Acórdão nº 50069237220178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50069237220178210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003280230
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006923-72.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: ADELIA MACHADO DA MOTTA (AUTOR)

APELADO: HUMANA SAUDE SUL LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

ADELIA MACHADO DA MOTTA ajuizou ação revisional de contrato em face de PRÓ-SALUTE SERVIÇOS PARA A SAÚDE LTDA, alegando, em síntese, que era segurada da ré em virtude de adesão a contrato de plano de saúde econômico familiar. Narrou que as mensalidades de seu contrato sofreram reajustes abusivos a partir da data em que passou a contar com a idade de 60 (sessenta) anos. Defendeu a incidência do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Requereu, em sede de antecipação de tutela, a adequação do valor das mensalidades e a determinação para manter o atendimento médico hospitalar em sua plenitude. Pediu o julgamento de procedência do pedido para que fosse declarada a nulidade da cláusula contratual que previa o reajuste das mensalidades por faixa etária.

Sobreveio sentença que julgou improcedente a ação, e condenou a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% do valor dado à causa, atualizado pelo IGP-M desde o ajuizamento, atendidos o grau de zelo profissional, o trabalho desenvolvido, a complexidade da causa, a necessidade de dilação probatória e a sedimentação da jurisprudência, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, restando suspensa a exigibilidade, uma vez que a parte litiga sob o palio da AJG.

A parte autora apela, em suas razões reitera os termos da inicial alegando que em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, é de er afastada a cláusula que prevê o reajuste por mudança de faixa etária. Postula a reforma da sentença com o julgamento de total procedência da ação.

A requerida apresentou contrarrazões (evento 4 - memoriais 8 fls. 27/45).

Os autos vieram-me conclusos em 23/11/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, através da qual a parte autora postula a declaração de ilegalidade do reajuste aplicado ao plano de saúde, bem como a devolução dos valores pagos a maior em razão do percentual aplicado qundo da alteração de faixa etária, julgada improcedente na origem.

Preenchidos os pressupostos processuais, recebo o apelo.

Inicialmente, ressalta-se que nos contratos de seguro de saúde/plano de saúde, de trato sucessivo, os valores cobrados a título de prêmio ou mensalidade guardam relação de proporcionalidade com o grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Essa equação se afigura tão evidente que se pode concluir de modo livre e sem empeço que quanto maior o risco, maior o valor do prêmio, haja vista que é da ordem natural das coisas que quanto mais avançada a idade da pessoa, maior é a probabilidade de contrair doenças e problemas de saúde. Há, pois, relação direta e proporcional entre o incremento de faixa etária e aumento de risco à vida e à saúde das pessoas, de tal maneira que essa desproporção vai irradiar efeitos diretos nos planos de saúde e nos serviços de assistência médica.

É vedado ao Direito, muito menos o interprete, virar às costas ao fenômeno natural.

Somente o reajuste desarrazoado e injustificado que, comprovado no caso concreto, que vise de forma perceptível dificultar ou impedir a permanência do segurado idoso no plano de saúde, implica na vedada discriminação, violadora da garantia da isonomia, preconizada no art.15§3º do Estatuto do Idoso (Lei Federal n. 10.741/2003). Esse pergaminho, não se engane, protege da discriminação do idoso em face exclusivamente da idade avançada e, por conta disso, carrega conotação negativa, no sentido do injusto. Contudo, não há injustiça e nem ilegalidade na hipótese sub examen, pois se o reajuste está previsto no contrato, guarda proporção com o risco e se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei Federal n.9656/98, o aumento é legal. No mesmo diapasão, destarte, igualmente preconizam as Resoluções da ANS e em especial a Resolução CONSU n.6, inclusive aos beneficiários com idade igual ou superior a 60 anos.

Nesse movimento vivo do Direito, o egrégio STJ modificou sua jurisprudência que era no sentido de inadmitir a aplicação de reajustes por mudança de faixa etária para idosos, pois teve de reconhecer que o aumento da idade do segurado implica no aumento direto e proporcional da utilização do plano de saúde e de maior assistência médica. Afora isso, destarte, a Lei Federal n.9656/98, assegurou a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado.

Ao menos em nível de princípio, até que se modifique de novo a orientação da jurisprudência do egrégio STJ, a questão agora restou encaminhada à pacificação com o RESP n.1.568.244/RJ, alçado à condição de repetitivo, cuja ementa reza o seguinte, expressis verbis:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.

1. A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).

2. A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.

3. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.

4. Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).

5. As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).

6. A norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade", apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.

7. Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual;

(ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS.

b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos.

c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.

8. A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de...

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