Acórdão nº 50068786820178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50068786820178210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001623832
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006878-68.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA

APELANTE: HUGO RICARDO SUSIN (RÉU)

APELANTE: HYDROL INDUSTRIA E COMERCIO DE EQUIPAMENTOS HIDRAULICOS LTDA (RÉU)

APELADO: BANCO DO BRASIL S/A (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por HYDROL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE EQUIPAMENTOS HIDRÁULICOS LTDA. e OUTRO, contra sentença proferida nos autos da ação monitória embargada, ajuizada pelo BANCO DO BRASIL S/A., cujo dispositivo é o seguinte: “Isso posto, julgo IMPROCEDENTES os embargos opostos, convertendo o mandado monitório em título executivo judicial e determinando o prosseguimento como cumprimento de sentença, incidindo a partir do ajuizamento da demanda correção pelo IGPM e juros de 1% ao mês, além das custas judiciais e honorários de 10% sobre o montante integral do débito, dos quais fica isento o segundo requerido, nos termos do que dispõe o art. 98 do CPC" ("Sentença 8" do Evento 3).

Opostos embargos de declaração pela parte ré, restaram eles parcialmente acolhidos, suprindo a omissão relativa à capitalização dos juros, sem alterar o resultado ("Embargos de declaração 9" do Evento 3).

A parte embargante suscitou, em suas razões, preliminarmente, a inépcia da inicial, sob alegação de ausência de documentos hábeis a demonstrar a existência do débito, especialmente planilha demonstrativa do débito atualizado. No mérito, defendeu a aplicação ao caso das normas do CDC, alegando a abusividade dos juros remuneratórios variáveis incidentes na operação. Sustentou a ilegalidade da capitalização dos juros e da cobrança da comissão de permanência cumulada com juros moratórios e multa. Asseverou a nulidade da cobrança da tarifa de abertura de crédito (TAC). Postulou a concessão do parcelamento compulsório. Requereu o provimento do recurso e a redução dos honorários advocatícios fixados pela sentença ("Apelação 10" do Evento 3).

A parte apelada apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso ("Contrarrazões 11" do Evento 3).

Os autos físicos foram digitalizados e distribuídos no sistema Eproc.

Cumpridas as formalidades legais, vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Da admissibilidade

O recurso interposto é adequado, tempestivo e preparado (fl. 19 da "Apelação 10" do Evento 3).

Do contrato objeto da ação

- Contrato de BB Giro Empresa Flex n° 322.010.674 (abertura de crédito rotativo), celebrado em 03-06-2013, com saldo devedor de R$260.574,29, apurado em 30-12-2016, cujo limite de R$1.500.000,00, com a incidência, durante o período de 07/2014 a 08/2015, de juros remuneratórios entre 1,60% e 1,94% ao mês, sem informações da taxa anual. (fls. 13-37 da "petição inicial e documentos 2" do Evento 3).

Da preliminar de inépcia da inicial

A parte recorrente arguiu a inépcia da inicial, pela ausência de documentos hábeis a demonstrar a existência do débito, especialmente planilha demonstrativa do débito atualizado.

Razão não assiste ao recorrente.

A inicial foi instruída com o contrato de abertura de crédito rotativo, a proposta para utilização de crédito e o demonstrativo de conta vinculada, o qual, além de demonstrar a realização das operações e a liberação dos valores em favor do embargante, serve como planilha demonstrativa do débito, indicando a sua evolução, as taxas de juros remuneratórios aplicadas mês a mês, os demais encargos incidentes e as amortizações ocorridas.

Portanto, os documentos contidos nos autos são suficientes para o julgamento do processo, restando, assim, satisfeita a exigência de prova escrita do débito, conforme exige o art. 700 do CPC, o que afasta a alegada inépcia da inicial.

Preliminar rejeitada.

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às Pessoas Jurídicas

Conforme a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, é merecedor da proteção do CDC, em regra, somente o destinatário final do produto, assim entendido o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, retirado de forma definitiva do mercado de consumo, seja ele pessoa física ou jurídica, excluindo-se, assim, o consumo intermediário, ou seja, aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção, compondo o custo (preço final) de um novo bem ou serviço.

Todavia, a Corte Especial, tomando por base o conceito de consumidor equiparado (art. 29 do CDC), vem admitindo uma aplicação mais flexível dessa definição de destinatário final, em determinadas hipóteses, frente às pessoas jurídicas adquirentes de um produto ou serviço, equiparando-as à condição de consumidoras, por apresentarem alguma vulnerabilidade em relação ao fornecedor (REsp nº 1.195.642-RJ).

No caso, considerando ausência de demonstração de que o empréstimo bancário não tenha afinidade com a atividade da pessoa jurídica e de que seja ela a destinatária final do produto, descaracterizada está a relação de consumo, não podendo, também, a empresa – sociedade limitada - ser equiparada à condição de consumidora, por não haver demonstração de vulnerabilidade frente ao fornecedor do crédito, porquanto não se qualifica como microempresa, mas sim como empresa limitada (fls. 27-34 da "contestação e documentos 4" do Evento 3), não podendo, assim, se beneficiar da proteção do CDC, para fins de revisão dos juros remuneratórios contratados.

Importante destacar que é ônus da pessoa jurídica a demonstração de que o empréstimo não fora utilizado como insumo ao desempenho de sua atividade, ou seja, como incremento da atividade empresarial, bem como da sua vulnerabilidade frente à instituição financeira, a qual não é presumida em relação a esse tipo de sociedade, para fins da proteção do CDC e, por consequência, da intervenção judicial nos juros contratados.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. FINANCIAMENTO BANCÁRIO. PESSOA JURÍDICA. INCREMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO.
1. Não são aplicáveis as disposições da legislação consumerista aos financiamentos bancários para incremento da atividade negocial, haja vista não se tratar de relação de consumo nem se vislumbrar na pessoa da empresa tomadora do empréstimo a figura do consumidor final prevista no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor.
Precedentes do STJ.
2. É inviável a modificação da situação fática delineada pela instância ordinária, no tocante a ser ou não a empresa tomadora dos empréstimos a destinatária final dos bens adquiridos, em razão do óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no REsp 1033736/SP, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 30/05/2014).

De qualquer sorte, cumpre destacar que neste caso sequer há abusividade das taxas de juros pactuadas, pois a taxa média mensal divulgada pelo BACEN, para as operações de crédito - pessoas jurídicas - capital de giro rotativo (cod. 25443), no período de 07/2014 a 08/2015 oscilou entre 2,36% a 2,90%, e as taxas cobradas variaram entre 1,60% e 1,94% ao mês, sendo, portando, inferiores à média do BACEN.

Assim, os juros remuneratórios devem ser mantidos conforme pactuados.

Desprovido no ponto.

Da capitalização dos juros

Conforme entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, manifestado em julgamento com caráter repetitivo, é cabível a capitalização dos juros remuneratórios em periodicidade inferior a um ano nos contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da MP nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP nº 2.170-36/2001 e com validade reconhecida pelo STF no RE nº 592.377/RS), desde que haja cláusula expressa nesse sentido ou, se ausente, na hipótese de ser a taxa de juros anual contratada superior ao duodécuplo da mensal, quando será aplicada a efetiva taxa anual, que já contempla a capitalização mensal (REsp 973.827/RS e Súmula 541 do STJ).

Veja-se:

“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada".
4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não...

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