA QUE ACRESCIDA DA MARGEM DE 30% UTILIZADA COMO PARÂMETRO POR ESTA CÂMARA, TEM-SE COMO CARACTERIZADA A ALEGADA ABUSIVIDADE. CABÍVEL, POIS, A PRETENSÃO DE REDUÇÃO DOS JUROS, DEVENDO SER APLICADA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO (20743 E 25465 - TAXA MÉDIA MENSAL E ANUAL DE JUROS DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES - PESSOAS FÍSICAS - CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO VINCULADO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS), E NÃO A TAXA DE 8,48% ESPECIFICADA NA SENTENÇA. NO PONTO, RECURSO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EM SE TRATANDO DE AÇÃO REVISIONAL DE CUNHO DECLARATÓRIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO PODEM SER ARBITRADOS PELO VALOR DA CONDENAÇÃO E TAMPOUCO SOBRE O VALOR DA CAUSA, MAS SIM DE FORMA EQUITATIVA. ADEMAIS, TAMPOUCO É O CASO DE MAJORAÇÃO, COMO PRETENDE A AUTORA, POIS ARBITRADOS DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DESTA CÂMARA EM CASOS SIMILARES. NO PONTO, APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50364904420188210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 15-12-2021) (grifei)

Cumpre mencionar que a apuração da abusividade dos juros remuneratórios é verificada pela taxa média de mercado registrada pelo BACEN, como já acima referido, somada a esta o percentual de 30% (trinta por cento), tido pela Câmara como margem tolerável.

Cito:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL. - Juros remuneratórios. A aplicação de taxa substancialmente superior à média de mercado divulgada pelo BACEN (30% acima, conforme entendimento desta Câmara) é abusiva, sendo passível de limitação à referida taxa média. Na hipótese, há abusividade dos juros contratados, devendo ser mantida limitados à taxa média de mercado para as operações de crédito pessoal não consignado, e não à taxa de crédito pessoal total pretendida. Desprovido no ponto. - Honorários advocatícios. Os honorários advocatícios devem ser majorados para adequarem-se aos parâmetros adotados pela Câmara em casos semelhantes. Provido no tópico. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50015250920208210021, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 15-12-2021)(grifei)

Feitas essas considerações, passo ao exame...

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