Acórdão nº 50066289320218210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 31-05-2022

Data de Julgamento31 Maio 2022
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50066289320218210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002025466
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006628-93.2021.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Ensino Fundamental e Médio

RELATORA: Desembargadora HELENA MARTA SUAREZ MACIEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por M.D.A.R., menor sob representação, contra sentença proferida nos autos da ação que promove face ao MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL.

O dispositivo da sentença atacada foi redigido nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por M.D.A.R. na presente ação de obrigação de fazer, ajuizada contra o MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, forte no art. 487, I, do CPC, revogando os termos da decisão que concedeu parcialmente a liminar no evento E1-OUT3.

Sem custas, por disposição legal. Condeno a autora ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do Município, que fixo em R$ 400,00 (quatrocentos reais). Suspendo a exigibilidade da condenação em razão da gratuidade judiciária, que por ora defiro.

Publicação, registro e intimação pela via eletrônica.

Com o trânsito em julgado, baixe-se.

A parte autora, em sede de apelação, defendeu fazer jus à vaga em turno integral, já que a genitora trabalha em turno integral. Reportou-se a entendimento jurisprudencial a fim de embasar a sua tese. Solicitou o prequestionamento das questões trazidas à baila. Ao final, pugnou pelo provimento do apelo, objetivando a procedência da demanda (evento 61).

A parte apelada apresentou contrarrazões (evento 66).

O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opinou pelo parcial provimento do apelo (evento 11).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

A interposição dos recursos está adstrita aos pressupostos de admissibilidade, os quais se dividem em extrínsecos e intrínsecos. Por conseguinte, devidamente preenchidos os referidos requisitos, conheço do recurso e passo à análise do mérito.

Impõe-se reconhecer que o direito ora pleiteado – direito à educação - se trata de direito fundamental social, disposto tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional. Assim se extrai da redação da Lei Maior (artigo 6°) e da Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9.394/96 (artigos 4°, II e 11, V):

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”

“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;”

“Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.”

O direito à educação é garantido constitucionalmente, consoante se extrai da redação dos artigos 205, 208, IV, e 227, caput, da Constituição Federal1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, na mesma senda, preconiza o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente o acesso a todos os níveis de ensino, inclusive, à educação infantil, senão vejamos:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: (...)”

“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;

V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.” (grifei)

A educação se organiza, conforme se extrai da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/96 – nas modalidades básica e superior, sendo a primeira destinada a crianças e adolescentes. Com efeito, a educação das crianças deve iniciar-se pela educação infantil, necessária e indispensável ao desenvolvimento integral da capacitação dos infantes, restando vedado ao ente público impedir o acesso a esse primeiro estágio de ensino.

Não se pode, ademais, olvidar que os genitores possuem o dever de proceder à inserção de seus filhos na escola, conforme prevê a dicção legal do artigo 552do ECA e do artigo 6º3 da Lei de Diretrizes Básicas. Entretanto, é cediço que nem todos os pais dispõem de meios financeiros para assegurar o cumprimento de tais previsões normativas.

Nessa conjuntura, aporta a obrigação dos entes públicos, prevista no artigo 211 da Constituição Federal, devendo cada um deles observar suas áreas de atuação: a União, responsável pelo ensino superior; o Estado, prioritariamente pelos ensinos fundamental e médio e, por fim, o Município, que possui atuação prioritária na educação infantil e no ensino fundamental.

A educação infantil, âmbito no qual se insere o objeto da controvérsia trazida à baila na presente demanda, se encontra regulamentada nos artigos 29 e 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e contempla o atendimento a crianças até cinco anos de idade, in verbis:

“Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I - - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.”

A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em desfavor do Município de Caxias do Sul no ano de 2007, então objetivando a criação de 2.242 novas vagas em escolas de educação infantil, em quatro anos, sem prejuízo do aumento natural da demanda de alunos, foi julgada improcedente pelo juízo singular e por esta Corte4.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. º 1.198.737/RS, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, por decisão monocrática, deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, julgando procedente o pedido da ação coletiva, em outubro 2010, nos seguintes termos:

“(...)

Conclui-se, portanto, que o Tribunal de origem contrariou os dispositivos do ECA que asseguram o direito subjetivo dos menores à educação infantil, nos termos da jurisprudência do STJ e do STF, devendo ser reformada a sentença.

Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao Recurso Especial.”

Esta decisão foi mantida por sua Segunda Turma quando do enfrentamento do respectivo agravo interno5 não tendo seguimento no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário ofertado pelo ente municipal (registrado sob o n.º 647.471), por decisão monocrática da lavra do Ministro Ayres Britto, de dezembro de 2011.

No caso em exame, com efeito, a criança possui idade apropriada para o pleito (nascimento em 22/02/2018 evento 1, OUT2, fl. 02), isto é, restou demonstrada idade adequada para o ingresso na educação infantil quando do ajuizamento da ação, restando comprovada, ainda, a hipossuficiência financeira da sua família (evento 1, OUT2, fls. 12/13).

Destarte, compete ao Município assegurar o direito fundamental do menor de frequentar a creche. A jurisprudência, tanto superior como desta Corte, é firme no sentido de avalizar o direito fundamental nesse sentido - tocante à educação infantil, senão vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGA PARA CRIANÇAS EM CRECHE. ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE PROVAR A EXISTÊNCIA DE VAGA. LESÃO CONSUBSTANCIADA NA OFERTA INSUFICIENTE DE VAGAS. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 2. O direito de ingresso e permanência de crianças com até seis anos em creches e pré-escolas encontra respaldo no art. 208 da Constituição Federal. Por seu turno, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu art.11, V, bem como o ECA, em seu art. 54, IV, atribui ao Ente Público o dever de assegurar o atendimento de crianças de zero a seis...

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