Acórdão nº 50069585120218210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50069585120218210023
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003228695
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006958-51.2021.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: FELIPE SILVA DA FONSECA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: RENATA RESENDE DA SILVA (Pais) (AUTOR)

APELADO: UNIMED LITORAL SUL/RS - COOPERATIVA MEDICA LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto por FELIPE SILVA DA FONSECA, menor representado por sua genitora, e RENATA RESENDE DA SILVA, nos autos desta ação de repetição de indébito c/c indenização por danos morais que movem em face de UNIMED LITORAL SUL/RS - COOPERATIVA MEDICA LTDA, contra a sentença referente ao evento 48, SENT1, em que julgados improcedentes os pedidos.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos.

FELIPE SILVA DA FONSECA, menor impúbere, representado por sua genitora RENATA RESENDE DA SILVA, e RENATA RESENDE DA SILVA ajuizaram a presente ação de repetição de indébito c/c indenização por danos morais contra UNIMED LITORAL SUL/RS – COOPERATIVA MEDICA LTDA, objetivando provimento jurisdicional que obrigue a ré a restituir em dobro a quantia de R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais), com a incidência juros e correção monetária, bem como que condene a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sendo R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada. Também requereram a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da gratuidade da justiça.

Aduziram ser beneficiários de “Plano Unimed-FURG”, bem com que, em 17 de junho de 2021, aproximadamente às 20h, ocorreu um acidente doméstico, com forte queda e colisão da cabeça em uma estante. Disseram que a criança passou a demonstrar que se encontrava com dores na parte frontal do rosto, razão pela qual, imediatamente, foram até o Pronto Atendimento da Unimed Litoral Sul, localizado na cidade do Rio Grande/RS. Destacaram que, de forma surpreendente, durante atendimento preambular realizado pela recepcionista, receberam a informação de que o plano de saúde estava cancelado, motivo pelo qual qualquer atendimento deveria ser custeado de forma “particular”. Sustentaram que manifestaram inconformidade, mas restaram infrutíferas todas tentativas de verificarem as razões que ensejaram o cancelamento contratual. Referiram que, para possibilitar atendimento médico necessário, embora adimplentes, tiveram de arcar com pagamento de R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais) para realização de consulta e R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) de tomografia computadorizada crânio-encefálica, totalizando R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais). Afirmaram que, posteriormente, receberam resposta da UNIMED Litoral Sul informando que inexistia qualquer vício capaz de ensejar cancelamento do contrato; todavia, manifestaram que apenas realizariam a devolução simples da quantia, sem qualquer incidência de índice de reajuste. Discorreram acerca da aplicação do CDC, da inversão do ônus da prova, da repetição do indébito e do dano moral. Colacionaram jurisprudência. Ofertaram documentos (evento 1, documentos 2 a 13).

Foi concedido o benefício da gratuidade da justiça, bem como determinou-se a intimação da parte autora para informar os dados faltantes (evento 3, documento 1), o que restou atendido (evento 8, documento 1).

Ordenou-se a citação da parte ré (evento 10, documento 1).

A ré apresentou contestação (evento 18, documento 4), alegando que realizou o ressarcimento do valor efetivamente pago de forma particular, não havendo que se falar em cabimento de dano moral. Destacou que a situação vivenciada pela parte autora não se enquadra, de forma alguma, no conceito de dano moral, cingindo-se a um mero desconforto. Mencionou que ocorreu um equívoco operacional que ocasionou a exclusão dos autores; porém, assim que identificado, foi sanado e a restituição do valor efetivamente realizada, enfatizando que os autores não sofreram quaisquer tipos de humilhação ou foram expostos ao ridículo. Discorreu acerca da impossibilidade de inversão do ônus da prova. Colacionou jurisprudência. Requereu a improcedência do pedido. Juntou documentos (evento 18, documentos 1 a 3 e 5 a 8).

Réplica (evento 19, documento 1).

Em saneamento, restou invertido o ônus da prova e determinou-se a intimação das partes acerca da produção de outras provas (evento 21, documento 1), sendo que a parte autora manifestou desinteresse (evento 27, documento 1).

O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (evento 43, documento 1).

A ré reiterou o pleito de improcedência (evento 47, documento 1).

Vieram os autos conclusos para sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, forte no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO formulado por FELIPE SILVA DA FONSECA e RENATA RESENDE DA SILVA em face de UNIMED LITORAL SUL/RS – COOPERATIVA MEDICA LTDA.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios ao patrono da parte ré, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa (com atualização pelo IGP-M do valor de R$ 20.630,00), nos termos do artigo 85, §2º, incisos I ao IV, do Código de Processo Civil.

Suspendo a exigibilidade da verba sucumbencial devida pela parte autora em virtude do benefício da gratuidade da justiça concedido (evento 3, documento 1).

Em suas razões recursais (evento 53, APELAÇÃO1), a parte autora sustenta ser cabível a repetição do indébito na forma dobrada, sob a alegação de que inexiste engano justificável pela ré a ensejar o cancelamento do plano de saúde. Defende a ocorrência de danos morais, em virtude da exclusão indevida e injustificada dos beneficiários do plano de saúde. Diz que a negativa de cobertura ocorreu após acidente doméstico em que o autor Felipe sofrera forte queda. Pontua a impossibilidade de utilizar o plano de saúde no momento de maior vulnerabilidade. Argumenta que o cenário retardara a realização de consulta médica. Colaciona jurisprudência. Discorre acerca do dano reflexo à genitora. Pugna pelo provimento do apelo.

Apresentadas contrarrazões (evento 57, CONTRAZ1).

O Ministério Público opinou pelo parcial provimento do recurso (evento 10, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso deve ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivos e dispensado o preparo em razão da gratuidade da justiça concedida (evento 3, DESPADEC1).

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE...

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