Acórdão nº 50066070220218210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50066070220218210016
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003262318
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006607-02.2021.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A (RÉU)

APELADO: DOUGLAS PICCOLI (AUTOR)

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por ALLIANZ SEGUROS S/A em face da sentença (evento 46, SENT1) que, nos autos desta ação de indenização securitária movida por DOUGLAS PICCOLI, julgou procedente a demanda.

Adoto o relatório da sentença:

Douglas Piccoli ajuizou Ação de Indenização contra Allianz Seguros S/A, qualificados.

Disse que é agricultor e exerce suas atividades junto com o pai e o irmão na propriedade familiar localizada na Vila Coimbra, interior de São Miguel das Missões. Firmou contrato de seguro com a ré, tendo como objeto os equipamentos agrícolas da propriedade, apólice nº 517720216R620000397. Em 15 de maio de 2021 ocorreu furto na propriedade, subtraídos equipamentos da colheitadeira John Deere segurada, como antenas de GPS, monitores de GPS modelo GS3 e GS4. Negada a indenização, pois não coberto furto parcial, mas apenas total, sendo cláusula nula. O menor orçamento para reposição das peças furtadas é de R$ 135.199,08. Requereu a declaração de nulidade da cláusula contratual e condenação da ré a indenizar o valor indicado.

Na contestação, a ré alegou que havia exclusão de cobertura relativamente a furto parcial, sendo o caso dos autos. Requereu a improcedência.

Houve réplica.

Na instrução, inquiridas duas testemunhas. Ocorreu debate oral.

Vieram-me os autos conclusos.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

ISSO POSTO, julgo procedente o pedido feito por Douglas Piccoli nesta Ação de Indenização ajuizada contra Allianz Seguros S/A, para o fim de condenar a ré a pagar ao autor o valor de R$ 135.199,08, atualizado monetariamente pelo IPG-m e acrescido de juros de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação, pelo trabalho realizado, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Opostos embargos de declaração pela ré (evento 42, EMBDECL1), estes foram parcialmente acolhidos, nos seguintes termos (evento 46, SENT1):

Vistos.

Acolho os embargos declaratórios apresentados somente para corrigir o erro material constante na decisão a fim de esclarecer que o valor da condenação será atualizado monetariamente pelo IGP-M.

As demais cominações da sentença permanecem inalteradas.

Eventual revisão do julgado deverá ser postulada por meio do recurso adequado.

Intimem-se.

Diligências legais.

Em suas razões recursais (evento 54, APELAÇÃO1), a parte ré insurge-se contra o julgamento de procedência da ação. Afirma que o corretor que intermediou a contratação admitiu não ter conhecimento das condições gerais do seguro e que não as disponibilizou para o segurado. Argumenta ter agido de boa-fé, não podendo ser responsabilizada por falha de terceiro. Discorre acerca da responsabilidade do corretor, mencionando os artigos 722 e 723 do Código Civil, o artigo 1º da Lei 4.594/65 e o artigo 126 do Decreto-lei 73/66. Alega que é dever do corretor prestar assessoria técnica desde o momento da contratação da apólice até o término de sua vigência. Assevera que há cobertura somente para furto total da colheitadeira e que há expressa exclusão para furto parcial, conforme a Cláusula 10, item 10.1, letra "y". Sustenta ter cumprido o dever de informação, alegando que as condições gerais foram entregues ao segurado e que, por conseguinte, a cláusula que exclui furto parcial não pode ser considerada abusiva. Tece comentários a respeito do contrato de seguro e do equilíbrio dos contratos. Defende que o contrato está de acordo com a legislação consumerista e que a inclusão de cláusulas restritivas em contratos de adesão é permitida pelo artigo 54, §§ 3º e 4º do CDC. Salienta ser indevida a inversão do ônus da prova. Destaca que, em caso de manutenção da condenação, por se tratar de indenização securitária com base em contrato, os juros devem incidir desde a citação. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram as contrarrazões da parte autora, nas quais suscita preliminar de não conhecimento da apelação interposta pela ré por inovação recursal (evento 57, CONTRAZAP1).

Intimada, a parte ré manifestou-se a respeito da preliminar (evento 8, PET1).

Vieram os autos conclusos.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, todos os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Inicialmente, tenho que a preliminar de não conhecimento do recurso por inovação recursal deve ser rejeitada. Isso porque, diferentemente da argumentação exposta pela parte autora, a parte ré veio a conhecer dos fatos relatados pelo corretor de seguros, que foi ouvido na qualidade de testemunha, somente quando da realização da audiência. Dessa forma, o momento processual oportunizado à ré para fins de exercer o contraditório e a ampla defesa quanto ao tema se deu após a prolação da sentença.

Dito isso, o recurso deve ser conhecido, pois preencheu os requisitos de admissibilidade, tendo sido tempestivamente interposto e estando comprovado o recolhimento do preparo (evento 54, COMP3).

No mérito, como ponto de partida, é importante destacar que, na lição de Sergio Cavalieri Filho (in “Programa de Responsabilidade Civil”, 12ª Edição. Ed. Atlas, São Paulo, 2015, p. 537), temos a conceituação do contrato de seguro:

Contrato por meio do qual o segurador, mediante recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de pagar-lhe uma determinada indenização, prevista no contrato, caso o risco a que está sujeito se materialize em um sinistro. Segurador e segurado negociam as consequências econômicas do risco mediante a obrigação do segurador de repará-las. (…) Enfim, o interesse legítimo do segurado, verdadeiro objeto do seguro, é a segurança, a tranquilidade, a garantia de que, se os riscos a que está exposto vierem a se materializar em um sinistro, terá condições econômicas de reparar as suas consequências.

Ainda, a hipótese é de relação de consumo, restando englobada na definição de serviço a atividade de consumo securitária, com fulcro no §2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista

Aliás, importante destacar que ainda que o produtor rural não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatário final do serviço securitário, é possível aplicar as disposições do Código de Defesa do Consumidor, porque configurada situação de vulnerabilidade deste em relação à seguradora ré.

Ainda, a mitigação da teoria finalista na interpretação do conceito de consumidor e, portanto, a possibilidade de incidência do CDC, quando comprovada a hipossuficiência da parte, é aplicada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. EXISTÊNCIA. APLICABILIDADE DO CDC. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. VULNERABILIDADE VERIFICADA. REVISÃO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A Segunda Seção desta Corte consolidou a aplicação da teoria subjetiva (ou finalista) para a interpretação do conceito de consumidor. No entanto, em situações excepcionais, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja propriamente a destinatária final do produto ou do serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade ou submetida a prática abusiva. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem, com base nos elementos de prova, concluiu pela vulnerabilidade do agravado em relação à agravante. Alterar esse entendimento é inviável em recurso especial a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AResp 415244 S/C, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 07-05-2015)

DIREITO COLETIVO E DIREITO DO CONSUMIDOR. ASSOCIAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RENEGOCIAÇÃO DE DÉBITOS ORIUNDOS DE CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. (...) 6. É torrencial a jurisprudência do STJ reconhecendo a incidência do Código do Consumidor nos contratos de cédula de crédito rural. 7. O próprio CDC estabelece (art. 52) que a outorga de crédito ou concessão de financiamento caracteriza típica relação de consumo entre quem concede e quem o recebe, pois o produto fornecido é o dinheiro ou crédito, bem juridicamente consumível. 7. A norma que institucionaliza o crédito rural (Lei n. 4.829/1965) estabelece como um dos objetivos específicos do crédito rural (art. 3°) é o de "possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios" (inciso III) e o de "incentivar a introdução de métodos racionais de...

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