Acórdão nº 50071218520228210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50071218520228210026
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002837368
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5007121-85.2022.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Ato normativo

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: MARCIA CECILIA MEES DA SILVEIRA (IMPETRANTE)

APELADO: MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MARCIA CECILIA MEES DA SILVEIRA contra a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE SANTA CRUZ DO SUL, cujo dispositivo está assim redigido:

"Pelo fio do exposto, DENEGO A SEGURANÇA.

Condeno a impetrante ao pagamento das despesas processuais - exigibilidade suspensa, ante a gratuidade judiciária concedida.

Parte intimadas eletronicamente.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa eletrônica."

A parte apelante alega (evento 31-1 dos autos originários) que o Município de Santa Cruz do Sul não possui regime de previdência próprio (PS), de modo que todos os servidores, obrigatoriamente, são vinculados ao Regime Geral DE Previdência Social – INSS. Alude que a sua aposentadoria "se trata de benefício previdenciário decorrente de regime especial da Previdência Social, o que não pode ser tido como cumulação de vencimentos". Menciona que a opção do servidor de se aposentar de maneira voluntária pelo regime geral do INSS não gera, de forma automática, a vacância do cargo, tendo em vista não se tratar de aposentadoria concedida pelo Município, nem de complementação de proventos, não existindo, portanto, causa legal ou jurídica para a notificação efetuada. Afirma que a manutenção do servidor aposentado pelo INSS no cargo público municipal "não causa qualquer lesão ao disposto no artigo 37, §10, da Constituição Federal, que veda apenas a percepção simultânea de vencimentos com os proventos decorrentes dos artigos 40 ou 42 e 142, também da CF". Assevera que os temas que embasam a notificação (tema nº 1.150 e tema nº 606) "não possuem trânsito em julgado, ou seja, não é possível a sua aplicação de imediato" como pretende o Município. Invoca o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0137698- 14.2018.8.21.7000 pelo TJ/RS, o princípio da segurança jurídica e da irretroatividade da norma nova. Cita precedentes. Requer o provimento do apelo para que seja concedida a segurança.

O Município ofereceu contrarrazões (35-1), alegando que, "não obstante a inexistência de Regime Próprio de Previdência Social, tanto a revogada Lei Complementar Municipal nº 296/05 quanto a atual Lei Complementar Municipal nº 738/19 estabelecem regime jurídico estatutário aos servidores do Município de Santa Cruz do Sul, prevendo a jornada de trabalho, as atribuições dos cargos, a composição da remuneração, os requisitos para provimento e vacância". Aduz que "de acordo com a expressa previsão do Estatuto dos Servidores do Município, a concessão de aposentadoria é causa automática de vacância do cargo efetivo, inteligência do artigo 53, inciso V da Lei Complementar nº 738, de 04 de abril de 2019". Sustenta que os "Temas nºs 1150 e 606 do Supremo Tribunal Federal possuem aplicações absolutamente distintas. O Tema nº 1150 aplica-se aos servidores públicos estatutários, que representam a grande maior dos servidores do Município de Santa Cruz do Sul, ao passo que o Tema nº 606 possui aplicação restrita aos empregados públicos, de vínculo celetista, que representam um diminuto quadro em extinção existente no Ente Público. Logo, descabida qualquer tentativa de aplicar aos servidores estatutários as diretrizes do Tema nº 606 (distinguishing)". Ainda segundo o apelado, "tratando-se de servidores estatutários, a impossibilidade de manutenção do cargo público após a aposentadoria do servidor público decorre da previsão do artigo 53, inciso V da Lei Complementar nº 738, de 04 de abril de 2019 e do artigo 37, inciso II da Constituição Federal, sendo irrelevante o marco normativo decorrente da Emenda Constitucional nº103/2019". Cita precedentes. Requer a manutenção da sentença.

O Ministério Público, por meio de parecer do Procurador de Justiça Paulo Valério Dal Pai Moraes, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 7, PARECER1).

VOTO

I – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

O apelo é tempestivo e está isento de preparo em razão da concessão da AJG. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

II - MÉRITO.

Cabimento do Mandado de Segurança

O artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, prevê:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente estabelece:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Popular, ... 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 36-37):

“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. Gustavo Binenbojm. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322) sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais, sendo até desnecessária a referência ao abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 1142):

“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”

A situação dos autos, em tese, admite a utilização do mandado de segurança.

A Análise do Caso Concreto e a Manutenção da Sentença

Na inicial do "mandamus", foi requerido: "a) Conceder A SEGURANÇA, para fins de determinar, liminarmente, expedindo a ordem mandamental para que o Impetrado, ou quem suas vezes fizer, conceda a manutenção da Impetrante MARCIA CECILIA MEES DA SILVEIRA, em seu cargo de SERVENTE... i) Por fim, o julgamento pela integral procedência do presente mandamus, com a consequente ratificação da liminar a ser deferida e concessão definitiva da segurança, nos termos e pelas razões expostas;".

A sentença denegou a segurança, sob o fundamento de que, "diante do novo cenário, se reconhece que independentemente da data do requerimento ou da concessão da aposentadoria e havendo previsão legislativa local de vacância do cargo em caso de aposentadoria, a extinção do vínculo pelo desligamento simplificado é inexorável - ausente direito líquido e certo de a parte Impetrante ser manutenido na função pública, após a concessão da aposentadoria voluntária junto ao INSS".

Registro que a Câmara tinha outro entendimento sobre a questão, assim como o próprio Supremo Tribunal Federal.

Em vários acórdãos, assim fiz referência ao posicionamento do STF:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DECORRENTES DE APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL COM REMUNERAÇÃO DE CARGO PÚBLICO. PRECEDENTES. CONTRARRAZÕES APRESENTADAS. VERBA HONORÁRIA MAJORADA EM 1%, PERCENTUAL O QUAL SE SOMA AO FIXADO NA DECISÃO AGRAVADA, OBEDECIDOS OS LIMITES DO ART. 85, § 2º, § 3º E §...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT