Acórdão nº 50067847220218210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50067847220218210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002197203
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006784-72.2021.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: UNIMED ERECHIM-COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE LTDA (RÉU)

APELADO: MAITE BARETIERI ALVES DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposta por UNIMED ERECHIM-COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE LTDA, nos autos desta ação de obrigação de fazer que lhe move MAITE BARETIERI ALVES DOS SANTOS, contra a sentença de Evento 36 do processo originário, em que julgada procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos.

MAITÊ BARETIERI ALVES DOS SANTOS, já qualificada nos autos, ajuizou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM TUTELA DE URGÊNCIA em desfavor de UNIMED ERECHIM-COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE LTDA, igualmente qualificado. Aduziu, em suma, que é portadora de LEUCEMIA LINFOBLÁSTICA AGUDA, necessitando urgentemente do medicamento MABTHERA – RITUXIMABE 500mg. Afirmou serem necessárias 3 sessões para aplicação do protocolo/tratamento completo, sendo que a fórmula não faz parte dos elencos de medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Referiu não ter condições de arcar com o pagamento de referido medicamento por se tratar de fórmula de alto custo, totalizando R$ 9.164,40,. Asseverou ter solicitado autorização para realizar o tratamento com o apoio do plano de saúde réu, do qual a requerente é beneficiária, porém teve o pedido administrativo indeferido. Requereu, assim, o julgamento procedente do pedido, para o fim de ser fornecido o medicamento necessário para seu tratamento, inclusive em sede de tutela de urgência. Rogou pelo benefício da Gratuidade da Justiça. Juntou documentos (Evento 1).

Recebida a inicial, foi deferido o benefício da Gratuidade da Justiça à parte autora, deferida a tutela de urgência e determinada a citação (Evento 3).

A pate requerente informou o cumprimento da medida liminar pela requerida (Evento 21).

Citada, a parte ré apresentou contestação (Evento 22), alegando que a negativa ao pedido de fornecimento do medicamento decorreu da inexistência de cobertura contratual, uma vez que o medicamento solicitado se trata de protocolo experimental e sem previsão em bula (uso off label). Referiu que não se discute a necessidade da autora em utilizar a referida medicação, porém tal não determina seja de responsabilidade da ré arcar com os custos, uma vez que no contrato firmado entre as partes, composto de cláusulas claras, definidas livremente, restaram estabelecidos direitos e deveres, obrigando-se a Operadora, ora ré, a garantir todas as coberturas que assegurou, e a beneficiária, por sua vez, a solicitar exclusivamente o que contratou. Pugnou pelo julgamento improcedente dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 26).

Intimadas as partes sobre o interesse na produção de outras provas, ambas requereram o julgamento do feito (Eventos 32 e 34).

Vieram os autos conclusos para sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente demanda ajuizada por MAITÊ BARETIERI ALVES DOS SANTOS em face de UNIMED ERECHIM-COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE LTDA, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para, confirmando a tutela de urgência, determinar que a parte demandada garanta a cobertura completa do medicamento de que necessita a autora (MABTHERA - RITUXIMABE 500mg).

Sucumbente, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que fixo em R$ 1.500,00, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais (Evento 42 do processo originário), a parte ré sustenta que suas obrigações decorrem do contrato celebrado entre as partes, o qual legitima a negativa de cobertura. Diz que o pacto prevê que as partes devem se submeter ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, o qual aduz ser taxativo. Cita o entendimento firmado pela Quarta Turma do e. STJ no RESp nº 1733013/PR. Afirma que a definição prévia das coberturas garante o equilíbrio do cálculo atuarial. Pondera que a recusa decorreu de cláusula contratual e das normas aplicáveis ao caso. Refere que o fármaco postulado se trata de medicamento experimental e sem previsão em bula para o uso que almeja a autora (uso off label). Pugna pelo provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (Evento 44 do processo originário).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o preparo (Evento 42 - CUSTAS2 do processo originário)

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO CONSIDERADO EXPERIMENTAL. MEDICAMENTO OFF LABEL. COBERTURA DEVIDA. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. Súmula n. 608 do STJ. 2. Aplicáveis ao caso em exame as exigências mínimas previstas no plano-referência de que tratam os artigos 10 e 12 da legislação dos planos de saúde, que...

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