Acórdão nº 50067638120168210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 11-03-2022

Data de Julgamento11 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50067638120168210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001455514
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006763-81.2016.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Produto Impróprio

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)

APELADO: LOY SIDENEI ALMERON (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CREFISA S.A. - CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação de revisão contratual nº. 5006763-81.2016.8.21.0010, movida por LOY SIDENEI ALMERON.

O dispositivo da sentença está assim redigido (evento 3 - 4, fl. 108, da origem):

Ante o exposto, tornando definitiva a liminar, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, limitando os juros remuneratórios a taxa de média de mercado do Bacen de 48,85% ao ano, bem como proibindo a cobrança cumulada da comissão de permanência em índice superior aos juros remuneratórios da normalidade com correção monetária, juros moratórios e multa e autorizando a compensação e a repetição do indébito na forma simples.

Ipso facto, condeno a ré ao pagamento de 50% das despesas processuais e a parte autora ao pagamento do percentual restante da referida verba (50%). Condeno a ré a pagar honorários à parte autora, que, considerando a natureza e importância da demanda, bem como o grau de zelo e o trabalho realizado, fixo em R$ 1.200,00, atualizados de hoje até o efetivo pagamento pelo IGP-M(FGV), com juros moratórios de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado desta sentença, com base no artigo 85, §§ 2.º, 8.º e 16, do CPC. Com base nos mesmos critérios antes declinados, condeno a parte autora a pagar honorários aos procuradores da ré, que fixo no mesmo valor, prestações que restam suspensas em face da AJG (art. 98, § 3.º, do CPC). Vai vedada a compensação, nos termos do § 14 do art. 85 do CPC.

Transitada em julgado, e satisfeitas eventuais despesas processuais remanescentes, arquivem-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte apelante, CREFISA S.A. - CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, em suas razões recursais, sustenta que o contrato deve ser cumprido, respeitada a autonomia dos contratantes.

Aduz a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios pela taxa do BACEN, para a modalidade de empréstimo contratado. E, para tanto, faz uma longa narrativa sobre a possibilidade de aplicação de juros diferenciados para os casos de grande inadimplência, mencionando da autorização do Conselho Monetário para a aplicação de juros livres.

Cita que os encargos moratórios devem ser afastados, em virtude da inadimplência da parte contrária para com as parcelas as quais se comprometeu a quitar, não havendo qualquer irregularidade sobre as mesmas.

Postula que "na remota hipótese de ocorrer a limitação dos juros incidentes no contrato que seja observada" a taxa média de contrato de crédito pessoal não consignado, eis que a sentença analisou como "operação com relação a composição de dívidas".

Requer o provimento do apelo.

Houve preparo (evento 3 - 5, fl. 127, da origem).

Contrarrazões apresentadas (evento 3 - 5, fl. 131, da origem), sem inovar no debate.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois adequado e tempestivo.

RELAÇÃO CONTRATUAL.

Houve a revisão do seguinte contrato de empréstimo pessoal celebrado entre os litigantes:

- Contrato de crédito pessoal nº. 030900018281, firmado em 23.04.2015, com juros remuneratórios de 987,22% ao ano (evento 3 - 1, fl. 23, da origem).

Da decisão, apela a instituição financeira demandada.

Enfrento as teses, de forma destacada.

PRELIMINAR.

TAXA DE JUROS APLICÁVEL

A preliminar acerca da taxa de juros remuneratórios a ser utilizada no caso concreto confunde-se com o mérito da lide e com ele será analisado.

Preliminar prejudicada.

MÉRITO

POSSIBILIDADE DE REVISÃO.

É perfeitamente possível a revisão de contratos bancários, com base no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo 3º) - seguindo esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça -, uma vez que essa Lei é aplicável aos negócios jurídicos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços.

Trata-se, portanto, de um direito da parte revisar os pactos que firmou com o banco requerido, quando entende que as cláusulas contratuais se demonstram onerosas ou excessivas.

Trata-se de direito fundamental garantido na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inc. XXXV.

JUROS REMUNERATÓRIOS.

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E, disso, derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de...

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