Acórdão nº 50068256920228214001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50068256920228214001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003190185
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006825-69.2022.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: LISANDRA SEVERO DE MORAES (AUTOR)

APELADO: SERVICOOP - COOPERATIVA DE CREDITO DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por SERVICOOP - COOPERATIVA DE CRÉDITO DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL nos autos da ação revisional ajuizada por LISANDRA SEVERO DE MORAES em face da sentença que assim dispôs (Evento 20):

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios dos contratos de empréstimo à taxa média de mercado à época da contratação, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais), nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

Em razões (Evento 28), a parte ré defende a licitude dos juros remuneratórios pactuados, razão pela qual requer a manutenção das taxas contratadas. Sustenta que a revisão dos juros remuneratórios somente pode ser admitida em situações excepcionais quando demonstrada a abusividade do encargo, consideradas todas as peculiaridades do caso em concreto. Salienta que no caso o Julgador singular desconsiderou as peculiaridades de cada caso em concreto. Enfatiza que as taxas de juros remuneratórios pacruadas não são onerosamente excessivas se comparadas com as taxas praticadas por outras instituições financeiras. Caso seja mantida a limitação, requer alternativamente que esta seja realizada com base na taxa média do Bacen, com acréscimo de 30%. Pondera que a quantia a ser repetida ao consumidor deve ser corrigida monetariamente pelo IPCA. Postula a manutenção do IOF, da CAD e do Seguro Prestamista. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Pede, ao final, o provimento do recurso e a inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 32).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 28 é tempestiva, pois o prazo recursal iniciou em 21/11/2022 e findou em 19/12/2022 (Evento 22), sendo o recurso interposto em 07/12/2022 (Evento 28). Além disso, restou comprovado o pagamento do preparo (Evento 28 – CUSTAS2).

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo ao exame.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão os seguintes contratos:

- Contrato de Mútuo nº 0099364-000, firmado em 11/08/2015, no valor de R$ 2.560,65, a ser pago em 24 parcelas mensais de R$ 207,83, contendo previsão de juros remuneratórios de 5,49% ao mês e 89,90% ao ano (Evento 13 – CONTR12).

- Contrato de Mútuo nº 00102668-000, firmado em 20/01/2016, no valor de R$ 528,32, a ser pago em 04 parcelas mensais de R$ 149,16, contendo previsão de juros remuneratórios de 3,99% ao mês e 59,91% ao ano (Evento 13 – CONTR13).

- Contrato de Mútuo nº 00105464-000, firmado em 09/06/2016, no valor de R$ 1.056,64, a ser pago em 12 parcelas mensais de R$ 116,08, contendo previsão de juros remuneratórios de 4,39% ao mês e 67,45% ao ano (Evento 13 – CONTR14).

- Contrato de Mútuo nº 00108481-000, firmado em 06/10/2016, no valor de R$ 1.859,59, a ser pago em 18 parcelas mensais de R$ 166,75, contendo previsão de juros remuneratórios de 5,39% ao mês e 87,75% ao ano (Evento 13 – CONTR15).

- Contrato de Mútuo nº 00115789-000, firmado em 14/07/2017, no valor de R$ 3.425,08, a ser pago em 24 parcelas mensais de R$ 262,01, contendo previsão de juros remuneratórios de 5,49% ao mês e 89,90% ao ano (Evento 13 – CONTR16).

- Contrato de Mútuo nº 00117189-000, firmado em 06/09/2017, no valor de R$ 532,95, a ser pago em 06 parcelas mensais de R$ 107,56, contendo previsão de juros remuneratórios de 4,49% ao mês e 69,39% ao ano (Evento 13 – CONTR17).

- Contrato de Mútuo nº 00119769-000, firmado em 13/12/2017, no valor de R$ 738,02, a ser pago em 10 parcelas mensais de R$ 98,97, contendo previsão de juros remuneratórios de 3,89% ao mês e 58,08% ao ano (Evento 13 – CONTR18).

- Contrato de Mútuo nº 00124937-000, firmado em 17/07/2018, no valor de R$ 1.081,22, a ser pago em 18 parcelas mensais de R$ 97,02, contendo previsão de juros remuneratórios de 4,39% ao mês e 67,45% ao ano (Evento 13 – CONTR19).

- Contrato de Mútuo nº 00126904-000, firmado em 21/09/2018, no valor de R$ 1.080,92, a ser pago em 18 parcelas mensais de R$ 92,66, contendo previsão de juros remuneratórios de 3,89% ao mês e 58,08% ao ano (Evento 13 – CONTR20).

- Contrato de Mútuo nº 00130953-000, firmado em 27/03/2019, no valor de R$ 1.315,32, a ser pago em 24 parcelas mensais de R$ 108,32, contendo previsão de juros remuneratórios de 5,49% ao mês e 89,90% ao ano (Evento 13 – CONTR21).

1. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posicionou-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596/STF dispõe que: “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ já sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade.

Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Cito julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. REEXAME DE FATOS, PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE ABUSIVIDADE EM RELAÇÃO AOS JUROS MORATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. REVISÃO DE TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CARACTERIZAÇÃO DA MORA.

1. Ação revisional.

2. O reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais em recurso especial é inadmissível.

3. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33).

4. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

5. Admite-se a capitalização anual dos juros nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras, desde que seja expressamente pactuada. Precedentes. 6. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

7. Oafastamento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) caracteriza a mora.

8. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1419353/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2019, DJe 12/06/2019) (grifei)

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes. Desta forma, somente há que se falar em taxa abusiva se constatado que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticam percentuais bem inferiores ao do contrato objeto de discussão.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

A exemplificar esse entendimento, cito os seguintes precedentes da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. TAXA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

1. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa.

2. Admite-se a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários celebrados a partir da publicação da MP 1.963-17 (31.3.00), desde que seja pactuada.

3. É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual.

4. Aquele que recebeu o que não devia deve restitui-lo, sob pena de enriquecimento indevido, pouco relevando a prova do erro no pagamento.

5. Agravo...

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