Acórdão nº 50067991720218210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50067991720218210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002579352
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006799-17.2021.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: JOAO PEDRO CASTRO PORTELLA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOÃO PEDRO CASTRO PORTELLA em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de nulidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável com pedidos de restituição de valores em dobro e indenização por dano moral em que contende com BANCO BMG S/A. Constou na sentença apelada (Evento 23):

ANTE O EXPOSTO, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por JOÃO PEDRO CASTRO PORTELLA, em desfavor do BANCO BMG S.A.

Considerando o princípio da sucumbência e, com fulcro nos artigos 82, §2º, 84 e 85, §2º, todos do Código de Processo Civil, condeno a parte demandante ao pagamento da Taxa Única e das despesas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte demandada, os quais fixo em 12% sobre o valor da causa atualizado, considerando a natureza da ação, o trabalho desenvolvido e o curto lapso temporal em que o feito permaneceu tramitando. Suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, diante da gratuidade judiciária deferida, na forma do art. 98, §3° do CPC.

Interposto recurso de apelação por quaisquer das partes, considerando que não há mais juízo de admissibilidade em primeiro grau, observando-se o artigo 1.010 do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 dias. No caso de haver recurso adesivo, intime-se a parte apelada para contrarrazões no mesmo prazo. Após, subam os autos imediatamente ao E. TJ/RS.

Com o trânsito em julgado, nada mais pendente, arquivem-se os autos com baixa.

Publique-se. Registrada e intimados eletronicamente.

Em suas razões recursais, a parte autora alega que buscou a parte apelada para realizar um empréstimo consignado em sua folha de pagamento junto ao INSS, mas foi surpreendida ao ver que foi realizado um contrato de cartão de crédito consignado. Destaca sua clara vulnerabilidade que possui na relação contratual em tela. Ressalta que foi enganado e que o Banco apelado se prevaleceu de sua vulnerabilidade. Afirma que nunca foi de seu interesse contratar o mais oneroso meio de empréstimo. Assevera que, nos contratos de adesão, como o do caso em tela, não há liberdade de negociação. Salienta ser necessária a observância do artigo 47, do CDC, no que tange à interpretação favorável ao consumidor. Aponta que o fato de exigir vantagem manifestadamente excessiva em favor de uma das partes constitui prática abusiva. Assevera não ter tido acesso aos termos contratuais no momento da pactuação, circunstância que fere o princípio da transparência contratual. Argui a necessidade de indenização por danos morais, a fim de que haja reparação pelos danos sofridos. Colaciona jurisprudência alinhada à sua argumentação. Requer a condenação da ré ao pagamento de danos morais e materiais. Pede, ao final, o provimento do recurso, a fim de que sejam julgados procedentes os pedidos vertidos na petição inicial (Evento 29).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 30, salientando a parte ré a ocorrência de prática predatória pelos advogados da parte autora, na medida em que estes ajuizam diversas ações praticamente idênticas. Pugnou pela intimação da parte demandante para informar sobre o conhecimento da demanda, assim como pela designação de audiência. Em caso de negativa da parte autora, requer a condenação dos advogados da parte autora por litigância de má-fé e pela expedição de ofícios à OAB, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que a situação seja apurada.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 29 é tempestiva pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 03/03/2022 e findou em 23/03/2022 (Evento 25), sendo que o recurso foi interposto no dia 23/03/2022 (Evento 29). Além disso, a parte apelante é beneficiária da justiça gratuita, sendo dispensada do recolhimento do preparo (Evento 3).

Dessa forma, considerando que é própria, tempestiva e dispensa preparo, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Em contrarrazões, a parte ré pugna pela intimação da parte autora para informar sobre o conhecimento da demanda, sob o argumento de que os seus advogados abusam do direito de demandar e atuam de forma predatória. Em caso de negativa da parte autora, requer a condenação dos causídicos por litigância de má-fé, assim como postula pela expedição de ofícios aos órgão competentes, a fim de que seja apurada a conduta dos procuradores da parte autora.

Não merecem prosperar as pretensões veiculadas pela instituição bancária.

Inicialmente, cumpre ponderar que a parte autora está devidamente representada nos autos por seus advogados, não tendo sido apontada pela parte ré nenhuma efetiva irregularidade na representação da parte demandante que possa macular a documentação acostada aos autos e a procuração que confere poderes aos causídicos, de modo que resta desnecessária a intimação desta para manifestar o seu conhecimento sobre a ação.

Ademais, cumpre mencionar que o mero ajuizamento de diversas ações com postulações semelhantes pelos advogados da parte autora, por si só, não configura abuso do direito de demandar, notadamente porque tratam de contratos bancários distintos. Tal questão necessita ser examinada no caso concreto e com a produção de prova específica.

No caso em exame, inexiste comprovação dos vícios na representação da parte autora nos autos e as alegações realizadas pela parte ré podem ser levadas diretamente aos órgãos competentes para apuração, descabendo qualquer discussão a esse respeito nestes autos.

Outrossim, importante mencionar que se mostra inviável a imposição de multa por litigância de má-fé, na forma do artigo 81 do CPC, ao advogado da parte demandante, porquanto eventual conduta indevida por parte do causídico deve ser aferida em ação própria, conforme determina o art. 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS INTEOSTOS PELA OAB/SP E PELO AUTOR DA AÇÃO POSSESSÓRIA E SEUS PATRONOS.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DANO PROCESSUAL. INDENIZAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. MULTA. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO PROMOVENTE E SEUS ADVOGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA.

ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS.

1. Não há como, na via estreita do recurso especial, afastar a configuração da litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), reconhecida nas instâncias ordinárias com base na interpretação do acervo fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

2. É permitido ao Juiz decretar de ofício a litigância de má-fé, podendo condenar o litigante faltoso a pagar multa e a indenizar a parte contrária pelos prejuízos causados (CPC, art. 18, caput e § 2º).

3. Na fixação da indenização, considerada sua natureza reparatória, é necessária a demonstração do prejuízo efetivamente causado à parte adversa, em razão da conduta lesiva praticada no âmbito do processo, diferentemente do que ocorre com a multa, para a qual basta a caracterização da conduta dolosa.

4. Reconhecida a litigância de má-fé nas instâncias ordinárias, sem demonstração do prejuízo causado à ré, mostra-se cabível a aplicação ao autor da multa não excedente a 1% sobre o valor da causa, afastando-se a indenização do art. 18 do CPC.

5. Os embargos declaratórios opostos com o intuito de prequestionamento não podem ser considerados procrastinatórios (Súmula 98/STJ).

6. Em caso de litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), descabe a condenação solidária da parte faltosa e de seus procuradores. A conduta processual do patrono da parte é disciplinada pelos arts. 14 do CPC e 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB (Lei 8.906/94), de maneira que os danos processuais porventura causados pelo advogado, por dolo ou culpa grave, deverão ser aferidos em ação própria.

7. Recurso especial da OAB/SP provido.

8. Recurso especial do autor e seus patronos parcialmente provido.

(REsp 1331660/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 11/04/2014) – grifei.

Ademais, outro não é o entendimento desta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACIDENTE DO TRABALHO. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO AFASTADA. O PROCURADOR DA PARTE NÃO PODE SER PENALIZADO COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ, DEVENDO SUA CONDUTA PROFISSIONAL SER APURADA EM PROCESSO AUTÔNOMO. ART. 32 DO ESTATUTO DA ADVOCACIA - LEI Nº 8.906/94. ORIENTAÇÃO SEDIMENTADA DO STJ E DO TJRS. AGRAVO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50807124720218217000, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em: 22-09-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. DPVAT. AÇÃO DE COBRANÇA SECURITÁRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO AFASTADA EM RELAÇÃO AO PROFISSIONAL DA ADVOCACIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 77, §6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DO ARTIGO 32, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ESTATUTO DO ADVOGADO. 1. O ARTIGO 77, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É EXPRESSO AO PREVER QUE OS PROCURADORES DAS PARTES NÃO ESTÃO SUJEITOS ÀS PENAS PROCESSUAIS, CABENDO AO ÓRGÃO DE CLASSE APURAR EVENTUAL RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DECORRENTE DE ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. NA MESMA LINHA, DISCIPLINA O ESTATUTO DA ADVOCACIA, NO SENTIDO DE QUE A APURAÇÃO DA CONDUTA DO PROFISSIONAL SERÁ REALIZADA EM...

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