Acórdão nº 50068740420228210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50068740420228210027
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002191886
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5006874-04.2022.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na 3ª Delegacia de Polícia Regional do Interior da Comarca de Santa Maria/RS, Carmen L. S. dos S. S. postulou a concessão de medida protetiva em desfavor de Guilherme S. dos S. P., seu filho, pela prática em tese, do delito de ameaça, tipificado no artigo 147, caput, do Código Penal (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 1, OFIC2).

Em 15/03/2022, sobreveio decisão interlocutória, entendendo o nobre Colega a quo, Dr. Rafael Pagnon Cunha, pelo indeferimento das medidas protetivas postuladas.

É o teor do decisum (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 4, DESPADEC1):

"Na Ocorrência Policial registrada, é relatado pela vítima que o filho lhe perturba e ameaça. Na ocasião, exigiu dinheiro para comprar drogas. Diante de sua negativa, levou seu telefone. Também, disse que quebraria tudo dentro de casa, pois não tem para onde ir. Requer medidas protetivas. Representou.

Brevemente relatado, como recomenda a espécie, passo a motivar.

O fato narrado tem evidente ligação com a condição de adicto do filho da vítima, não sendo o expediente de medidas protetivas o mecanismo apropriado e nem o eficaz para o enfrentamento deste quadro.

Eventuais medidas decretadas neste tipo de situação estão fadadas ao descumprimento em razão do estado mental de pessoas nessas condições, que na maior parte do tempo não possuem discernimento para se autodirigir. Mais adequado sejam conduzidas a tratamento médico, que deve ser buscado na via apropriada em primeiro lugar pelos familiares ou responsáveis. Também necessário considerar que, em caso de descumprimento, o investigado seria preso, o que não é solução desejada.

Caso a vítima não tenha condições de contratar advogado particular, poderá socorrer-se dos serviços da Defensoria Pública, por meio de ação de internação compulsória, se entender que é o caso.

A situação diz com saúde pública.

Ausente violência de gênero.

Indefiro as medidas protetivas requeridas.

Intime-se a vítima."

Inconformado, o Ministério Público recorreu (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 9, APELAÇÃO1), tendo o apelado sido intimado (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 17, CERTGM1).

Em suas razões, postulou, preliminarmente, o conhecimento do recurso pelo princípio da fungibilidade dos recursos, em razão do caráter terminativo da decisão, bem como frente à ausência de previsibilidade na Lei nº 11.340/06 quanto ao recurso cabível. No mérito, pediu a reforma da decisão que indeferiu as medidas protetivas de urgência solicitadas pela ofendida com a consequente concessão das medidas acautelatórias, apontando estarem presentes os elementos necessário para a caracterização de violência em razão do gênero, bem ainda o fato de se tratar de mulher idosa. (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 9, RAZAPELA2).

Apresentadas as contrarrazões (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 22, CONTRAZAP1), subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos à minha Relatoria (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/TJRS, evento 3, INF1).

O parecer do Ministério Público de 2º Grau, da lavra do Dr. Airton Zanatta, foi pelo conhecimento do recurso e, no mérito, o seu provimento para determinar a imposição das medidas protetivas pleiteadas (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/TJRS, evento 12, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público, inconformado com a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de medidas protetivas realizado por Carmen L. S. dos S. S., em desfavor de Guilherme S. dos S. P.

De início, esclareço que não desconheço do debate jurisprudencial a respeito do recurso adequado em se tratando de medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006, uma vez que este regramento - que arrola tanto medidas de natureza cível quanto penal - não dispôs expressamente sobre a matéria. Limitou-se, no seu artigo 13, a permitir a aplicação subsidiária das legislações específicas relativas às crianças, aos adolescentes e aos idosos, a todas as causas cíveis e criminais que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, desde que haja compatibilidade entre os diplomas normativos, como se vê:

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Entre os diversos posicionamentos adotados por algumas das Câmaras Criminais deste Sodalício, que aceitam a interposição de apelação1, de agravo de instrumento2 ou de correição parcial, e a impetração de habeas corpus3, filio-me à orientação deste Órgão Fracionário, no sentido de que decisão sem força definitiva - uma vez que não pôs fim à controvérsia - atrai o recurso em sentido estrito.

A título exemplificativo, colaciono precedente da lavra do eminente Desembargador Luiz Mello Guimarães:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NÃO RECEBIMENTO DE APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO NAS HIPÓTESES LEGAIS. Juízo a quo apenas prorrogou medidas protetivas, dando prosseguimento regular ao feito. Não proferiu sentença definitiva (inc. I, art. 593), sequer decisão com força de definitiva ou colocou fim a controvérsia do feito (inc. II, art. 593), muito menos decidiu em sede de demanda relativa à Tribunal do Júri (inc. III, art. 593). A magistrada de origem apenas determinou a prorrogação de medidas protetivas anteriormente já deferidas, decisão que não esgota qualquer procedimento, sequer põe fim ao litígio. Ao contrário. Deu seguimento à demanda, com os atos processuais inerentes ao impulso processual pertinente ao expediente de medidas protetivas. Descabido o manejo de apelação contra tal decisão. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70062834643, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Mello Guimarães, Julgado em 12/02/2015)

Contudo, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,4 entendo que cabível o conhecimento da presente apelação como se recurso em sentido estrito fosse.

Assim, tempestivo o recurso e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Dito isso, passo à análise meritorial do apelo adiantando que é caso de acolhimento.

Vejamos.

Procedendo à reconstrução cronológica, em 14/03/2022, Carmen L. S. dos S. compareceu na 3ª Delegacia de Polícia Regional do Interior da Comarca de Santa Maria/RS, a fim de levar ao conhecimento das autoridades a violência psicológica a que submetida pelo filho. Segue o teor do registro (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 1, OUT4):

Ademais, assim foi a íntegra do relato oferecido pela ofendida à Autoridade Policial (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA1):

"Relata a vítima que nesta noite estava em casa quando seu filho GUILHERME S. DOS S. P. passou a lhe exigir dinheiro para comprar drogas. Diante da negativa, ele saiu levando seu telefone celular que havia emprestado a ele. Após cerca de 20min ele retornou dando algumas desculpas sobre o paradeiro do aparelho. Diante dos questionamentos, ele disse ter empenhado o aparelho e que seria necessário R$ 40,00 para que lhe devolvessem. Que a avó de Guilherme deu o referido valor a ele, porém retornou após cerca de 10min dizendo que só lhe devolveriam após as 16h. Logo, exigiu que ele saísse de casa, tendo GUILHERME ficado alterado e passado a lhe ameaçar dizendo * daqui não saiu, quebro tudo dentro de casa, tu vai ver, não tenho para onde ir *. Então, a vítima saiu de casa levando as chaves do imóvel e compareceu nesta delegacia para efetuar o presente registro. Relata que GUILHERME é usuário de cocaína. Relata que Guilherme não aceita qualquer tipo de tratamento para sua dependência para o uso de drogas. Que não frequentam nenhum lugar em comum. Deseja que ele seja afastado de sua casa. Que ele nunca teve arma de fogo. Que deseja representar criminalmente e solicita medidas protetivas.

(...)"

Assim, temendo pela sua integridade física e tranquilidade psicológica, solicitou medidas protetivas, que lhe foram indeferidas no dia seguinte (em 15/3/2022), conforme já relatado.

Dessa ordem judicial, as partes foram cientificadas nos dias 16/3/2022 e 25/03/2022 (processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 7, CERT1 e processo 5006874-04.2022.8.21.0027/RS, evento 17, CERTGM1).

Decisão que, a meu sentir, exige reparos.

No ponto, insta salientar que a aplicação da Lei nº 11.340/2006 não se restringe aos conflitos envolvendo relação conjugal, tratando-se de legislação que visa proteger e coibir a violência baseada em gênero na esfera doméstica ou familiar.

Referem Cruz e Simioni (2011, p. 189) que o conceito de comunidade familiar proposto pela norma é amplo, estando "abarcados maridos, companheiros, namorados, amantes, filhos, pais, padrastos, irmãos, cunhados, tios e avós (com vínculos de consanguinidade, de afinidade ou por vontade expressa)". Abrange, portanto, uma variedade de laços de pertencimento no âmbito doméstico.

Nessa toada, como apregoa a brilhante Professora e Doutora Carmen Hein de Campos (2008, apud SIMIONI e CRUZ, 2011, p. 190), a discriminação que a Lei Maria da Penha faz está relacionada ao sujeito passivo dessa violência, assim como o fazem vários...

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