Acórdão nº 50070606820198210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50070606820198210015
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001672204
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5007060-68.2019.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: JOSE REINALDO PRUDENCIO DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: IZABEL CRISTINA TEIXEIRA DA SILVA (AUTOR)

APELADO: NITA DOS SANTOS DUTRA (RÉU)

RELATÓRIO

IZABEL CRISTINA TEIXEIRA DA SILVA e JOSÉ REINALDO PRUDÊNCIO DA SILVA, demandantes, interpõem apelação à decisão do juízo que indeferiu a petição inicial, nos seguintes termos (Evento 14):

Vistos.

Da análise da petição inicial, não há justificativa para que a ação tramite perante este Juízo, quando dispõe a parte do Juizado Especial Cível, criado justamente com o escopo de garantir a celeridade na prestação jurisdicional.

Consigno que a matéria submetida à análise não guarda complexidade, com o que inexiste óbice para o seu processamento junto ao JEC.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DECLINAÇÃO DO JUÍZO COMUM PARA O JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CABIMENTO NO CASO CONCRETO. PRESENÇA DE ELEMENTOS A EVIDENCIAR O ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO, AÍ INCLUÍDO O DIREITO A OPÇÃO DO NÃO AJUIZAMENTO DA DEMANDA JUNTO AOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. Conforme venho entendendo, a partir do julgamento recente da Apelação Cível n° 70073410896, “o exercício da opção a que se refere o art. 3º, §3°, da Lei 9.099/95 e o art. 1°, parágrafo único, da Lei Estadual n° 10.675/96, de ajuizar, na justiça comum, demanda que deveria ser proposta no sistema do JEC, pode se revelar abusiva quando: 1) a demanda ajuizada é de baixa complexidade jurídica, atinente a questões envolvendo posicionamentos jurisprudenciais já sedimentados, em que a solução à lide potencialmente será a mesma, em qualquer das esferas jurisdicionais; 2) a parte autora não justifica sua opção pela justiça ordinária pelo fato de a demanda, pela sua maior complexidade, exigir o olhar mais experiente do juiz togado ao instruir e julgar o feito; 3) a parte autora ajuíza sua demanda sob o pálio da AJG, fazendo com que o custo financeiro de sua opção acabe recaindo sobre o ombro do contribuinte, sem relevante razão para tanto; 4) houver evidências de que, em razão das particularidades da divisão de trabalho entre o JEC e a justiça ordinária, na comarca competente, não haverá qualquer prejuízo para o autor com o ajuizamento da demanda junto ao JEC”. Caso presente que consiste nas denominadas “ações repetitivas” (indenização por dano moral em decorrência de interrupção ‘prolongada’ do fornecimento de energia elétrica) e que a natureza da causa, por si só, permite concluir pela baixa complexidade dos temas controvertidos, a tornar injustificada a preferência da parte por submeter sua pretensão ao Juiz togado, sob o rito ordinário. Assim, embora não tenha sido trazido nenhum dado da realidade organizacional-judiciária da Comarca, é possível concluir estar havendo, pela parte, manipulação da jurisdição adequada, única e exclusivamente visando à potencial obtenção de honorários. Logo, considerando haver elementos a evidenciar a ocorrência de abuso de direito de ação, aí incluído o direito da parte de opção pelo não ajuizamento da demanda junto aos Juizados Especiais Cíveis, é de se desprover o agravo e firmar o Juízo do Juizado Especial Cível de Barra do Ribeiro como o competente para julgar o litígio. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO”.(Agravo de Instrumento, Nº 70081591844, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em: 23-05-2019)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DECLARATÓRIA. INDENIZATÓRIA. Quando a causa é típica dos critérios elencados para tramitação no Juizado Especial Cível, é em tal esfera que deve ser processada a ação, sob pena de situação diversa possibilitar ao litigante manipular a jurisdição, o que se mostra defeso. Precedente da Câmara. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. DECISÃO MONOCRÁTICA”.(Agravo de Instrumento, Nº 70068268309, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em: 18-02-2016)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA COMUM E O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. O juízo comum pode e deve remeter ao Juizado Especial Cível a causa cuja parte e cujas circunstâncias caracterizam a competência do Juizado Especial Cível. Os critérios de definição estão na Constituição da República e na lei, e a nenhuma parte se outorga o direito de manipular a jurisdição. Quando a causa é típica ao Juizado Especial Cível é nele que deve tramitar, salvo circunstância justificadora de que transcorra na Justiça Comum. A ação de cobrança de cheque de pequeno valor, aliada ao pedido de assistência judiciária gratuita, determina a competência do Juizado Especial Cível. Podendo e devendo a ação ser ajuizada no Juizado Especial Cível, devido ás suas circunstâncias, encaminhá-las à Justiça Comum com o requerimento da assistência judiciária gratuita para prevalecer-se ou prevenir-se da sucumbência, corresponde á demonstração do abuso, do arbítrio e da manipulação”.(Conflito de Competência, Nº 70067945311, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em: 13-01-2016).

Ressalto que o acesso ao Juizado Especial independe, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, conforme dicção do art. 54 da Lei 9.099/95, não havendo sentido para a propositura de ações como a presente perante a Justiça Comum.

Tal proceder contribui para o congestionamento da máquina judiciária, causando insofismáveis prejuízos à coletividade, mormente diante do notório volume de ações que aportam nas Varas Cíveis desta Comarca mensalmente.

Ademais, constitui manipulação da jurisdição e abuso do direito de ação, o que merece ser coibido, com o objetivo, inclusive, de primar pelo princípio da duração razoável dos processos.

Ante o exposto, ausente interesse processual da parte requerente, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, fulcro nos artigos 330, inciso III, e 485, inciso I, do Código de Processo Civil.

Custas e despesas processuais pela parte requerente, ficando suspensa a sua exigibilidade, em função do benefício da gratuidade deferido.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

Diligências legais.

Em razões recursais (Evento 19), alegam que litigar no Juizado Especial Cível é uma faculdade da parte, não se justificando, portanto, o indeferimento da petição inicial por falta de interesse processual. Colacionam legislação e jurisprudência a amparar essa tese. Salientam que a competência para o julgamento da ação não se confunde com o interesse de agir, a ocasionar, no máximo, a declinação ao juízo competente, e isso apenas por hipótese, já que nada impede a propositura da demanda perante o juízo comum quando se tratar de causa com valor inferior a quarenta salários mínimos. Postulam o provimento do recurso, para que seja mantido o processamento do feito na vara judicial em que a ação foi distribuída.

Inexistem contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Compreendo e reconheço a posição da sentença, que apoio sob a consideração de que as circunstâncias da causa justificariam a declinação de ofício da competência ao Juizado Especial Cível, de acordo com a posição jurisdicional do Relator, mas o STJ determina o contrário, e a Câmara cumpre, com a ressalva de que mantém o convencimento vigoroso de que se trata de manipulação indevida da jurisdição ao talante do procurador, sem justificativa legal, porque em direito tudo se deve justificar.

Convém e é mais uma vez oportuno rememorar como decidia a Câmara até a consolidação do entendimento do STJ.

De um modo geral, quem pretenda utilizar-se do Poder Judiciário para ajuizar ação de cobrança pode dirigir-se à Justiça Comum, cujo processo...

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