Acórdão nº 50073620520218210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50073620520218210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002289403
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007362-05.2021.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Inspeção Fitossanitária

RELATOR: Desembargador EDUARDO UHLEIN

APELANTE: MUNICÍPIO DE RIO GRANDE (INTERESSADO)

APELADO: FARMACIA DO SUL LTDA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta por MUNICÍPIO DE RIO GRANDE contra a sentença que concedeu a segurança nos autos do writ impetrado por FARMÁCIA DO SUL LTDA, autorizando o comércio de artigos de conveniência pela Impetrante.

Eis o dispositivo da sentença:

Ante o exposto, CONFIRMO A DECISÃO LIMINAR E CONCEDO A SEGURANÇA pleiteada por FARMACIA DO SUL LTDA em face de SECRETÁRIO MUNICIPAL DA SAÚDE - MUNICÍPIO DE RIO GRANDE - RIO GRANDE para autorizar a comercialização de produtos de loja de conveniência pela impetrante e suas filiais, devendo o impetrado abster de qualquer tipo de sanção a respeito, ressalvado, contudo, o acompanhamento fiscalizatório por parte da autoridade sanitária.

Condeno o Município de Rio Grande aos ônus sucumbenciais, com exceção da taxa única, salvo na hipótese de reembolso, nos termos do art. 5º, inciso I e parágrafo único, da Lei Estadual nº 14.634/2014, devendo adimplir, portanto, apenas as demais despesas processuais, nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual nº 14.634/2014.

Sem honorários, nos termos da Súmula 105 do STJ.

Publicação, registro e intimações realizadas pelo sistema eletrônico

Sentença sujeita ao reexame necessário, forte no artigo 14, §1º, da Lei nº 12.016/09.

Com o trânsito em julgado da sentença, dê-se baixa.

Sustenta o recorrente, em síntese, que a sentença não conciliou os dispositivos legais atinentes à matéria, assegurando que o ato impugnado observou a legalidade. Explica que a autuação decorreu do fato de ter sido constatado, na Inspeção Sanitária, que a Farmácia comercializava bebidas (refrigerante, água e suco), produtos que não constam na Normativa da ANVISA nº 09/08/2009. Destaca dispositivos da Lei nº 13.021/2014, da IN ANVISA nº 09/2009 e da Resolução da Diretoria Coletiva - RDC nº 44/2009. Afirma que a Lei nº 13.021/2014, que transformou as farmácias e drogarias em unidades de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, como estabelecimento de saúde, nada refere sobre drugstores. Também não há lei no Estado do Rio Grande do Sul que disponha sobre o comércio de artigos de conveniência e prestação de serviços em farmácias e drogarias, defendendo que não cabe conferir interpretação ampliativa ao Alvará de Licença. Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, denegando-se a segurança.

Em contrarrazões, a apelada pugna pela manutenção da sentença.

O Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, adiantando o voto no sentido de negar-lhe provimento.

O thema decidendum prescinde de maiores ilações, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 4.093, em 24/09/2014, Relatora a Ministra Rosa Weber, assentou que "A Lei Federal 5.991/73, ao dispor sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, destinou a farmácias e drogarias a exclusividade na comercialização de tais produtos sem proibir, contudo, a oferta de artigos de conveniência".

Decidiu a Excelsa Corte, no referido julgado, que "Às agências reguladoras não compete legislar, e sim promover a normatização dos setores cuja regulação lhes foi legalmente incumbida. A norma regulatória deve se compatibilizar com a ordem legal, integrar a espécie normativa primária, adaptando e especificando o seu conteúdo, e não substituí-la ao inovar na criação de direitos e obrigações".

Confira-se a ementa do acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELO GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO. LEI ESTADUAL Nº 12.623/2007. DISCIPLINA DO COMÉRCIO DE ARTIGOS DE CONVENIÊNCIA EM FARMÁCIAS E DROGARIAS. USUAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. IMPROCEDÊNCIA. A Lei Federal 5.991/73, ao dispor sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, destinou a farmácias e drogarias a exclusividade na comercialização de tais produtos sem proibir, contudo, a oferta de artigos de conveniência. A mera disciplina acerca dos produtos de conveniência que também podem ser comercializados em tais estabelecimentos não extrapola a competência supletiva estadual. O Plenário desta Corte já enfrentou a questão ao julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo Procurador-Geral da República contra diversas leis estaduais - que também disciplinavam a comercialização de artigos de conveniência em farmácias e drogarias-, concluindo pela constitucionalidade das normas impugnadas, seja pela natureza – comércio local-, seja pelo legítimo exercício da competência suplementar dos legisladores estaduais no campo da defesa da saúde - a que se refere o art. 24, XII, da Constituição da República-, seja pela desproporcionalidade da limitação ao exercício da livre iniciativa requerida. Às agências reguladoras não compete legislar, e sim promover a normatização dos setores cuja regulação lhes foi legalmente incumbida. A norma regulatória deve se compatibilizar com a ordem legal, integrar a espécie normativa primária, adaptando e especificando o seu conteúdo, e não substituí-la ao inovar na criação de direitos e obrigações. Em espaço que se revela qualitativamente diferente daquele em que exercida a competência legiferante, a competência regulatória é, no entanto, conformada pela ordem constitucional e legal vigente. As normas da ANVISA que extrapolem sua competência normativa – como é o caso da proibição de comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias - não se revelam aptas a obstar a atividade legiferante dos entes federados. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

(ADI 4093. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. ROSA WEBER. Julgamento: 24/09/2014. Publicação: 17/10/2014)

Nesse compasso, não assume maior relevância o fato de inexistir no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul diploma legal a propósito do tema. Para o que interessa ao caso, importa o que declarou o Supremo Tribunal Federal: 1) não há vedação, na Lei (a Lei Federal 5.991/73), acerca dos produtos de conveniência, que também podem ser comercializados em farmácias ou drogarias; 2) Não compete às agências reguladoras legislar, mas tão somente promover a normatização dos setores cuja regulação lhes incumbe, extrapolando a competência normativa da ANVISA a norma que proíbe o comércio de artigos de conveniência em farmácias ou drogarias.

É o que tem sufragado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FARMÁCIAS E DROGARIAS. NORMAS REGULAMENTARES DA ANVISA QUE PROÍBEM O COMÉRCIO DE PRODUTOS ALHEIOS AO CONCEITO DE MEDICAMENTO. EXTRAPOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA DA AGÊNCIA CONFIGURADA. PRECEDENTE DO STF.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 4.093, Relatora: Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 24/9/2014, Processo eletrônico DJe-203 Divulg 16-10-2014 Public 17-10-2014), asseverou que "A Lei Federal 5.991/73, ao dispor sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, destinou a farmácias e drogarias a exclusividade na comercialização de tais produtos sem proibir, contudo, a oferta de artigos de conveniência".
2. No referido precedente, a Excelsa Corte decidiu, ainda, que "As normas da ANVISA que extrapolem sua competência normativa - como é o caso da proibição de comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias - não se revelam aptas a obstar a atividade legiferante dos entes federados".
3. As restrições previstas na Instrução Normativa 09/2009 da ANVISA devem ceder lugar ao conteúdo ampliativo da Lei catarinense nº 14.370/2008, a qual, por sua vez, não desborda das balizas previstas na Lei nº 5.991/73. 3. Recurso especial do Sindicato autor provido.

(REsp 1450065/RS. RELATOR: Ministro SÉRGIO KUKINA. ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA. DATA DO JULGAMENTO: 27/11/2018. DJe 07/12/2018)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EXAME PREJUDICADO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. COMÉRCIO DE PRODUTOS ALHEIOS AO CONCEITO DE MEDICAMENTO. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAÇÃO DA ANVISA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Prequestionadas, ainda que implicitamente, a tese em torno dos dispositivos legais tidos por violados, acolhe-se o pedido alternativo de exame do mérito recursal e julga-se prejudicado o exame da questão acerca da alegada violação dos art. 165, 458 e 535 do CPC/1973.
2. Hipótese em que se discute a competência ou não do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo em fiscalizar a comercialização de produtos alheios ao conceito de medicamento e, por isso, poder indeferir a emissão da certidão de regularidade para estabelecimento farmacêutico.
3. A jurisprudência desta Corte já consolidou o entendimento de que, nos termos do disposto no art. 44 da Lei n. 5.991/1973, cabe ao órgão de vigilância sanitária a atribuição de licenciar e fiscalizar as condições de funcionamento dos estabelecimentos farmacêuticos, no que tange ao cumprimento de padrões sanitários relativos ao comércio exercido, sendo que aos Conselhos Regionais de Farmácia compete a fiscalização quanto ao exercício profissional dos farmacêuticos, bem como a aplicação de eventuais punições decorrentes de expressa previsão legal, não se confundindo a competência funcional do Conselho com a de Vigilância Sanitária. Precedentes:...

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